segunda-feira, 26 de maio de 2008

Filmes em 3D chegam no fim do ano

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 26/05/08
Hollywood está investindo pesado na produção de obras nesse formato mas, no primeiro momento, apenas de animação

Hollywood está preparando o lançamento em larga escala de filmes em terceira dimensão, que chegam aos cinemas no fim do ano, primeiro em animação e, em seguida, com atores de carne e osso. O desenvolvimento de novos sistemas digitais permite a realização de médias-metragens em 3D, em especial a introdução da técnica de gravação estereoscópica, que obrigou os grandes estúdios a apostar em histórias nesse formato.
O estúdio DreamWorks promete que até 2009 vai verter para 3D todas as suas animações. Seu primeiro lançamento será Monstros vs. Aliens, uma história de mutantes recolhidos por humanos em um complexo secreto. O filme ficará pronto março e será uma "homenagem aos filmes de ficção científica dos anos 50", explica o desenhista espanhol Manuel Almela, que integra a equipe do DreamWorks.
A Disney, a partir de sua filial Pixar, anunciou seu início no cinema estereoscópico com Bolt, que chegará às telas no fim do ano. Em seguida, vai produzir outra animação, UP, e relançará em 3D Toy Story, em 2009. O projeto da Pixar/Disney inclui Toy Story 2, e sua nova seqüência, Toy Story 3, além de uma versão de Rapunzel, todas para 2010.
Filmes produzidos nos últimos anos em 3D filmes, com personagens reais, não fizeram grande sucesso, principalmente por causa das poucas salas equipadas para sua exibição, como é o caso Polar Express (2004) e Beowulf (2007), ambos de Robert Zemeckis. Esses filmes, realizados com sistemas que captam os movimentos dos atores para depois serem digitalizados, foram exibidos nas telas tanto em três dimensões como em seu formato tradicional, o que para muitos resultou numa estética estranha.
"Os diretores têm de melhorar as técnicas, a gente percebe que algo não funciona. Quando você quer imitar um ser humano, ou o faz igual ou cria uma caricatura", explica Almela, para quem o segredo está em combinar o conhecido motion capture com a habilidade dos animadores. "Quem faz isso são os técnicos, que não entendem o movimento, e o passam para a tela e nós, animadores, sim."
Uma prova de fogo para o futuro do 3D com atores será Avatar, anunciado para dezembro de 2009, com Sigourney Weaver e direção de James Cameron. Cameron contará com um orçamento de US$ 200 milhões para recriar em 3D um planeta fictício onde habita uma espécie de humanóides que imitam os humanos. "O Imax e os formatos em terceira dimensão vão se expandir e as salas de cinema terão de se adaptar", assinalou Almela, para quem o futuro da indústria avança sem freios nessa direção. "Os grandes estúdios querem, com isso, fazer com a gente vá mais ao cinema. Hoje, muitas pessoas preferem ficar em casa, onde têm uma tela e um sistema de som. A indústria sabe que tem de oferecer algo mais ao público.
"Os estúdios agora lutam para acelerar a adaptação dos cinemas, para que possam abrigar projeções tridimensionais ainda este ano, calculando que 5.900 salas de todo e mundo ofereçam esse formato, das quais 70% estão nos Estados Unidos.
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Scorsese diverte-se com os problemas, em Depois de Horas

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 26/05/08
Ubiratan Brasil

Se precisou esperar muitos anos até receber seu Oscar de melhor diretor apenas em 2007, por Os Infiltrados, Martin Scorsese já era badalado muito antes pelos grandes festivais europeus de cinema. Em 1986, por exemplo, ganhou um merecido prêmio de direção em Cannes por seu trabalho em Depois de Horas, que o Cinemax Prime exibe às 22h15.
Trata-se de um filme engraçado mas, antes de tudo, angustiante. Griffin Dunne faz o sujeito que passa uma madrugada atrás de uma mulher, em Nova York, vivendo situações bizarras e extravagantes, pois a mulher é, ao mesmo tempo, a atração e a armadilha.
Ele não só demora para a encontrar como é barrado em todos os pontos que visita. Scorsese, aliás, nunca escondeu que adora o acúmulo de problemas, à medida que o personagem segue seus desejos.
Psicanalistas fizeram uma análise original do filme, especialmente a partir da cena em que o personagem descobre, no banheiro, um grafite em que um pênis está prestes a ser devorado por uma vagina dentada. Para eles, era uma alegoria sobre a masturbação ou sobre o medo masculino do sexo feminino assim representado. Elucubrações à parte, o filme diverte.

Ciclo leva a debate as leis de renúncia fiscal para o teatro

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 26/05/08
Programação que segue até o dia 2 envolve investidores e beneficiados tentando ampliar o conhecimento sobre o tema

Beth Néspoli

Nestes tempos em que artistas teatrais reivindicam legislação específica para o setor e discute-se o uso do dinheiro público por meios de leis baseadas em renúncia fiscal não é má idéia ampliar conhecimentos sobre o tema. Esse é o objetivo do ciclo de debates realizado pela direção do Teatro Commune, que teve início da segunda-feira passada e segue até o dia 2.O debate de abertura, acompanhado pelo Estado, reuniu representantes de três empresas patrocinadoras: Petrobrás, Votorantim e Caixa Econômica Federal. Diferentes na amplitude de investimentos, têm em comum o uso de editais públicos para selecionar beneficiados. "O diálogo é sempre esclarecedor", diz Augusto Marin, diretor do Commune.A atriz Michelle Gabriel, que intermediou o debate, ressaltou que convidara outros patrocinadores, "mas foi impossível conciliar agendas". Taís Reis, gerente de patrocínio cultural da Petrobrás, apresentou números de investimentos culturais em todo o País nas áreas de preservação e memória; produção e difusão; formação e reflexão. Ressaltou que a Petrobrás tanto atua de forma direta, por exemplo, na manutenção de grupos como o mineiro Galpão e o Grupo Corpo, quanto por meio de editais. "Com a seleção pública aumentou a distribuição regional nas áreas de artes cênicas e música", afirmou.Ressaltou ainda que a Petrobrás tem como objetivo fomentar a produção cultural existente e, por isso, não possui, e não planeja construir, centros culturais próprios. "Percebemos que o patrocínio continuado propicia aos grupos a manutenção de espaços que acabam se tornando, também, pontos de formação e intercâmbio artístico."O debate mostrou que um dos diferenciais da Caixa Econômica Federal é o investimento direto da quase totalidade de R$ 40 milhões anuais na área cultural. Ou seja, com exceção da manutenção de museus (R$ 6 milhões), os demais projetos beneficiados por edital ganham financiamento direto, sem a utilização do mecanismo da Lei Rouanet. "Eliminamos o que seria mais uma etapa", disse Élcio Mendes de Paiva, gerente de patrocínio da CEF.???Lárcio Benedetti, gerente de desenvolvimento sociocultural da Votorantim, explicou que a partir de 2006 a empresa unificou-se as ações de patrocínio a partir da premissa do "interesse público" e passou a abrir editais numa política voltada para o "acesso aos bens culturais." Mostrou números de uma pesquisa na qual, entre outros dados, revelou que "91% dos municípios brasileiros não têm sequer uma sala de cinema".Por conta disso, a Votorantim optou por apoiar "itinerância, sensibilização e formação de público". A cada ano, abre um novo edital para patrocinar projetos com essas características, mas mantém os já patrocinados. "Em 2006 investimos R$ 13 milhões, no ano seguinte, R$ 18 milhões e, este ano, a previsão é de R$ 25 milhões, sempre através de Lei Rouanet, sendo 80% isenção fiscal e 20% investimento próprio." Entre os beneficiados, para citar dois exemplos, o projeto A Arte do Brincante, de Antonio Nóbrega, e o projeto Arte em Construção, do grupo Pombas Urbanas, sediado em Cidade Tiradentes. "A Votorantim não faz questão de ser patrocinador exclusivo. Por exemplo, na Bienal de São Paulo, investimos na ida de escolas ao evento." Hoje à noite, será a vez de ouvir beneficiados com o Grupo Galpão.

Brasileiro adora dizer que o Brasil não presta

ENTREVISTA DA 2ª
CAETANO VELOSO
Músico critica a esquerda paulista, defende Mangabeira Unger e reclama da "inércia" no país, "salvo-conduto para cada um se mostrar irresponsável"
NA SAÍDA DO SHOW de Caetano Veloso no Rio, uma celebridade diz que amou "Ordem e Progresso", o novo espetáculo do cantor baiano. Ordem e progresso? A bandeira pública de Caetano é outra: "Obra em Progresso" -espetáculo em cartaz às quartas, no Vivo Rio, no aterro do Flamengo, Rio, até 18 de junho, no qual o repertório mistura músicas inéditas e releituras. Mas a variação paródica do lema positivista estampado no símbolo nacional não é ruim para servir também como análise sobre a realidade brasileira. O país é como o show: obra em progresso.
PLÍNIO FRAGADA
SUCURSAL DO RIO
Caetano, 65, reclama da existência de uma "inércia de o Brasil ter sido desimportante" que puxa para trás os que tentam fazer coisas importantes por aqui. "As pessoas ficam com medo de assumir responsabilidade. Isso é inconsciente, mas é verdade. Brasileiro adora dizer que o Brasil não presta." Caetano se apresenta na Europa em julho e agosto e depois volta ao Rio para a continuidade dos shows, do qual resultará o novo disco. Daí "Obra em Progresso". Na sexta, falou à Folha sobre show, disco e também sobre ordem e progresso.

FOLHA - O título do novo disco será "Transamba"?
CAETANO VELOSO - Não sei se será o título do disco. É o apelido que dou para o negócio que a gente está fazendo. Pode ser o título do disco, pode ser que não. Essa palavra veio na minha cabeça porque tem muito a ver com o que a gente está buscando. E a palavra "transa" [título de LP de 1972] está ali inteirinha. Como trabalho musical é um aprofundamento do diálogo entre eu e os três músicos. A criação deste som que ficou bacana no "Cê". Estamos aprofundando por um lado que nem estava sugerido no "Cê".

FOLHA - Por que fazer uma canção chamada "Baía de Guantánamo", uma das inéditas do show? CAETANO - Eu lia sobre aquilo na imprensa, mas nunca imaginei fazer uma canção. Quando eu vi o filme "Caminhos de Guantánamo" [produção inglesa de 2006], parte ficção, parte documentário, comentando com uma pessoa amiga, num e-mail, eu coloquei aquela frase ["O fato de os americanos desrespeitarem os direitos humanos em solo cubano é por demais forte simbolicamente para eu não me abalar"]. Fiquei com ela na cabeça. É um negócio seco, ficou só aquilo. É uma frase que dá conta do mal-estar que senti diante daquela situação irregular quanto aos direitos humanos, produzida pelos americanos na ilha de Cuba, onde eles têm a base de Guantánamo desde o século 19. Se você falar em questão de como são observados os direitos humanos e as questões de liberdade e respeito aos homens, sou 100% mais EUA do que Cuba. E eles, os americanos, os defensores das sociedades abertas, apresentam muitas vezes o caso de Cuba, como um lugar onde não se respeitam as liberdades. Que aconteça isso na base de Guantánamo, sendo que são os americanos que estão desrespeitando os direitos humanos, me abala, me provoca mal-estar. Justamente porque eu sou neste ponto do lado dos americanos. Se eu fosse o tipo de cara de esquerda, pró-Cuba, anti-EUA, não seria nenhum abalo para mim.

FOLHA - Que reflexos terá nos EUA a disputa Obama ou Hillary contra McCain na sua opinião?
CAETANO - Uma coisa boa é que vai acabar a administração Bush. Todo mundo sabe que a Hillary Clinton apresentava uma maturidade maior, um traquejo maior em política, o modo como falava, se apresentava. Mas Obama é um sujeito mais simpático. Ele é mais bonito, parece mais sincero. Tem um atrativo pessoal, não é um atrativo técnico. Obama parece meu pai, é um mulato, parece um cara de Santo Amaro [cidade baiana onde Caetano nasceu]. Me sinto mais próximo dele do que daquela mulher que parece uma perua de tailleur. Adorei o discurso dele sobre raça. É uma abordagem mais brasileira, multipolar, reconhecendo a mestiçagem. Sem se resumir àquela coisa bipolar americana. Ouvi dizer que ele mesmo disse: pareço mais um brasileiro. De fato.

FOLHA - Obama foi aluno de seu amigo Mangabeira Unger, que, depois de dizer que o governo Lula era o mais corrupto da história, assumiu um cargo de ministro de Assuntos Estratégicos.
CAETANO - É normal. Mangabeira sempre militou com suas idéias à esquerda. Esteve ligado ao PDT e ao Brizola por muito tempo, depois por um período bem mais curto a Ciro Gomes, no que, aliás, coincidia totalmente comigo. Foi José Almino Alencar [sociólogo e escritor] quem me chamou a atenção para que lesse os artigos dele na Folha. Eu li e gostei muito. Li o livro dele "Paixão". Li muito de "Política". Li esse livro de filosofia que se chama "The Self Awakened". Tenho muito interesse nele porque parece pôr a discussão política brasileira num nível diferente do habitual. Pensa de uma maneira que pode ser produtiva. Ele vem tentando se aproximar do poder real para fazer com que algumas idéias dele sejam testadas, experimentadas, postas em prática. Pouco antes de Lula ganhar em 2002, ele escreveu na Folha, naquela coluna estreitinha da segunda página, que não era hora de discutir. Lula iria ganhar, então tinha de colaborar com ele. Foi o que ele fez.

FOLHA - Mas depois afirmou que era o governo mais corrupto da história.
CAETANO - A história do mensalão foi realmente um escândalo, uma porcaria, uma coisa nojenta gritante. Alguns outros episódios assim vêm acontecendo, como esse -menor, porém não menos nojento- do novo dossiê, com Dilma e todo esse negócio. O Mangabeira, quando do episódio do mensalão, criticou durissimamente. Quando Lula chamou, ele aceitou, porque é coerente com o projeto que tem: aproximar-se do poder, dando forças à esquerda, para experimentar idéias produtivas de esquerda. Por que justamente esse escrúpulo, que ninguém exige nem do próprio Lula? Foi a única coisa que a imprensa exigiu do Mangabeira quando ele foi chamado. Tem duas coisas aí: uma que o Mangabeira não é muito simpático, apesar de, para mim, ele ser um sujeito espetacular. Mas ele também não faz muita questão de ser afável como os outros brasileiros. Ele mostra aquele aspecto prussiano para marcar diferença. Deseja marcar um certo distanciamento, contribui para que ficasse antipático para os jornalistas. Mas também a rejeição é por causa da novidade, da criatividade do pensamento dele. É uma mistura de ciúme e medo de experimentar verdadeiras mudanças até de pensar. Vejo assim. Você entendeu o que eu disse?

FOLHA - Por que acha que ele é folclorizado?
CAETANO - Porque todas as pessoas que tentam coisas importantes para o Brasil sofrem com essa inércia de o Brasil ter sido desimportante, uma espécie de salvo-conduto para cada um se mostrar irresponsável na sua área. As pessoas ficam com medo de assumir responsabilidade. Isso é inconsciente, mas é verdade. Brasileiro adora dizer que o Brasil não presta, que a língua portuguesa é uma porcaria, que todo mundo escreve errado e ninguém reclama. Tudo aqui é desrespeitado. Tudo que aponte para um negócio que crie responsabilidade... O Brasil vem fazendo isso, está crescendo, se afirmando, apesar disso... Essa força que puxa para trás, que segura, que dificulta é enorme. Essa reação a Mangabeira é uma manifestação disso.

FOLHA - Você não está com o governo, mas o governo está com você ao menos em relação a amigos como Mangabeira e Gilberto Gil.
CAETANO - Cara, fui crítico do Lula, sou crítico do Lula e do governo, mas sou um crítico modesto. Porque não sou cientista político nem faço política nem quero me meter. Mas Lula não é qualquer pessoa. Não é um episódio de somenos importância. Desde que fiz 18 anos, gosto de votar. Meu pai me botou na cabeça que isso tem um valor cívico e me emociono, me lembro de meu pai. Gosto desse ritual democrático. Mas nunca chorei dentro da cabine. Só quando votei em Lula. Fiquei emocionado, meus olhos encheram d'água. É porque era Lula. Não é assim. Não é fácil. Quando vejo o povo brasileiro continuar, atrasadissimamente, na festa da posse de Lula -a única coisa que aconteceu até hoje- entendo. Me identifico com esse sentimento. Eu também sou moreno como vocês (risos). O fato é que não se pode perder a objetividade e a exigência crítica. A tradição latino-americana é de pais da pátria, caudilhos, líderes populistas. Recaídas nisso são freqüentes e um risco permanente. Não quero ser condescendente com esse negócio.

FOLHA - Como vê a possibilidade de a sucessão de Lula caminhar para a disputa entre a ministra Dilma Rousseff e o governador José Serra?
CAETANO - Dilma pelo menos não é de São Paulo, não é da USP. Serra não é propriamente USP, mas essa esquerda paulista já encheu, já deu o que tinha que dar. E é o que Lula é também.

FOLHA - Por que você assinou o manifesto contra as cotas raciais?
CAETANO - Acho muito complexo, discutível, mas neste momento assinei contra para dar força... A maioria das pessoas que, como eu, vem da posição de esquerda, gente legal, todo mundo tem que ser a favor... A maioria dos grupos de movimento negro -não todos, porque há um grupo de movimento negro que assinou contra, o Movimento Negro Socialista. Assinei para dar um peso a esta outra posição. Tem valor abordar o assunto, mas não acho que seja um negócio simples assim aplicar cotas, como os americanos já fizeram. A sentimentalização das relações desiguais que se dá na sociedade influiu no modo como se encara a questão racial brasileira também para o bem e para o mal. Já deveríamos ter negros em posições mais visíveis. Pessoas visivelmente negras. Acho que é coerente que nos EUA aconteça isso e no Brasil não. O governo mais conservador que os EUA teve nas últimas décadas foi o governo Bush. E a figura forte de seu governo é uma mulher negra. Isso é resultado de uma luta aberta nos EUA. E aqui, como nunca houve uma luta aberta...

FOLHA - Nosso racismo cordial...
CAETANO - É. Acho que é bacana, um jeito do Brasil que o Brasil tem de resolver com as suas complexidades... Não venham para cá importar racialismo americano...


Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 26/05/08

Brasileira Sandra Corveloni é a melhor atriz em Cannes

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 26/05/08
61º FESTIVAL DE CANNES
Ela compara prêmio por atuação em "Linha de Passe" com medalha de ouro em Olimpíada
Júri do festival dá Palma de Ouro ao francês "Entre les Murs", dirigido por Laurent Cantet
Sandra Corveloni interpreta Cleuza em "Linha de Passe"
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
LUCAS NEVES DA REPORTAGEM LOCAL

O 61º Festival de Cannes terminou ontem com o prêmio de melhor atriz para a brasileira Sandra Corveloni, protagonista do longa "Linha de Passe", de Walter Salles e Daniela Thomas. A Palma de Ouro ficou com o filme francês "Entre les Murs" (entre os muros), de Laurent Cantet. "Estou me sentindo como uma atleta que ganhou medalha de ouro na Olimpíada. É um prêmio para todo mundo, porque brasileiro batalha tanto para conseguir as coisas", disse a atriz à Folha por telefone, de sua casa, em São Paulo. Os diretores receberam o prêmio em nome de Sandra, que não viajou a Cannes porque se recupera de um aborto espontâneo. "Estava aqui brincando com o meu filho [Orlando, 6] quando a assessora do filme me ligou dizendo que o Walter e a Daniela estavam recebendo o prêmio por mim. Falei: "Meu Deus, como é que é?". Esperava um prêmio pelo conjunto dos atores; a gente fez um trabalho muito homogêneo. Jamais ia imaginar algo assim [o prêmio de melhor atriz]. Está uma loucura", comentou, sobre o assédio repentino da mídia. Sandra, cujo currículo cinematográfico até então se resumia a dois curtas ("Flores Ímpares" e "Amor"), afirmou que suas atenções se voltam agora para o lançamento de "Linha de Passe", previsto para o segundo semestre deste ano: "Quero cuidar da divulgação do filme, para que tenha uma carreira linda. Vou continuar trabalhando no teatro [é atriz e diretora do grupo Tapa], como sempre trabalhei. Não sei o que vai acontecer. Quero viver este momento", diz ela, 22 anos depois de Fernanda Torres ganhar o prêmio de atriz em Cannes por "Eu Sei que Vou te Amar", de Arnaldo Jabor. "Reflexo de uma nação" Em Cannes, Salles disse se orgulhar "de fazer parte de uma profissão que é, antes de tudo, o reflexo de uma nação que se projeta na tela do cinema. Tenho um pouco mais de orgulho desse prêmio para uma atriz que debuta no cinema e que fez de tudo para tornar inesquecível essa experiência [das filmagens] coletiva". Thomas agradeceu o prêmio em inglês e, em seguida, pediu licença para dirigir algumas palavras à atriz, em português: "Querida, você não esteve aqui conosco em carne e osso, mas a sua personalidade incrível, que nos trouxe para essa viagem de puro prazer que foi fazer este filme, está aqui com a gente". Sandra foi selecionada para o papel da doméstica Cleuza, fã do Corinthians, mãe de quatro filhos e grávida do quinto, por meio de testes. "Depois que a vimos pela primeira vez, foi difícil ver outras pessoas. Ela realmente é extraordinária", afirmou Thomas. Salles, que define a atuação de Sandra como "ao mesmo tempo forte e contida", disse que "você vê, tanto com a Sandra como com esses jovens atores [do filme] que estréiam aqui, o quanto há de talento no Brasil que a gente não conhece". Sandra concorreu em Cannes com atrizes como as norte-americanas Angelina Jolie ("Changeling", de Clint Eastwood), Julianne Moore ("Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles, não lembrado pelo júri), e a francesa Catherine Deneuve ("Un Conte de Noël", de Arnaud Desplechin). A Folha apurou que, entre os nove membros do júri, oito votaram na brasileira para o prêmio. O presidente do júri, o ator e diretor norte-americano Sean Penn, declarou que foram decididos por unanimidade a Palma de Ouro e o prêmio de ator, para o norte-americano de origem porto-riquenha Benicio Del Toro, pelo papel de Ernesto Che Guevara em "Che", de Steven Soderbergh. O diretor mexicano Alfonso Cuarón, integrante do júri, disse que "Che" e "Linha de Passe" são "filmes relevantes hoje" e que o júri reconheceu "o poder de interpretação desses personagens [Che e Cleuza], que levam os filmes adiante". Entre a crítica, as apostas para melhor atriz ignoravam Sandra e citavam a argentina Martina Gusmán, de "Leonera", de Pablo Trapero, dentre as prováveis ganhadoras. "Sandra é muito sensitiva. Imagino que, se estivesse aqui, ela dividiria esse prêmio com outras atrizes latino-americanas espetaculares, como Martina Gusmán", observou Salles, em entrevista coletiva após a premiação. Os cineastas dizem que é preciso também "aplaudir e agradecer" o trabalho de Fátima Toledo, preparadora de elenco de "Linha de Passe".

domingo, 25 de maio de 2008

''Ele tem a força da ressaca''

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 25/05/08

No centenário da morte do escritor, o Cultura publicará no último domingo de cada mês depoimentos de artistas sobre sua relação com a obra do mestre da literatura nacional

Gilberto Mendes

Comecei a ler livros de gente grande com 14 anos. E comecei pesado, com Eça de Queiroz. Li quase tudo dele. Minha família, sobretudo meu pai, médico, gostava muito do Eça. Cresci no ambiente do culto ao Eça. É magnífica a elegância e charme cosmopolita, parisiense, lisboeta, da sua linguagem. Na minha juventude, aliás, havia dois times de admiradores bem marcados: o do Eça e o do Machado. A turma do Eça era mais aberta, generosa; já a turma do Machado era radical, gritava contra o que considerava a verborragia do Eça. Eles adoravam a linguagem enxuta.Comecei a ler o Machado de verdade mesmo aos 24, 25 anos. E ainda assim achando que não iria gostar muito. Mas gostei. E muito. Dom Casmurro foi o primeiro romance dele que li e permanece para mim como sua obra-prima. De modo inesperado, ele aqui é mais sensual, deixa um pouco de lado a coisa estrutural, o trabalho de linguagem tão característico em sua literatura. Não consigo esquecer a descrição que ele faz da Capitu logo no começo do livro.Capitu estava ao pé do muro fronteiro, voltada para ele, riscando com um prego. O rumor da porta fê-la olhar para trás; ao dar comigo, encostou-se ao muro, como se quisesse esconder alguma coisa. Caminhei para ela; naturalmente, levava o gesto mudado, porque ela veio a mim, e perguntou-me inquieta: - Que é que você tem? - Eu? Nada. - Nada, não; você tem alguma coisa. Quis insistir que nada, mas não achei língua. Todo eu era olhos e coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza, pela boca fora. Não podia tirar os olhos daquela criatura de 14 anos, forte e cheia, apertada num vestido de chita desbotado.Capitu é a minha personagem machadiana preferida. A dúvida existencial não me interessa, mas é genial o modo como ele bolou isso pra botar a dúvida na cabeça do leitor. Eu, de minha parte, diria que ela traiu Bentinho com Escobar, as características dela são as de quem trai. Ela é tesuda. Aliás, o interessante de Dom Casmurro é que nele Machado assume um tesão humano, sensual, aparentemente distante de seu universo como escritor em tantos outros livros, que privilegiam a ironia, os meios-tons. Aqui, a sensualidade, o tesão, são às claras. Eu me lembro de outra passagem mais adiante, em que ele descreve o penteado dela.Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes numa ninfa... Uma ninfa!Ele é bom mesmo pra descrever tesão. Adorava os braços das senhoras. Mas a Capitu, rodo, rodo e volto a ela, Capitu é sensual demais para não trair. Ah,e a descrição do beijo?Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim, a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e ... (...) Não me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse, faltava-me língua.Tem um outro aspecto muito interessante do Machado para o qual me chamou a atenção David Jackson, professor de literatura brasileira na Universidade do Texas. Ele também é músico, toca violoncelo. E pesquisa a fundo a Pagu, daqui de Santos. Pois não é que Jackson acha que o Machado é meio Woody Allen, pelo cinismo? No Dom Casmurro, a relação dele com o filho - ele acredita que possa não ser dele, trata-o bem mas gostaria que ele tivesse morrido. E, quando o filho morre, ele fica satisfeito. No filme Crimes e Pecados, o cara tem uma amante que enche a vida dele, e o irmão mafioso o aconselha a matá-la, numa saída machadiana. A princípio, achei a comparação forçada. Mas depois pensei bem e achei válido.Machado fala muito de música nos livros, tinha que gostar bastante. O Décio Pignatari me prometeu, durante anos e anos, escrever um libreto para eu musicar as Memórias Póstumas de Brás Cubas. Outra coisa legal é como ele marcou bem o Rio de Janeiro, aquela vida do segundo império. Ele valorizava também a música mais popularesca. Será que, como em Um Homem Célebre, todo compositor brasileiro se vê necessariamente diante da grande música e da música popular? Não creio que a mestiçagem seja exclusividade nossa. Bela Bartók e Stravinski também destilam esta mesma mestiçagem em suas músicas. Mas não sei se a mestiçagem é o que explica a música brasileira - é, porém, uma coisa que faz a gente pensar, chama a atenção. À primeira vista, acho que sim, porque a música popular das Américas, por força da presença negra, é um tipo de música que não houve na Europa. Só tem nos EUA, no Caribe e no Brasil, onde o negro esteve e está presente. O negro é que deu origem ao jazz, ao calipso e à rumba, e ao choro e ao samba. O negro é que deu origem às músicas populares urbanas nas Américas. Na Europa não tinha nada disso, havia apenas a música folclórica.É interessante ver no Machado sua relação com a música popular urbana. A música, ou melhor, as músicas estão espalhadas por toda a sua obra. Não é a relação do músico europeu com a música popular do seu país, que é apenas o folclore. Lá não rolam nas cidades as misturas de coisas eruditas com as músicas negras, como aqui. Isso gerou a música urbana e é a realidade brasileira, norte-americana e do Caribe.Tudo isso pouco valeria se ele não fosse tão genial. Há pouco tempo peguei o Dom Casmurro para consultar um capítulo, e acabei lendo-o inteiro de novo. O livro tem a força da ressaca, arrasta a gente.

DEPOIMENTO A JOÃO MARCOS COELHO

Curta brasileiro leva troféu em Cannes

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 25/05/08
DA ENVIADA A CANNES

O curta brasileiro "Muro", de Bruno Bezerra, ganhou o troféu Regard Neuf (novo olhar) da Quinzena dos Realizadores, do 61º Festival de Cannes.Também foram anunciados os vencedores da mostra "Um Certo Olhar". O longa brasileiro "A Festa da Menina Morta", de Matheus Nachtergaele, saiu sem prêmios. O ganhador foi "Tulpan" (Sergey Dvortsevoy, Cazaquistão).Já o júri da crítica preferiu o australiano "Hunger" (fome), do inglês Steve McQueen. Entre os concorrentes à Palma de Ouro, a crítica escolheu o húngaro "Delta", de Kornél Mundruczó. O júri ecumênico premiou "Adoration" (adoração), do canadense Atom Egoyan.(SA)

"Mash" mostra que o cinema envelheceu

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 25/05/08
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O único desgosto de rever "Mash" (TC Cult, 22h) quase 40 anos depois é constatar o quanto o cinema envelheceu nesse período. O que era, em 1970, ainda uma arte jovem, impetuosa e irresponsável tornou-se nesse meio tempo uma expressão respeitosa, sisuda, que procura, na falta de imaginação de um Indiana Jones, por exemplo, prolongar seu estado agônico.
Ok, talvez não seja bem isso, e talvez quem tenha envelhecido nessas quatro décadas seja o mundo. Em 1970, estávamos perto da sublevação vital de 1968. Em "Mash", por exemplo, estamos em um hospital de campanha em plena Guerra da Coréia e ninguém se vexa de achar que um pastor, quando reza, está doido. Na saudável anarquia que ali vigora, Sally Kellerman é uma caxias que, por marotagem dos médicos, passa a se chamar Lábios Ardentes. Pois a anarquia que ali se instaura não pretende tomar o poder, tirar o lugar de ninguém. A lei marcial é uma piada e o objetivo, voltar para casa.É possível mesmo que "Mash" hoje mostre melhor suas virtudes de comédia corrosiva. Na época, havia o Vietnã, e o combate ao militarismo pelo riso podia ser assimilado à campanha pelo fim da guerra. Hoje o filme perdeu esse interesse e se mostra melhor como representação de uma época. É a comédia de um mundo menos controlado, em que mesmo nas ditaduras podia-se sonhar com a liberdade. Hoje sonhamos com crachás e câmeras ocultas.

Santoro vai a Cuba e aos EUA, mas quer voltar

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 25/05/08
61º FESTIVAL DE CANNES
Ator, que fez Raúl Castro em "Che" e filma com Jim Carrey, fala em "investimento" na carreira e "saudade monstruosa"
Após apresentar longas de Steven Soderbergh e Pablo Trapero em Cannes, ele relativiza fama, defende novelas e planeja teatro
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
"As coisas começaram a se mover." É assim que o ator Rodrigo Santoro, 32, enxerga a fase mais recente de sua carreira.O avanço do trabalho de Santoro além das fronteiras do Brasil ganhou evidência nas duas últimas semanas, quando ele apresentou dois filmes, ambos estrangeiros e em competição pela Palma de Ouro, no 61º Festival de Cannes, o mais renomado do mundo.Em "Leonera" (mãe leoa), do argentino Pablo Trapero, na pele do personagem Ramiro, Santoro vive um passional triângulo amoroso, pelo qual vai parar na cadeia, acusado de assassinato. Em "Che", biografia do líder revolucionário Ernesto Che Guevara dirigida pelo norte-americano Steven Soderbergh, ele é Raúl Castro, o irmão de Fidel e atual mandatário cubano.
Movendo-se de um set a outro, Santoro atuou nos dois longas simultaneamente, no ano passado. "Filmei [a participação em "Che'] em Porto Rico e tinha 20 dias de intervalo até a equipe finalizar [as cenas] e ir para o México, que era minha locação seguinte", conta.
O convite do cineasta argentino o pegou no Brasil num momento em que pretendia dar uma pausa. Ligando de Buenos Aires, Trapero lhe ofereceu "um personagem bastante pequeno, mas fundamental para a história". O diretor descreveu Ramiro como um homem "intenso, que vive um conflito interessante [entre salvar a própria pele ou a da mulher que ama]". Mas o que cativou Santoro na oferta foi uma "suspeita" de Trapero: "Acho que pode ser um desafio para você expressar isso em poucas cenas".
Cuba
Santoro é o tipo de ator que gosta de construir seus personagens com minúcia. Para viver Raúl Castro, estudou uma nova língua (o espanhol) e um país. "Comecei a pesquisar e encontrei uma imagem muito solidificada dele. Só que eu não posso partir para a criação de uma imagem. Então, fiz o que já queria ter feito há muito tempo -ir a Cuba."
Durante o mês e meio na ilha caribenha, Santoro alugou um quarto em Havana Vieja, viajou de jegue a Sierra Maestra e passou dias enfurnado na sede do Instituto Cubano de Cinema (Icaic), vendo imagens de arquivo da revolução. Com um assistente cubano, treinou à exaustão o sotaque de Castro.
"Vivi uma experiência humana sensacional. Essa é uma das coisas que o trabalho me proporciona e que adoro tanto. É o que vou levar da vida. O status, os prêmios, tudo isso é importante, mas o que mais valorizo são as experiências. A preparação é o momento em que conheço o novo, observo, tento não fazer nenhum tipo de julgamento, não ter nenhum preconceito, estar aberto, com o olhar puro. Nessa, você amadurece. Aquilo o transforma."As cenas de Santoro em "Che" não são muitas, mas são divididas com o norte-americano de origem porto-riquenha Benicio Del Toro, que interpreta Ernesto Guevara. "É um ator que admiro muito -o trabalho e as escolhas dele. Só a oportunidade de trabalhar com ele já foi maravilhosa", diz Santoro.
Depois de participar da sessão de gala e da maratona de entrevistas de "Che" em Cannes, o ator retoma agora as filmagens de "I Love You Phillip Morris", em que contracena com outros dois nomes da galáxia hollywoodiana -Jim Carrey e Ewan McGregor.
Sobre seu personagem no filme, a única informação divulgada até agora é que ele tem um caso com o de Jim Carrey. "É um personagem que tem várias surpresas, mas não posso falar mais do que isso. As pessoas acham que a gente faz charme, mas isso é uma regra", diz.
É uma regra dos estúdios de Hollywood, para alimentar expectativas em torno dos filmes e mantê-los sempre sob os holofotes, com as informações sendo liberadas a conta-gotas. Para quem lida com a indústria de celebridades que vem acoplada à do cinema, a barreira a informações não é um problema. Já a fama pode ser um grande incômodo. Para Santoro, foi -no começo de sua carreira, no Brasil.
"É muito brusco quando acontece [o estrelato]. Sou petropolitano [de Petrópolis, região serrana do Estado do Rio], minhoca da terra, fui criado em fazenda. Sou bicho-do-mato, sempre fui, continuo sendo. Vi minha privacidade indo embora, foi complicado entender e aceitar", diz.PolêmicaSantoro se mudou para o Rio na virada dos 18 para os 19 anos. Pouco depois, experimentou o "brusco" sucesso. Quando entendeu que "não era pessoal" o comportamento (aos seus olhos) invasivo da imprensa, Santoro passou a lidar "infinitamente melhor" com o assédio. "Hoje isso é algo que não incomoda. Sinto que de maneira nenhuma preciso encarnar um personagem para dar uma entrevista ou sair na rua. Se não existe uma polêmica em torno de mim, é porque simplesmente não sou assim."Vivendo atualmente mais tempo fora do Brasil do que em sua casa no Rio, ele diz sentir "uma saudade monstruosa" do país, da família, dos amigos e de sua rotina carioca. "Tenho saudade de botar a minha bermuda e surfar. Tenho saudade de descer no Leblon e tomar um suco, uma água-de-coco."
A probabilidade de que Santoro fixe residência em outro país, no entanto, só aumenta. "À medida que as coisas forem acontecendo, que eu continue trabalhando, em algum momento pode ser que tenha uma base em algum lugar, não faço idéia de onde", diz ele.
"No momento, não tenho dinheiro para ter apartamentos. Nesses trabalhos todos que faço, minha remuneração é sempre supertabelada. E, quando estou lá, tenho que gastar para me manter. Isso tudo para mim ainda é um investimento."
Entre "Che" e "I Love You Phillip Morris", Santoro fez outro trabalho internacional. Filmou com Vichy Jenson, co-diretora dos dois primeiros títulos da série "Shrek", a comédia "The Post Grad Survival Guide" (o guia de pós-graduação em sobrevivência)."Estava terminando "Che" quando apareceu esse projeto. Achei o personagem interessante e me aventurei. Era da diretora do "Shrek", que tem um trabalho interessante e diferente. Eu estava vindo do meio do mato. Fui para essa outra história e funcionou como uma reciclagem."
Globo
Embora os papéis de Santoro em filmes internacionais estejam emendando-se uns nos outros, os planos de trabalho do ator no Brasil são muitos e variados, incluindo, além do cinema, o teatro e a TV.
"Estou para resolver minha situação na Globo, mas acho que posso fazer alguma coisa neste ano. Tenho saudade. Minha criação foi ali", diz.Santoro é dos raríssimos [para não dizer o único] atores de sua geração e seu prestígio a defender as novelas. "A TV tem uma coisa mais fluida. Você pega um ritmo. Faz 23 cenas num dia. Acho interessante, diferente. Não acho menor, nem que se possa comparar um capítulo de uma novela com um filme. Não comparo. Tenho respeito por cada um deles e acho interessante para o ator transitar."A volta ao teatro, um projeto antigo, está sendo ensaiada. Sob a direção de Luiz Fernando Carvalho ("Lavoura Arcaica"), Santoro pretende montar um texto da francesa Marguerite Duras. Não há data prevista, porque "para fazer teatro, você tem que parar todo o resto".
No cinema brasileiro, Santoro rodou o ainda inédito em circuito comercial "Desafinados", de Walter Lima Jr., e aceitou o papel do jogador Heleno de Freitas [1920-59] no longa que José Henrique Fonseca deve filmar em 2009 sobre o craque e dândi botafoguense.Antes, talvez diga um "sim" como ator e produtor a algum dos roteiros que estão em suas mãos. Migrar para a direção, movimento que fizeram recentemente os atores Selton Mello ("Feliz Natal") e Matheus Nachtergaele, que apresentou em Cannes seu primeiro longa, "A Festa da Menina Morta", não está nos planos de Santoro."Admiro essa galera toda. Me chamem para participar como ator. Vou adorar. Mas não penso em dirigir. Estou bem envolvido com o trabalho de ator."

sábado, 24 de maio de 2008

A estética de choque da Festa da Menina Morta, de Nachtergaele

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 24/05/08
Longa de estréia do ator retrata um mundo primitivo, de paixões intensas e violentas

Luiz Carlos Merten, Cannes
Matheus Nachtergaele estava feliz da vida após a exibição de A Festa da Menina Morta na quarta-feira à tarde. O filme foi bem recebido na mostra Un Certain Regard. Matheus concorre a dois prêmios, o da própria seção em que passa seu filme e também a Caméra d''Or, para o melhor filme de diretor estreante. O problema é que o repórter do Estado só conseguiu assistir à Menina Morta no fim da tarde de quinta-feira e, desde então, o diretor revelou-se incomunicável. Ora estava em Juan les Pins, ora em Nice, com o celular sempre desligado.Na entrevista que deu ao jornal, quando seu filme foi confirmado na seleção oficial, Matheus Nachtergaele disse que A Festa da Menina Morta era ''radical''. É um pouco mais do que isso. O filme nasceu do encontro de um desejo de Matheus com a comunidade que o diretor estreante descobriu, ao filmar na Amazônia. O culto da menina morta, ele já conhecia desde que filmou O Auto da Compadecida na Paraíba. Basicamente, a menina é morta e um cachorro leva na boca seu vestido, que deposita nas mãos do irmão da garota. Ele vira o ''santinho'', mas não é nada disso, e aí entrou o imaginário de Matheus, enquanto ''autor''. Amante do próprio pai, caprichoso, histérico, Santinho transforma-se no depositário das revelações da mártir, na festa que se realiza todo ano. O filme narra os preparativos e as conseqüências da festa, propriamente dita. Embora cronológica, a narrativa não é propriamente linear, no sentido clássico da causa e efeito. São cenas soltas, aqui e ali, e que vão traçando o retrato das personagens. Uma coisa é certa - a reaparição da mãe desestabiliza Santinho e o que deveria ser uma celebração religiosa detona os conflitos, que implodem o personagem.É muito curioso assistir a A Festa da Menina Morta e ver Daniel de Oliveira interpretar - como Santinho - o próprio diretor Matheus Nachtergaele. Seria um papel perfeito para ele. Estreante, Matheus preferiu concentrar-se na realização. Com a colaboração do diretor de fotografia Lula Carvalho, ele cria fragmentos de um filme que poderia ser grande - ou, pelo menos, melhor do que realmente é. O problema de A Festa da Menina Morta é que o filme é muito desequilibrado. O conceito de ''forte'' do diretor poderia muito bem ser definido como excessivo. Menina Morta propõe uma estética de choque que muitos críticos brasileiros, aqui em Cannes, compararam à de Cláudio Assis. A questão é: qual Cláudio Assis? Pois a verdade é que o diretor pernambucano evoluiu (ou amadureceu) extraordinariamente entre Amarelo Manga e O Baixio das Bestas. Embora o universo da Menina Morta pareça mais próximo do Baixio - um mundo primitivo, de paixões intensas e violentas -, Matheus ainda está no Amarelo Manga. Seu filme impressiona, desconcerta, mas é difícil fechar o arco para saber, afinal, o que ele quis - ou quer - dizer.O sexo entre pai e filho, a matança do porco - que não é vista, mas cujo som acompanha o espectador muito tempo após a projeção -, o descontrole do Santinho, a devoção religiosa, tudo fica no limite do excessivo. Mas há momentos redentores. Um dos mais belos é a dança, meio hip-hop, do mestiço índio Douglas, que Matheus descobriu na própria comunidade ribeirinha em que filmou. Toda a interpretação é visceral, misturando profissionais (Daniel de Oliveira, Dira Paes, Jackson Antunes, Cássia Kiss e Juliano Cazarré) com os locais. O próprio Daniel canta o tema e você é capaz de jurar que é Caetano Veloso.

O melodrama em Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 24/05/08

Ubiratan Brasil

Há uma tradição no cinema de que filmes de grande sucesso não rendem boas continuações - o original esgota o filão. Mas, como toda regra tem uma exceção, aqui os exemplos são vários. E um deles, Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, será exibido hoje pelo Telecine Premium, às 22 horas.O problema do primeiro da série estava na ingrata tarefa de apresentar os personagens, ou seja, mostrar como aquele grupo de quatro pesquisadores passa a desfrutar os superpoderes depois de um acidente que modifica seus cromossomos.Agora, com a chegada de um inimigo à altura (Surfista Prateado), o quarteto passa por uma provação adequada. Ele é o personagem que carrega uma carga melodramática por se sentir um fiel servidor de Galactus, o devorador de mundos que ameaça a Terra. Sua fraqueza, porém, se torna visível ao conhecer Sue Storm, a Mulher Invisível, que não apenas faz lembrar seu grande amor como provoca um conflito interno.É essa angústia que humaniza o filme, recheado de efeitos especiais. O filme também é mais relaxado que o primeiro da série, justamente por trazer mais piadas, especialmente entre os membros do quarteto, que se provocam.

"McCann" Documentário suaviza polêmicas

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 24/05/08

CLARA FAGUNDES

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um ano após o desaparecimento de Madeleine McCann, os pais da garotinha inglesa recebem a GNT. Parecem sóbrios, anestesiados, prontos para gravar mais um capítulo da campanha incessante para encontrar a menina, vista pela última vez em Portugal, dias antes de completar 4 anos. Em casa, os médicos Gerry e Kate McCann acumulam caixas de cartas sobre o caso: doidas, cruéis, boas idéias. Nenhuma levou à menina. A busca por Madeleine tornou-se uma luta feroz entre a polícia, a imprensa e os pais, suspeitos oficiais do desaparecimento desde setembro. Tablóides ingleses e portugueses publicaram reportagens sugerindo que os McCann mataram a filha e encobriram o caso. A trégua veio em forma de acordo extrajudicial, com pedido público de desculpas e doação ao fundo para encontrar Madeleine -que também paga despesas da família. Sempre na trincheira dos pais, a GNT suaviza pontos polêmicos. Não ouve testemunhas, a polícia, os jornalistas que reproduziram especulações precipitadas, o luso-britânico Robert Murat -declarado suspeito pela imprensa e só depois pela polícia. O resultado, monocórdico, decepciona.


O DESAPARECIMENTO DE MADELEINE MCCANN

Quando: hoje, às 20h

Kaufman estréia como diretor em trama "teatral"

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 24/05/08
Festival de Cannes termina amanhã com premiação; hoje, são exibidos Cantet e Wenders
Primeiro longa de famoso roteirista tem como protagonista Philip Seymour Hoffman, que interpreta diretor teatral

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
O 61º Festival de Cannes exibe hoje os últimos dois títulos entre os 22 que concorrem à Palma de Ouro, a ser entregue amanhã.O francês "Entre les Murs" (entre muros), de Laurent Cantet, trata da experiência de um professor com alunos de origem imigrante, baixa renda e sujeitos à violência, em Paris.O alemão "Palermo Shooting" (fotografando Palermo), de Wim Wenders, acompanha um requisitado fotógrafo alemão que abandona a fama e tenta reconstruir sua vida em Palermo, na Sicília (Itália).O roteirista norte-americano Charlie Kaufman ("Adaptação", "Quero Ser John Malkovich"), exibiu ontem seu primeiro longa como diretor, "Synecdoche, New York"."Sempre escrevo sobre o que estou pensando. Naquele momento [em que escreveu o roteiro do filme], eu estava pensando sobre como é ficar velho. Essa é a nossa batalha", disse.No longa, o diretor de teatro Caden Cotard (Phillip Seymour Hoffman) trabalha durante duas décadas na montagem do que pretende ser a sua obra-prima. A peça é um simulacro da realidade, com o qual Cotard quer refletir sobre o quanto um indivíduo é sujeito de sua própria história. Paralelamente ao trabalho, Cotard experimenta uma vida privada em deterioração, em que passa por dois casamentos e alguns funerais de parentes próximos.Kaufman enlaça as narrativas cinematográfica e teatral e adiciona elementos de absurdo na produção, que ele descreve como "monumental, com centenas de atores e sets".Padres e DeusTambém estrearam ontem o cingapuriano "My Magic" (minha mágica), de Eric Khoo, e o italiano "Il Divo" (o divo), em que Paolo Sorrentino traça um perfil feérico de Giulio Andreotti, que foi sete vezes premiê da Itália e deixou o poder sob uma enxurrada de processos criminais e a acusação de envolvimento com a máfia. "Os padres votam, Deus, não" é uma das frases com que o democrata cristão Andreotti (vivido por Toni Servillo) resume seu pragmatismo no filme.O canadense Atom Egoyan estreou na última quinta seu "Adoration" (adoração). Com uma história que mistura intolerância racial, o poder multiplicador da internet e o terrorismo pós-11 de Setembro, o filme de Egoyan dialoga com o "Che" de Soderbergh, ao indagar o que significa, nos dias de hoje, a figura de um mártir e por quais causas é legítimo morrer e matar.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Anime causa revolta entremuçulmanos

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 23/05/08

A produtora APPP Company do Japão teve de pedir desculpas a todos os muçulmanos do mundo pelo conteúdo do anime Jojo no Kimyo na Boken (As Bizarras Aventuras de Jojo), em que seguidores religiosos são apresentados como terroristas. O mangá que deu origem à série tornou-se ainda mais conhecido depois de ser citado na série de TV Heroes, da rede americana NBC - seu personagem mais popular, Hiro Nakamura, é fã das aventuras de Jojo. A animação, que ainda rendeu um game, causou diversos protestos em fóruns online, além de receber a condenação da maior autoridade religiosa sunita, Al Azhar, no Cairo.

Outras mostras revelam seleção bem atraente

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 23/05/08

A Quinzena dos Realizadores recebe nomes como Jean-Marie Straub, Jerzy Skolimowski e Albert Serra

Luiz Carlos Merten, Cannes

Alguns dos melhores filmes desta edição do Festival de Cannes estão passando em outras mostras que não a competitiva. A Quinzena dos Realizadores, por exemplo, abriga uma seleção muito atraente. Além de Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes, a Quinzena também mostrou Le Genou d?Artemide, de Jean-Marie Straub; El Cant des Ocells, de Albert Serra; e Cztery Noce Z Anna (Quatro Noites Com Ana), de Jerzy Skolimowski. A Quinzena pode não ter selecionado os filmes desse jeito, mas está fazendo um arco desde os anos 60 até os 2000.

Mais informações no blog do Merten

Straub surgiu no novo cinema alemão, ao qual legou um de seus mais belos títulos (o melhor?) - A Crônica de Ana Madalena Bach. Depois, em outros países - na Itália, principalmente -, ele desenvolveu em parceria com Danièle Huillet uma obra cujo rigor nunca será suficientemente exaltado - Sicília! é um exemplo perfeito. Após a morte de Danièle, Straub assina seu primeiro filme sozinho. O Joelho de Artemide retoma a cultura erudita num cinema que radicaliza o experimento sem perder a fascinação da humanidade.

Jean-Marie Straub trabalha os mitos. Skolimowski, o ex-enfant terrible do cinema polonês, que os críticos comparavam a Jean-Luc Godard, fala de sua geração e da própria linguagem - do que e como ela mudou nos últimos anos.

Albert Serra, o mais jovem de todos, é outro que adora revisar os mitos. Há dois ou três anos, ele já veio a Cannes - e concorreu à Palma de Ouro com Honor de Caballeria, uma revisão do mito de Dom Quixote, de uma dureza, mas também de uma beleza, de cortar o fôlego. Serra é de Barcelona. Músico, fotógrafo, cenógrafo, roteirista e romancista, diretor, é um multiartista, mais do que um artista multimídia. El Cant des Ocells, ou O Canto dos Pássaros, recria outra história clássica, a dos Três Reis Magos. Como no filme anterior, no qual não temos todo o Quixote, mas um fragmento magnificamente filmado (e com um impressionante uso do som), O Canto dos Pássaros também retoma a história bíblica para discutir os temas da busca e da descoberta - do conhecimento. Os cinéfilos de carteirinha vão amar.

CDs perdem espaço no Reino Unido

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 23/05/08

Pela primeira vez na história, os músicos britânicos faturaram mais com a execução de suas músicas em rádios e na TV do que com a venda de CDs, anunciou a MCPS-PRS, entidade de direitos autorais musicais no Reino Unido. Segundo dados da entidade, foram movimentados no ano passado 562 milhões de libras pelo setor, no total. Desses, 155,5 milhões de libras são resultado de vendas a rádios, TVs e internet. A venda de produtos físicos - CDs e DVDs - representa 151,8 milhões de libras do total, 1% menos que no ano anterior. O restante dos rendimentos veio de execuções em lugares públicos e vendas para o exterior.

Edward Mãos de Tesoura revela simpatia de Burton por excluídos

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 23/05/08

Ubiratan Brasil

Criado por um inventor, que morre sem completar sua obra, Edward é um ser que tem o rosto branco e mãos de lâminas de tesoura. Apesar de habilidoso na escultura, ele não pode tocar nenhum ser vivo sem feri-lo - a não ser para aparar pêlos e cabelos. Ele vive sozinho no castelo gótico de seu inventor até ser descoberto por uma vendedora de produtos Avon, que resolve levá-lo para casa. Lá, Edward tanto se apaixona pela filha da mulher como acaba acusado de crime pela população local.

Os fãs do cinema de Tim Burton já sabem que se trata de Edward Mãos de Tesoura, um de seus mais adoráveis trabalhos que será exibido pelo Telecine Cult, às 22 horas. Cineasta dos excluídos, Burton conseguiu com esta fábula uma de suas melhores produções sobre as dificuldades em se aceitar o que é diferente. Desde a interpretação do elenco (com Johnny Depp à frente vivendo uma espécie de doce Frankenstein) até a música de Danny Elfman, o filme é uma agradável opção.

Sua estética de fábula contrasta com a secura de Sweeney Tod, mais recente filme de Burton, um musical sanguinolento que foi pouco compreendido, mas que revela, novamente, sua preferência pelos excluídos e oprimidos.

Che, resistência sem perder a ternura

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 23/05/08

Mesmo com quase 4h30 de duração, obra de Steven Soderbergh sobre o guerrilheiro atraiu e seduziu um público enorme

Luiz Carlos Merten, CANNES

Steven Soderbergh trouxe um historiador, Jon Lee Anderson - biógrafo de Ernesto Che Guevara -, para a coletiva de seu filme sobre o mítico guerrilheiro cubano-argentino. Che divide-se em duas partes. Na primeira, é selada a aliança de Che e Fidel Castro, começa a campanha que, a partir de Sierra Maestra, conduz a Havana e ao triunfo da revolução contra Fulgencio Batista, entremeada de cenas em preto-e-branco que simulam um documentário sobre o Che na assembléia-geral das Nações Unidas (e defendendo a revolução junto a intelectuais norte-americanos). A segunda parte concentra-se na campanha boliviana. A primeira é épica, a segunda, centrada no fracasso, acentua as crises de asma que consumiam a figura real. Por detrás do mito, Soderbergh busca o homem.

Anderson disse que existem vários Ches Guevaras. Para os países ricos, do chamado Primeiro Mundo, ele é um item de consumo, uma t-shirt que os jovens, principalmente, consomem como a de qualquer outro ídolo da cultura de massas. Para os países do Terceiro Mundo, e especialmente os da América Latina, Che é um ícone da luta revolucionária e da resistência à opressão imperialista. O Che não sai de moda, assinala Anderson, e ele acha que sua importância não fica diminuída - pelo contrário - pelo fato de os representantes das classes oprimidas estejam chegando ao poder democraticamente, pelas eleições, sem derramamento de sangue. Ele poderia citar Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil e Evo Morales, mas não o fez. Generalizou.

Soderbergh citou Morales. Che foi um precursor, pregando, há 40 anos, uma luta que os camponeses e índios bolivianos não apoiaram porque, de certa forma, ainda não tinham consciência de sua força. É uma frase do filme - quase no fim da segunda parte, o Che, derrotado, faz sua autocrítica, mas também diz que, quem sabe, no futuro, as massas bolivianas não se levantarão em nome de mudanças radicais? O futuro, na coletiva, ele deixa subentendido que chegou, o que relativiza a crônica do fracasso na segunda metade de seu filme. Che termina, aliás, com um plano enigmático que é bom não antecipar, mas com certeza terá de ser objeto de análise na estréia do filme.

Havia gente pelo ladrão para ver Benício del Toro - impressionante - na pele do Che, na quarta-feira à noite. Simultaneamente à sessão de imprensa, realizava-se, no Palais, a de gala, com direito a tapete vermelho. Che tem exatamente 268 minutos, quase 4h30 de duração. Passou em duas partes, e no meio a empresa produtora - a Warner França, que concordou em financiar o filme falado em espanhol - distribuiu sanduíches e água aos jornalistas de todo o mundo. O filme deixa uma impressão estranha. A primeira parte, a épica, é para cima e tem cenas de um western em que os mocinhos ganham. A segunda, a do fracasso - mesmo que relativo -, é para baixo e o herói trágico, demasiadamente humano, morre por seus erros, mas sem transigir com sua dignidade. Soderbergh disse uma coisa interessante - que não é preciso compartilhar as idéias do Che para reconhecê-lo como um dos grandes personagens do século 20 e o seu idealismo, a sua luta pela melhoria do ''outro'', como um marco da consciência humana.

Narrado quase como um documentário reconstituído, sem outras cenas íntimas que não aquelas que se referem ao personagem político - Che faz cinco filhos, mas não existe uma cena ''romântica'' -, o filme desconcerta justamente na segunda parte, que parece burocrática (como narrativa), mas que é a melhor, segundo Soderbergh. Ele não fez um filme respeitoso com o mito (ponto a seu favor). Soderbergh admira o personagem, mas falta alguma coisa - o quê? A paixão? Rodrigo Santoro, rapidamente entrevistado pelo Estado - ele faz o hoje presidente Raúl Castro -, amou a humanidade do Che de Soderbergh e disse que compartilhar da equipe montada pelo diretor, formada por técnicos e artistas de todo o mundo, foi como compartilhar o sonho universalista do Che.

Entrevista: Lucrecia Martel

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 23/05/08

O mais argentino dos filmes de Lucrecia Martel

Em La Mujer sin Cabeza ela volta a falar da família e leva espectador à reflexão

Luiz Carlos Merten

Lucrecia Martel confessa-se surpresa e até mesmo um tanto perplexa. Ela pensou que estava fazendo com La Mujer sin Cabeza seu filme mais comercial, ou pelo menos o mais fácil, com o qual finalmente ganharia dinheiro no cinema - e ri quando conta isso -, mas a reação das pessoas nas entrevistas que tem dado, aqui no 61º festival, indicam que, na verdade, ela deu um grande nó na cabeça dos espectadores.

Por que você achou que A Mulher sem Cabeça seria mais facilmente assimilável do que O Pântano e A Menina Santa?

Porque este é um clássico filme em três atos. Bem, talvez exagere um pouco ao dizer ''clássico'', mas La Mujer sin Cabeza tem esses três momentos muito específicos - o acidente, a suspeita de uma mulher, de que pode ter matado alguém, e os desdobramentos do caso. Achei que tudo isso era mais claro do que a construção de meus filmes anteriores, mas pelo visto me enganei. Muita gente com quem tenho conversado simplesmente não entende o filme, ou me acusa de ter dificultado as coisas para o público.

Talvez seja o preço que você tenha de pagar por seu cinema, que não é exatamente conforme o modelo que o público brasileiro adora - histórias simples e humanas, contadas de forma direta. Digo isso, mas faço a ressalva de que seu cinema tem um público entusiasmado no circuito alternativo brasileiro...

Não tento complicar desnecessariamente as coisas. Para mim, o cinema é um sistema de pensamento. O plot, a trama, nunca é o mais importante, mas eu não posso me desligar dela, porque senão não conseguiria articular um discurso coerente. Acho que a riqueza do cinema argentino está na sua diversidade. Ainda não vi Leonera, mas ouço que Pablo (Trapero) criou uma história forte. Lisando Alonso, com quem talvez me identifique mais, está aqui com Liverpool. Ele é muito bom na sua maneira de partir de um detalhe para conseguir abordar o mundo. Cada um tem o seu estilo. O meu consiste em criar uma estrutura que expresse o que penso e também convide o espectador a pensar.

A piscina, a religião, o segredo - aqui a suspeita -, a família apodrecida, a vida na província. Todos os seus temas reaparecem aqui.

Mas são os temas que me interessam. Cresci numa cidade de interior, integrante de uma família enorme. Um clã, por assim dizer. É natural para mim colocar todas essas coisas em meus filmes, mas eu espero não me repetir. Essas coisas estão no filme, mas a serviço de outra reflexão.

Sobre o quê, exatamente?

Prosseguindo com aquilo que você falou antes, sobre as histórias simples e humanas, acho que isso é só uma parte do cinema e da realidade argentinos. Dou-me agora conta de que Uma Mulher sem Cabeça, que para mim é simples, é o mais argentino dos meus filmes e isso o torna complicado para o restante do público mundial.

Diretor explicita obsessão por Welles no Brasil

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 23/05/08

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Em seu último filme, o diretor Rogério Sganzerla retomou uma velha obsessão: a passagem de Orson Welles pelo Brasil. Ninguém foi ao cinema ver "O Signo do Caos" (Canal Brasil, 0h30), no entanto.

Em parte, isso pode ser creditado ao tipo de trabalho de Sganzerla. Ele nem se dá ao trabalho de explicar que Welles esteve no Brasil nos anos 40, que seu filme foi interrompido, que em parte isso se deveu a pressões do governo, por conta de ele filmar o que bem entendia, e não o que o Brasil queria mostrar de si etc.

Mas, se não explica bem explicadinho, se dedica boa parte do filme à cena (fictícia) em que dois censores jogam os negativos na baía da Guanabara (já se sabia que isso nunca aconteceu, os negativos foram reencontrados nos Estados Unidos), é porque Rogério tinha outra questão.

Era: se Welles, que era Welles, afundou-se no Brasil, que dirá nós outros? O signo é esse: o traço negativo, a impossibilidade da obra (de um talento incomum, como era Sganzerla).

"Cuba me interessa menos do que Che", diz diretor

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 23/05/08

61º Festival de Cannes

Steven Soderbergh defende "Che", filme de quase cinco horas sobre a vida do guerrilheiro

Cineasta diz que gostou de "Diários de Motocicleta", de Walter Salles, que também enfoca a trajetória de Che Guevara

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

Filme-acontecimento do 61º Festival de Cannes, "Che", de Steven Soderbergh, foi exibido na noite da última quarta, em sessão-maratona de quase cinco horas de duração -as 4h28 do filme e um intervalo de 30 minutos entre suas duas partes.

Na primeira metade, o longa se debruça sobre a participação de Che na Revolução Cubana (1959) e avança até o discurso do guerrilheiro na ONU, em 1964. A segunda parte de "Che" se concentra nos 341 dias que ele passou na selva boliviana, treinando guerrilheiros, até sua morte, em outubro de 1967.

"Cuba é um assunto que me interessa menos do que Che", disse Soderbergh. "Mas há muitos aspectos da vida de Che que as pessoas não conhecem. Se contássemos o que ocorreu na Bolívia sem mostrar o que houve antes, não haveria o contexto para entender a história."

Protagonizado pelo ator norte-americano de origem porto-riquenha Benicio del Toro, "Che" custou US$ 60 milhões (R$ 98,9 milhões) e foi rodado na Espanha, Bolívia, México, Porto Rico e nos EUA -em Nova York (a cena da ONU).

O ator brasileiro Rodrigo Santoro interpreta Raúl Castro, irmão de Fidel (vivido pelo mexicano Demián Bichir). "Foi uma honra fazer parte deste projeto", disse Santoro. "Éramos atores de todas as partes da América do Sul, trabalhando juntos na selva. Parecia um sonho de Che."

"É necessário aplaudir o fato de que um realizador norte-americano tenha rodado dois filmes sobre Guevara em espanhol", observou o cineasta brasileiro Walter Salles, cujo "Diários de Motocicleta" aborda a juventude de Che. Com seu novo filme co-dirigido por Daniela Thomas, "Linha de Passe", Salles concorre com "Che" e outros 20 longas à Palma de Ouro desta edição.

"Não se pode fazer um filme com um mínimo de credibilidade sobre esse assunto sem que ele seja falado em espanhol", disse Soderbergh, que elogiou "Diários de Motocicleta"- "Walter o fez muito bem". Del Toro afirmou que "não foi fácil" atuar em espanhol. "Meu [sotaque] espanhol é de Porto Rico. Eu tinha 13 anos quando saí de lá e meu espanhol se manteve no mesmo nível. Che era um intelectual que se expressava no melhor espanhol."

Duas partes

Quando "Che" estrear nos cinemas, no próximo semestre, Soderbergh gostaria que ele fosse exibido em duas partes autônomas depois de uma semana em cartaz na versão integral. A distribuidora Warner, na França, porém, prevê lançar a primeira parte em outubro e a segunda em novembro.

O diretor achou "hilária" a recepção crítica desigual que seu filme teve em Cannes. "Enquanto uns o criticaram por ser muito convencional, outros cobraram mais momentos convencionais no filme", disse.

Sobre os que desaprovam o fato de "Che" ter um perfil positivo do guerrilheiro e favorável às suas ações, Soderbergh afirmou: "Conheço bem a argumentação dos que são anti-Che e sei que qualquer quantidade de barbaridades que incluíssemos nesse filme não seria suficiente para satisfazê-los".

Inscrições abertas para monitores

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 23/05/08

Estão abertas até 5 de junho as inscrições online para interessados em trabalhar como monitores na sétima edição da Mostra de Cinema Infantil de Florianópolis, de 27 de junho a 13 de julho. Os monitores recebem o público, orientam e participam de recreação com as crianças. Alguns requisitos são indispensáveis, como empatia com as crianças, pontualidade, iniciativa, dinamismo, paciência e compreensão. Mais informações e ficha de inscrição em www.mostradecinemainfantil.com.br.

Centenas de espectadores à espera da primeira fileira

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 23/05/08

Projeto do teatro da Univali agora está à procura de um mecenasUm projeto ousado e de grande potencial turístico e cultural em Itajaí está à procura de um mecenas. O Centro Cultural da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) teve seu projeto aprovado pela Lei Rouanet do Ministério da Cultura no final do ano passado e agora corre atrás de parceiros privados para ganhar vida. O investimento total está avaliado em aproximadamente R$ 8 milhões.

Há oito anos, a pró-reitoria de pesquisa, pós-graduação, extensão e cultura busca dar forma ao "sonho cultural", como define a responsável pelo setor, Ane Fernandes. Mais do que um auditório, a intenção é construir um teatro para 700 espectadores, equipado com sistema de sonorização e iluminação, além de espaços para exposições, cursos, oficinas e palestras. Todo o complexo terá quatro mil metros quadrados de área construída, em frente ao campus um da Univali.

Com o projeto embaixo do braço, a Univali recorreu ao Ministério da Cultura para recolher recursos. A aprovação na Lei Rouanet possibilita a busca de parceiros no setor privado - as empresas podem usar a isenção fiscal até o equivalente a 4% do lucro líquido como investimento.

A apresentação do Centro Cultural aos empresários começará com a conclusão do projeto arquitetônico, elaborado pela equipe do escritório técnico do curso de arquitetura e urbanismo da Univali. Sob a coordenação de Rafael Cartana, arquiteto autor do projeto original, a principal diretriz para elaboração da proposta é a sustentabilidade. "Ela fica expressa na preocupação com baixo impacto ambiental da edificação e na busca de uma linguagem arquitetônica que tenha identidade com o Vale do Itajaí, sua população, cultura e atividades econômicas", define o arquiteto.

Para Ane Fernandes, os benefícios com o Centro Cultural atingirão não apenas a comunidade acadêmica, mas toda a região do Vale do Itajaí. Hoje, a cidade tem apenas dois teatros: o Municipal, com 500 lugares, e o próprio anfiteatro da Univali, para 700 espectadores. "Como está atualmente não podemos trazer eventos nacionais e internacionais por pura falta de estrutura", argumenta.

A falta de um local próprio e de grande porte tem emperrado até projetos da própria Univali, como exposições e mostras culturais. "A área de turismo na região também irá se beneficiar. Quando conseguimos trazer projetos culturais, toda a estrutura da cidade é envolvida", avalia. O reitor da universidade, José Roberto Provesi, também ressalta a potencialização das atividades com o novo espaço. "O complexo vai ser um centro de fomento à cultura, beneficiando toda a comunidade."

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Parceira na autoria
Inicialmente, o projeto do Centro Cultural foi desenvolvido pelo professor Dalmo Vieira Filho, hoje superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

Rodrigo Santoro fala de "Che" em Cannes

Fonte: Jornal ... - 23/05/08

O ator brasileiro Rodrigo Santoro e outros profissionais falaram, ontem pela manhã para a imprensa, em Cannes, sobre "Che", filme de Steven Soderbergh que foi exibido quarta-feira no festival. O longa, exibido em duas partes, fala da trajetória do médico e guerrilheiro argentino Ernesto Guevara desde a revolução cubana até sua morte na Bolívia. O brasileiro vive Raúl Castro, irmão de Fidel e atual presidente de Cuba. Estrelado por Benicio del Toro, o filme tem quatro horas e meia de duração.

TV Cultura de SC retoma produções locais

Fonte: Jornal ... - 23/05/08

Com apenas seis funcionários, sem contar os colaboradores, a TV Cultura de Santa Catarina superou parcialmente as dificuldades financeiras, administrativas e tecnológicas para poder inaugurar a nova programação, no ar desde 29 de abril. Depois do hiato de um ano e meio, a emissora voltou a exibir produções locais.

Entre julho de 2006 e o final de abril deste ano, a prioridade foi recuperar a estrutura mínima para o funcionamento da TV. "Não dá para trocar o pneu com o carro andando. Quando eu entrei (em agosto de 2006), tinha um passivo de cerca de R$ 230 mil. A última coisa que podia assumir era a produção, porque não tinha dinheiro nem para pagar as contas. A TV estava administrativamente comprometida, financeiramente à beira da falência e tecnologicamente anulada. Tivemos que trabalhar nessas três frentes: gestão, compromissos fiscais e melhoria do sinal, porque a TV nem estava sendo assistida", explica o superintendente da TV Cultura do Estado, Áureo Moraes.

Uma parceria com a TV Cultura de São Paulo firmada em 2006, que seria uma importante fonte de recursos para a catarinense, foi rompida unilateralmente pelo lado paulista. Seria um acordo de remuneração pelos comerciais exibidos durante a retransmissão da programação da TV paulista.

"Em junho de 2007, mudou a cúpula da TV Cultura de SP e a Fundação Padre Anchieta, mantenedora da emissora, propôs a rescisão dos contratos assinados. Diante disso, aquilo que foi projetado não se concretizou", justifica o superintendente.

Áureo se refere aos planos de zerar dívidas até o final de 2007 (só conseguido parcialmente), implantação da TV digital terrestre e a contratação de jornalistas.

Mantida pela Fundação Jerônimo Coelho, sem fins lucrativos, a TV Cultura do Estado se ampara em projetos, apoios e convênios.

ALÍCIA ALÃO | FLORIANÓPOLIS

Yoko Ono obtém vitória judicial sobre filme

A artista plástica e viúva de John Lennon, Yoko Ono, ganhou na Justiça o direito de que um filme do músico não seja exibido, informou a versão on-line do jornal "Boston Herald". A empresa World Wide Video processava Yoko por violação de copyright, ao impedir a divulgação do material sobre o músico que a produtora comprou em 2000. Nas cenas, além de compor e ensaiar, Lennon fuma maconha, fala de suas experiências com drogas e do ex-presidente americano Richard Nixon.

Alternativos ao estrelato

Florianópolis Audiovisual Mercosul tem 14 produções catarinensesLonge da pirotecnia e da enxurrada de efeitos especiais do cinemão de Hollywood, o Florianópolis Audiovisual Mercosul (FAM) chega a sua 12ª edição como um alento para quem busca alternativas na tela grande. Oportunidade para cinéfilos conhecerem filmes de países vizinhos e até da Escandinávia, com a mostra especial de cinema finlandês. As sessões acontecem no Teatro do CIC entre os dias 6 e 13 de junho, com entrada gratuita.

A lista de selecionados do 12o FAM mostra a forte tendência de produção de vídeos em Santa Catarina. Dos 14 selecionados do Estado para as mostras competitivas, 11 estão na categoria. Curtas de 35mm e infanto-juvenil são as outras modalidades em disputa, além da mostra extra, longas convidados e um panorama do cinema da Finlândia.

Além das sessões, a atriz Júlia Lemmertz e o cineasta Roberto Farias estarão presente na Capital para receber homenagens. O evento também repete a realização do Fórum Audiovisual Mercosul, que reúne autoridades para debater sobre o desenvolvimento da produção audiovisual e a constituição de políticas afirmativas para o setor, em níveis estadual, continental e universal. O secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, Silvio Da-Rin, e o diretor da Agência Nacional de Cinema (Ancine), Sérgio Sá, participarão das discussões.



12º FAM
CATARINENSES
- Mostra Competitiva de Curtas 35mm Mercosul
"Desilusão", de Bob Barbosa e Marco Stroisch
- Mostra Competitiva de Vídeos Mercosul
"Aquário", de Cíntia Domit Bittar
"Saiu na TV", de Bernardo Garcia
"História", de Marcelo Sabiá
"Ouroboro", de Maurício Antônangelo
"Kage", de Rafael Irie
"Um Dedo de Prosa", de Gabriela Damasceno
"Quanto ao Futuro", de Christian Abes
"Sonido", de Fernanda Fraiz e Cibele Rosa
"Vim Dizer que Estou Indo", de Yannet Briggiler
"A Caminho", de Sebastião Braga
"À Luz de Schwanke", de Maurício Venturi e Ivaldo Brasil
- Mostra Competitiva Infanto-juvenil
"Doce Turminha e o Bom Samaritano", de Eduardo Drachinski
"Leste do Sol, Oeste da Lua", de Patrícia Monegatto Lopes

Não quero para mim a caveira de cristal do 4º Indiana Jones

Fui ver "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" em Detroit, numa sessão quase lotada pros críticos. O entusiasmo era tangível. Um carinha foi vestido a caráter, com chapéu, calça-cáqui e chicote. Houve aplausos dispersos quando apareceu o logo da Lucasfilm. Só que, lamento dizer, após a sessão não presenciei muito entusiasmo. Os críticos foram embora caladinhos. E olha que todos eles, eu inclusa, têm uma ligação sentimental com a série. A gente sabe perfeitamente que os personagens são ícones da nossa infância e adolescência. Pra mim, ver "Caçadores da Arca Perdida" aos 14 anos foi como se eu estivesse numa montanha-russa.

Foi a primeira vez na vida que o cinema me fez sentir assim. Duvido que o pessoalzinho de 14 anos de hoje vai encarar Indiana da mesma forma. Pra essa nova geração, suponho que a franquia (que obviamente será lucrativa, e haverá um quinto e provavelmente um sexto filme, mesmo sem o Harrison Ford) não vai se distinguir muito dos outros filmes atuais de ação. Meu veredito, estritamente pessoal, é que este Cristal é o pior dos quatro Indies, fácil. Mas, ainda assim, uma boa matinê.

Começando pelo que gostei: o Harrison Ford pode estar velhinho, mas ainda dá um caldo. E é legal que o roteiro se encarregue de fazer piadinhas com a idade dele pra tirar a graça das nossas. Por exemplo, logo de cara Indy diz que antes o trabalho era mais fácil, porque ele era mais jovem. Não que encontre a mínima dificuldade pra derrotar um exército de inimigos. E o Shia LaBeouf, que tá bem na sua entrada de moto imitando o Marlon Brando em "O Selvagem", pergunta a Indy: "Você deve ter o quê, uns 80 anos?".

Hum, gostei das cenas com a areia mais ou menos movediça, com as formigas gigantes e com a caveira de cristal espantando as formigas, como o fogo fazia com as cobras em "Caçadores da Arca Perdida". O duelo de espadas e o Shia se equilibrando entre dois carros estão ok, mas os macacos? Nada a ver. Talvez seja uma homenagem ao macaquinho encantador/traiçoeiro de "Caçadores", talvez seja uma homenagem ao Tarzan.

Mas tá fraco. E um dos motivos é que os símios são tão claramente gerados por computador que mal parecem reais.

LOLA ARONOVICH DETROIT

Fonte: Jornal A notícia - 23/05/08

quinta-feira, 22 de maio de 2008

Jean-Pierre e Luc Dardene, os irmãos belgas que se completam

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 22/05/08

Eles explicam como se inspiraram numa história real para fazer O Silêncio de Lorna

Luiz Carlos Merten, Cannes

Jean-Pierre e Luc - que cinéfilo de carteirinha não identifica os dois irmãos belgas, os Dardenne, duas vezes vencedores da Palma de Ouro? Eles conversam com o repórter do Estado - que foi integrante do júri que presidiram, e que atribuiu a Caméra d''Or de 2005 - no stand da Unifrance no Village International, a parte ''aberta'' do Mercado de Filmes que se desenrola numa paisagem de frente para o mar. Os Dardennes estão felizes de voltar a Cannes, e à competição. ''Submetemos o filme à comissão de seleção e Thierry Frémaux (diretor artístico) poderia tê-lo recusado. Independentemente de prêmios, é sempre bom estar aqui para rever amigos e ver alguns bons filmes.''

É difícil estabelecer divisões quando se fala com Jean-Pierre e Luc. Eles possuem uma cabeça em dois corpos. Não são jograis, mas seus pensamentos se completam e às vezes um começa a frase que o outro termina. Eles estão muito satisfeitos com o novo filme, O Silêncio de Lorna.

Por que Lorna?

Uma amiga albanesa nos havia contado a história que serviu de base para o personagem de Jérome Rénier. Seu irmão era junkie e foi abordado para fazer um casamento branco, para uma estrangeira puder adquirira nacionalidade belga. Ele estava prestes a aceitar, mas felizmente sua irmã lhe fez ver que, em geral, essas histórias terminavam abruptamente por uma overdose. O assunto nos interessou, mas não queríamos fazer mais um filme na perspectiva masculina, como em O Filho e A Criança. Contar a história pelo ângulo feminino nos pareceu mais interessante, e surgiu Lorna.

É interessante ver como homens conseguem expressar de forma tão verdadeira a intimidade de uma mulher.

Era nosso desafio e foi o que nos atraiu. E também porque Lorna nos permite retomar, em outro nível e com outras preocupações, temas que já estavam em O Filho e A Criança. Se você se lembrar de O Filho, o homem ficava preso na amargura do assassinato do filho. A mulher se reconstruía. Casava-se com outro e vinha lhe anunciar que estava grávida. As mulheres, que vivem numa sociedade dominada pelos homens, podem ser muito duras na manipulação do poder, mas e também são mais ternas e fundadoras do que os homens, talvez por causa das mudanças físicas. O homem planta a semente, mas é a mulher que gera o filho.

O filme possui estrutura estranha, vamos dizer assim. Lorna é cooptada para esse casamento branco com um junkie ao qual ela se liga, mas na metade do filme ele morre abruptamente. Por quê?

Não nos peça para explicar, porque não saberíamos dizer, mas sempre estivemos de acordo de que a morte não deveria ser filmada. Isso introduz uma quebra no filme, que foi deliberada, e também a ausência do morto meio que prepara o espectador para a criança que, na verdade, também não está no filme, e até há dúvida se existirá. Lorna engravida, mas há a suspeita de que seja uma falsa gravidez.

Vocês usam menos o plano-seqüência, desta vez. Por quê?

Filmamos muito em planos-seqüências que depois desconstruímos na montagem por uma questão simples, de ritmo. Contamos uma história que tem vários personagens e diferentes pontos de vista. O corte permite juntar mais as diferentes perspectivas.

Como sempre, vocês têm atores maravilhosos. Como encontraram Lorna?

Arta Dobroshi é uma atriz húngara muito talentosa. Nós a selecionamos por audição, após vê-la em dois filmes. No início, ela não falava francês, foi preciso passar por duas preparações. Não podíamos fazer o filme com uma personagem húngara, pois não poderia pertencer à União Européia, o que já lhe daria direito à cidadania belga. Optamos por uma personagem albanesa. Felizmente, ela é talentosa, a alma que precisávamos para Lorna.

Manifesto do Surrealismo é leiloado

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 22/05/08

O único manuscrito completo que foi conservado do Manifesto do Surrealismo, assinado por André Breton, foi vendido ontem em um leilão em Paris, parte de um lote de nove peças do poeta, alcançando o valor de US$ 5,4 milhões. O comprador foi um dos criadores do Museu Privado de Cartas e Manuscritos de Paris, que planeja expor as obras. Breton (1896-1996) é considerado o principal fundador do movimento surrealista, cujas bases definiu no manifesto agora leiloado, escrito em 1924. Entre suas obras, destacam-se Nadja, O Amor Louco, Os Paraísos Perdidos e Os Vasos Comunicantes.

Cinema de verdade tem vez este ano

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 22/05/08

Há documentários belíssimos exibidos na programação deste 61.ª edição

Luiz Carlos Merten, Cannes

É uma sensação bizarra para um espectador - um cinéfilo - brasileiro. Em Todas as Mulheres do Mundo, Domingos de Oliveira colocava um tema de Gabriel Fauré nas cenas em que Leila Diniz - a mulher que sintetizava todas as outras - olhava para a câmera. Raymond Depardon recorre ao mesmo tema de Fauré em A Vida Moderna, seu novo documentário, que integra a seleção de Un Certain Regard. O tema aparece quando o carro da produção percorre uma estrada invernal (toda a paisagem está coberta de neve), a caminho de uma daquelas fazendas no coração da França, cujos proprietários o grande diretor entrevista. É maravilhoso e, ao mesmo tempo inusitado, pois aquela estrada remete a uma atriz mítica - e a um filme também mítico - do cinema brasileiro.

Existem belíssimos documentários em diferentes seções do 61º festival, e o de Depardon é um deles. O diretor foi ouvir os mesmos fazendeiros que já entrevistara num filme anterior. Muita coisa ocorreu na vida deles, e na obra do próprio Depardon, mas, no fundo, o que ele admite que queria fazer era fugir ao clichê de que essas populações interioranas são reacionárias e ponto final. A modernidade já chegou a estes aparentes bastiões do conservadorismo, e é disso que trata La Vie Moderne. As transformações também estão no centro do belíssimo documentário de Jia Zhang Ke 24 City, que integra a mostra competitiva, concorrendo à Palma de Ouro. Zhang Ke é hoje não apenas o maior diretor chinês, mas um dos maiores do mundo. Seu tema são as transformações ocorridas em seu país na passagem do comunismo para o capitalismo. Em Busca da Vida trabalha como ficção o mesmo universo - ao redor da construção da barragem das Três Gargantas - que Dong explora como documentário. Zhang Ke agora une as duas tendências.

Os maiores filmes brasileiros do ano passado - Santiago, de João Moreira Salles, e Jogo de Cena, de Eduardo Coutinho - se construíam exatamente como 24 City, nas bordas do documentário e da ficção. Jia Zhang Ke volta-se para esta fábrica de armamentos que está sendo destruída para implantação de um moderno conjunto. Ele entrevista pessoas que ali viveram e reconstitui outros depoimentos por meio de atores, entre eles (ou elas) Joan Chen, que co-estrelou O Último Imperador, de Bernardo Bertolucci. O sentimento proporcionado por 24 City produz uma estranha melancolia no espectador, e é isso que faz a (extrema) beleza do filme. Impossível não pensar no poema de Woodsworth que servia de epígrafe para Clamor do Sexo, de Elia Kazan. O esplendor na relva se foi para sempre, mas as pessoas o carregam como um suporte para a necessidade de seguir em frente.

Jia Zhang Ke não é nostálgico da velha China comunista. Ele sabe perfeitamente o que significou aquele Gulag - e sabe, também, exatamente, em que país vive (e no qual seus filmes permanecem inéditos, apesar de sua consagração no exterior). As pessoas, homens e mulheres, perderam muito durante o comunismo, e perderam até muito do que haviam adquirido no comunismo, mas agora elas vivem todas as dificuldades de adaptação a um mundo que se transforma rapidamente demais. Há um sentimento permanente de perda nos sonhos que estas pessoas sonham realizar. A mulher que tinha vergonha dos pais operários (Joan Chen, num verdadeiro jogo de cena) agora quer trabalhar bastante para comprar para eles um apartamento de luxo em 24 City. Há um sentimento de tristeza, mas mesclado à euforia de que a transformação é inexorável. Nada volta atrás, como no poema de Woodsworth e Jia, afinal, pode ser mais crítico - pelo menos para efeito externo - do que a geração anterior do cinema chinês.

Outro filme nas bordas da ficção e do documentário passou ontem na Quinzena dos Realizadores. É o português Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes. Se você perguntar a jornalistas de Portugal, eles dirão que o público do país não tem muito orgulho de seu cinema e que as pessoas, em geral, preferem as megaproduções de Hollywood. O motivo mais fácil para isso é o forte experimentalismo do cinema português, seja por parte de um autor centenário, como Manoel de Oliveira, e de um jovem na casa dos 30 anos, como Gomes. O filme dele começou a surgir como ficção, mas aí faltou dinheiro e o filme parou. O diretor reassumiu-o como documentário, filmando em 16 milímetros, com uma equipe reduzida para diminuir ainda mais os custos. Ele filma numa das regiões mais atrasadas de Portugal, mas também uma daquelas que melhor conserva tradições religiosas e cultiva um tipo de música (country?) portuguesa, como a que no Brasil se define como brega, cheia de males de amor. A música é um fundo e, ao mesmo tempo, a real condutora da história, que trata de um filme dentro do filme.

Lá pelas tantas, não são mais os personagens, que se constroem entre a ficção e o documentário, que estão em debate, mas o próprio filme, ameaçado de não existir por causa do que se aparenta a um defeito técnico na captação do som. O resultado é imenso - um filme sobre o cinema, sobre a vida, o mundo. Simples, totalmente distante de uma dramaturgia tradicional e, ao mesmo tempo, terrivelmente complexo. O cinema português, realmente, não cessa de surpreender. Depois de Oliveira, João Monteiro e Pedro Costa, existe agora Miguel Gomes para ser descoberto pelo público brasileiro - no Festival do Rio, na Mostra de São Paulo e, depois, quem sabe?, no circuito comercial.

A vida dilacerada do poeta pós-punk

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 22/05/08

Em dois filmes, o mitológico Ian Curtis é retratado como o emblema de um hábitat árido e cruel chamado Manchester

Crítica Luiz Zanin Oricchio

É claro que Control e Joy Division deveriam ser lançados juntos. Afinal, ambos têm por personagem o mitológico Ian Curtis, vocalista e compositor de uma das bandas cult dos anos 70. Control é uma recriação ficcional da vida breve do roqueiro; Joy Division é um documentário, baseado principalmente em depoimentos dos integrantes da banda sobre a formação do conjunto, a música que queriam fazer, a cidade onde viviam e, sobretudo, Ian e sua personalidade atormentada e enigmática. Complementam-se. No entanto, Control estréia hoje e Joy Division - o documentário que leva o nome da banda - fica para 6 de junho. Quem vir o primeiro ficará com vontade de assistir ao outro.

Em Control, o estreante holandês Anton Corbijn, fotógrafo de origem, faz sua estréia no cinema. Escolhe uma magnífica fotografia em preto-e-branco para recriar o clima de Manchester City, onde nasce a banda. Há também uma razão prática. Nos anos 70, quando chegou à Inglaterra, Corbijn fizera várias tomadas em P&B do grupo. Esse fato contribui para a escolha monocromática do projeto. Mas não se trata apenas disso. Quem a acompanhar verá que a vida de Ian Curtis parece mesmo pedir o preto-e-branco, com todas as nuances de cinza entre os dois extremos.

É uma vida de artista maldito, que lembra a de um Rimbaud do rock. Ian (interpretado por Sam Riley) tem cara de anjo, mente complexa e personalidade dividida. Para completar o quadro, sofre de epilepsia. Tentando controlar a doença, o médico lhe recomenda distância de agitação, sexo demais, drogas e álcool. Não é coisa que se peça a um roqueiro, na casa dos 20 anos. Há mais: Ian é casado, mas acaba se envolvendo com uma insinuante jornalista belga, e esta passa a acompanhar o grupo em suas turnês. Surpreendentemente, levando-se em conta o estilo de vida que se atribui a um artista pós-punk, Ian mostra-se incapaz de administrar um até que convencional triângulo amoroso.

Esse é o aspecto pessoal. Como artista, Ian sai bem mais do que valorizado dos dois filmes. Mesmo quem pouco o conhece, ou não aprecia sua música, passa a entender parte do seu processo de criação, que envolvia uma visão um tanto desesperada do mundo e a recriação poética dessa sensação, que não raro dialogava com a grande arte. Por exemplo, em certo momento, ele diz ter assistido a Apocalypse Now, de Francis Ford Coppola, e ficado impressionado com Marlon Brando recitando o seu horror, tirado de T.S. Eliot. Essa, a impressão do poeta pós-punk - a de um mundo em decomposição, uma terra devastada, na qual a palavra horror era a única ainda a fazer sentido.

Por isso também seria interessante ver o documentário em conjunto com Control. Nele, Manchester é vista não como um lugar onde tudo acontece, mas como um personagem a mais - acaso o protagonista do filme. Na maneira como é apresentada a cidade industrial, árida, cruel, seca, cinza, um pouco como São Paulo, onde os sobreviventes têm de se enfurnar em garagens, espaços pequenos e esfumaçados, clubes sórdidos depois tornados românticos pelo tempo - tudo em busca de uma respiração e sobrevivência em hábitat claramente não adequado para seres humanos normais. Ian acaba se tornando a figura emblemática desse ambiente.

Esse clima de estranheza percorre os dois únicos LPs do grupo, Unknown Pleasures (Prazeres Desconhecidos) e Closer (Mais Perto). Seus sons e letras estranhas, uma espécie de lamento por uma civilização moribunda, fizeram com que a banda fosse cercada até hoje por uma relação de culto e mitologia. Ian, meio caoticamente, ou de forma intuitiva, tocava em coisas que ele próprio talvez não compreendesse. E muito do que fez talvez não passasse de um humano pedido de socorro, como hoje seus colegas de banda parecem admitir.

Indiana muda para continuar igual

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 22/05/08

Quarta aventura da série, O Reino da Caveira de Cristal passa-se na Amazônia e traz a ação para os tempos da Guerra Fria

Crítica Luiz Zanin Oricchio

Vamos admitir: a historinha não difere muito das dos outros três filmes da série. Indiana Jones se põe a campo atrás de uma relíquia poderosa, que pode mudar os destinos do mundo. Passa por perigos extremos, alia-se a alguém para combater os inimigos, apanha muito e no fim... Você já sabe. Se viu (e quem não viu?) os outros três - Os Caçadores da Arca Perdida (1981), O Templo da Perdição (1984) e A Última Cruzada (1989) - sabe mais ou menos o que esperar. Trama rala no meio, muito perigo e ação, e certo sentimentalismo para dar liga à maionese.

De qualquer forma, entre os fãs é grande a expectativa em torno deste Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal. Sentimento criado em quase 20 anos de espera desde a última aventura. Assim, é compreensível, do ponto da indústria, que não se deve mesmo decepcionar a multidão de seguidores. O que significa dar a eles mais do mesmo, mas com alterações que dêem ao produto que chega a aura de novidade. Assim, guardadas as devidas proporções, a indústria cultural segue a recomendação de um dos personagens de O Leopardo, romance do siciliano Tomasi di Lampedusa - é preciso que tudo mude para que tudo continue igual. Essa frase da astúcia política da grande ilha ao sul da Itália poderia também servir como divisa da sabedoria econômica da indústria do entretenimento.

E o que mudou para que tudo permanecesse o mesmo em Indiana Jones? Primeiro, a inevitável passagem do tempo no mundo das coisas reais. Se é impensável fazer um Indiana Jones sem Harrison Ford, então é preciso enfrentar o fato de administrar um herói de ação de 65 anos. Nada que plásticas, botox ou photoshop não resolvam, junto a dublês em cenas de esforço e risco. Para justificar essa passagem do tempo, a ação é trazida para 1957, época da Guerra Fria. Saem de cena os nazistas, entram os soviéticos. A vilã - de opereta - é uma certa Irina Spalko, vivida pela múltipla Cate Blanchett. Como de hábito, não se esperem sutilezas políticas de Indy. A caricatura daí resultante passa pelo humor. E humor é também o que ajuda a constatar sem muita dor a passagem do tempo e o envelhecimento (embora este seja sistematicamente negado quando o comportamento físico do sexagenário se equipara ao de um jovem de 20 anos).

Para equilibrar o protagonista geriátrico, entra em cena um sub-herói jovem, Shia LaBeouf como o motoqueiro Mutt Williams, com ar de James Dean. E, para reequilibrar a balança em sentido contrário, ressurge uma mulher, Marion Ravenwood (Karen Ellen), vinda do passado de Indy. É até simpática a encenação de reunião familiar em plena selva amazônica, lembrando-se que relações familiares são a verdadeira questão de fundo de Spielberg, seu bombom favorito, seu rosebud. Com esse filão, conquistou o público do planeta, já que problema de família todo mundo tem.

No mais, já que ninguém é de ferro, houve a inevitável atualização tecnológica, com farto uso de efeitos digitais, como em qualquer blockbuster. A pergunta que resta: como cinema-pipoca, é divertido? É, mas Caçadores da Arca Perdida era mais.

Serviço
Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal , EUA/2008, 155 min.) - 12 anos. Cotação: Regular

A morte sob controle

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 22/05/08

Uma biografia ficcional e um documentário levam às telas visões complementares sobre Ian Curtis, líder da banda Joy Division, que cometeu suicídio aos 23 anos

Lauro Lisboa Garcia

Perder o controle do bem viver é uma ocorrência pontual na trajetória de alguns heróis do rock que partiram jovens e no auge: Kurt Cobain, Jimi Hendrix, Jim Morrisson. As conseqüências da angústia que causou o desaparecimento precoce de Ian Curtis, o misterioso líder do Joy Division, que só conseguiu controlar a morte a seu favor, parecem tão comuns quanto espantosas, como se pode ver em dois filmes complementares sobre ele e sua lendária banda. Control, que estréia hoje em circuito comercial no Brasil, é uma biografia ficcional de Curtis e marca o début do fotógrafo Anton Corbijn na direção cinematográfica. O segundo, Joy Division, que entra em cartaz no dia 6, é um documentário sobre a banda, dirigido por Grant Gee.

O ideal seria que fossem exibidos em programa duplo para facilitar a montagem do quebra-cabeças. De qualquer maneira, ambos são recomendáveis não apenas para os fãs da banda. Até porque, para estes , não há muita novidade além do que já se explorou em livros, biografias, vídeos e outros documentários. Mas, em princípio, cada um com sua linguagem, os novos produtos são bons como cinema. O personagem central é fascinante, em qualquer imagem que se pinte dele. A música e as performances são impactantes, seja da banda original ou dos atores que a representam convincentemente em Control.

Grande parte da qualidade desta biografia ficcional, aliás, está na escolha dos atores. Alguns até se parecem fisicamente com os personagens verdadeiros, principalmente o novato Sam Riley, que impressiona na reprodução detalhista dos trejeitos de Curtis no palco, se contorcendo em movimentos de marionete. Mas, sem um profundo conhecimento visual da banda, isto é uma das coisas sobre as quais o espectador comum só vai se dar conta ao comparar com o documentário. Excertos do livro de memórias Touching from a Distance, da viúva Deborah Curtis, no qual Control é baseado, são projetados entre os depoimentos do documentário. Outra coincidência da ''ficção'' com a realidade é a casa onde Ian e Deborah moraram e que aparece nos dois filmes.

Foi ali que, atormentado pelos efeitos da epilepsia, Curtis se matou no dia 18 de maio de 1980. Tinha apenas 23 anos e o coração dilacerado pelo amor (como diz na célebre canção Love Will Tear Us Apart) dividido entre duas mulheres. Antes de se enforcar na casa onde vivia com Deborah (interpretada por Samantha Morton) e a filha pequena, ele colocou para rodar na velha vitrola um LP de Iggy Pop, intitulado Idiot. A reação imediata que se tem, ao acompanhar essa seqüência em Control, é que ele realmente bancou o estúpido, mas armou o desfecho com senso de humor negro. Tinha pedido para ficar só, bebeu muito, fumou tudo o que pôde. Quis morrer sozinho.

Se em Control o que ressalta é o jovem infiel, o mentiroso, o egoísta, o irresponsável, no documentário o prodigioso artista se recupera. Quem narra sua história em depoimentos e lembranças detalhadas são os que viveram com ele na outra margem: os demais integrantes da banda - Peter Hook, Bernard Sumner e Stephen Morris, que, como se sabe, viriam a formar o também influente New Order -, sua amante belga, Annik Honoré, o guitarrista Pete Shelley, dos Buzzcocks, o fotógrafo Anton Corbijn, o diretor da antológica Factory Records, Tony Wilson, o designer Peter Saville, criador das capas dos álbuns da banda.

Contam os amigos que Curtis nunca se drogava, era a música que o deixava em transe. Em Control nem se nota que eles se divertiam muito o tempo todo, como conta Hook no documentário. O único problema eram os ataques de epilepsia de Curtis, cuja descoberta o deixou irrecuperavelmente arrasado. No início da carreira, quando se dividia entre a música, como compositor e cantor do Joy Division, e o trabalho burocrático de atendimento num hospital, Curtis ficara sensibilizado ao ver uma mulher em situação que ele próprio viveria e escreveu a canção She''s Lost Control sobre isso.

Como Control parte da versão da viúva Deborah, que também é co-produtora do filme, as lentes se voltam mais para o ambiente familiar. Deborah é um pouco o protótipo da dona de casa recatada, às vezes bancando a sofredora, sempre à espera do marido que vive em estúdio, no palco e na estrada, no meio de uma gente estranha (como ele) e de futuro incerto. Piora muito a situação quando ela descobre que o marido estava amarrado em Annik, tratada com superficialidade no filme, por motivos evidentes, mas que dá depoimentos esclarecedores no documentário.

Ela sabia com qual intensidade Curtis se tornava outra pessoa no palco, ao mesmo tempo frágil e forte. Mas como seus outros amigos, ela não se deu conta a tempo de que toda a angústia das letras de Curtis era reflexo de profundos dilemas reais. Não era apenas arte com referências cultas de Kafka, Shakespeare ou Dostoievski. Da mesma maneira como não se decidia a abandonar ou continuar com a banda, o cantor tentou em vão terminar a relação paralela para salvar o casamento, para o qual não estava preparado. Aliança de ouro na mão esquerda não combina mesmo com rock nem poesia punk. Sem conseguir sustentar a farsa por muito tempo, deprimido pelo efeito dos vários remédios que tomava para controlar a epilepsia, fechado em sua caverna sombria e impenetrável, ele perdeu o controle da situação.

O documentário vai mais fundo na influência do cenário apocalíptico da Manchester, em meados do século passado, sobre o moral de seus habitantes. Na industrial, feia, fria e suja cidade britânica, que o Joy Division ajudou a colocar no mapa-múndi musical, uma criança pobre poderia demorar até nove anos para ver uma árvore. Isto é o que diz um dos entrevistados e explica por que não dava mesmo pra fazer música muito feliz ali. Os conterrâneos Morrissey e Johnny Marr, que formaram The Smiths dois anos depois da morte de Curtis, que o digam.

Serviço
Control (EUA-Reino Unido/2007, 121 min.) - Drama. Dir. Anton Corbijn. 16 anos.Joy Division (EUA-Reino Unido/ 2007, 93 min.) - Documentário. Dir. Grant Gee. Estréia no dia 6/6. Cotações: Ótimos