segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

O guia da TV digital

A televisão nacional entra numa nova era, a das transmissões em formato digital. Nesta reportagem, tudo o que é preciso saber para tirar melhor proveito da tecnologia que aumenta as opções de lazer dos brasileiros

Roberta de Abreu Lima

O Brasil entra na era da TV aberta digital neste domingo, 2. A mudança do sistema de transmissão analógico para o digital representa uma revolução comparável à passagem da televisão em preto-e-branco para o sistema em cores, quase quarenta anos atrás. O novo sistema amplia as possibilidades de lazer dos brasileiros, traz ganhos excepcionais na qualidade de imagem e som e abre a possibilidade do uso interativo da televisão. Para aproveitar essas vantagens, é preciso dispor, no mínimo, de um televisor de alta definição e de um conversor de sinal – e tal equipamento não sai barato. Isso não significa que quem tem um veterano televisor de tubo ficará, a partir de domingo, sem ver a novela preferida ou o jogo do time do coração. A transição para o novo sistema só terminará em 2016, quando o sinal digital terá substituído totalmente o analógico. Por enquanto, as transmissões digitais estarão restritas a parte da programação das emissoras. Na TV paga, é bom lembrar, nada muda de imediato. Este guia da TV digital foi preparado com duas finalidades principais. A primeira é tirar dúvidas sobre o funcionamento do novo sistema. A segunda, dar dicas para tirar o melhor proveito da transmissão em alta definição.

O sinal digital deixará a imagem e o som melhores em qualquer aparelho de televisão?
Sim. Nos televisores convencionais, de tubo, as imagens ficarão semelhantes às de um DVD. Desaparecerão os chuviscos e os fantasmas, aquelas silhuetas que aparecem em volta dos objetos que se movem na tela. O som também terá menos chiados. Nas telas de LCD e de plasma, as melhorias serão mais marcantes. Se esses aparelhos forem compatíveis com a alta definição, identificados pela sigla HDTV (High Definition Television), a imagem ficará sete vezes mais nítida.

É preciso comprar um televisor novo para receber o sinal digital?
Não. Para captar o sinal será preciso comprar um conversor, ou set-top box. O aparelho recebe o sinal digital e o repassa para o televisor. É parecido com os decodificadores das TVs por assinatura.

É recomendável comprar o conversor agora?
Os aparelhos que estão à venda agora custam o preço de uma televisão e oferecem poucos recursos. O preço deve cair à medida que mais pessoas decidirem pela compra.

Quem adquirir um conversor já poderá fazer compras pela televisão?
Os conversores que começaram a ser vendidos não estão preparados para isso. Esses aparelhos precisam ter um software para viabilizar a tão prometida interatividade.
Quem tem TV por assinatura precisa comprar um conversor?
Sim. Para captar o sinal da TV digital, todos precisarão de um conversor específico para esse sistema. Embora algumas empresas anunciem pacotes com sinal digital, o padrão é diferente do da TV aberta e a qualidade não chega aos mesmos níveis do sinal digital.

Então os assinantes de TV paga terão dois conversores, um para a TV por assinatura e outro para a TV digital?
A princípio, sim. Mas é provável que os fabricantes lancem conversores capazes de sintonizar tanto a TV aberta digital quanto os canais a cabo ou por satélite.

Quem tem um televisor de alta definição pode comprar qualquer conversor?
Para esse tipo de equipamento é preciso ter um conversor com a conexão HDMI, que transmite em um só cabo os sinais digitais de vídeo e de áudio. O preço dele é um pouco mais alto.
TV digital é o mesmo que TV de alta definição?Não. Uma televisão tradicional, de tubo, com um conversor, não exibe imagens em alta definição. Para que isso ocorra é preciso ter um aparelho compatível com alta definição. Muitos fabricantes anunciaram que lançarão modelos HDTV com conversores embutidos.

Por que o televisor de alta definição é melhor?
É a tecnologia que apresenta a imagem mais próxima à captada pela visão humana. As texturas e os contornos ficam mais definidos e é possível ver detalhes como rugas, manchas e até o suor no rosto das pessoas.

Existe um tamanho de tela ideal para a alta definição?
Modelos com mais de 38 polegadas aproveitam melhor o sinal digital.
É melhor esperar para comprar um televisor de alta definição?Para quem quiser um preço melhor, sim. Alguns modelos tiveram o preço reduzido em 70% desde 2003. Com a ampliação das transmissões digitais e o aumento da procura, o preço deve cair mais. Outro bom motivo para esperar é o fato de que as emissoras só vão transmitir por enquanto parte da programação em alta resolução.

Os aparelhos de DVD vão funcionar normalmente com os televisores de alta definição?
Sim. Porém, quem tiver um televisor de alta definição precisará de um HD-DVD ou de um Blu-ray se quiser ver as imagens também em alta definição.

Os home theaters funcionarão melhor com a TV digital?
Sim, e com o som muito melhor. No sistema analógico, o som transmitido é do tipo mono ou estéreo – para no máximo duas saídas de áudio. No sistema digital, a emissora poderá transmitir programas com som do tipo surround, que funciona em seis saídas – o caso dos home theaters.
É preciso comprar uma antena?
O sinal digital é captado por uma antena do tipo UHF, que pode ser interna ou externa.

A captação do sinal digital será sempre perfeita?
Da mesma maneira que ocorre com o sinal dos celulares, o da TV digital poderá não alcançar algumas localidades. Contudo, em todos os lugares onde o sinal for captado a transmissão será livre de defeitos.

O sinal digital será captado por televisores portáteis?
Sim. A imagem poderá chegar a televisores pequenos e a equipamentos do tamanho de um iPod. "Os televisores portáteis não fizeram sucesso no Brasil porque a imagem ficava muito ruim quando a pessoa estava em movimento", diz Roberto Barbieri, diretor técnico da Semp Toshiba. "Com a transmissão digital, a moda deve pegar."

Será possível ver TV digital em notebooks?
Sim. Já existem dispositivos que, quando plugados na entrada USB, funcionam como antenas. Eles são vendidos com um software que precisa ser instalado.

A TV digital começa em São Paulo neste mês. Quando irá para outros estados?
Na cidade do Rio de Janeiro, a previsão é que a transmissão digital comece no primeiro semestre de 2008. Até dezembro de 2009, todas as capitais terão canais digitais. Em 2013, a tecnologia já deverá ter chegado a todos os municípios.

Quais programas serão transmitidos em alta definição?
De início, as emissoras prometeram apenas novelas, filmes e jogos de futebol no novo formato. A novela Duas Caras, da Globo, já é filmada em equipamentos de alta definição. Gradualmente, toda a grade de programação incorporará a nova tecnologia. O tempo necessário para a migração completa depende das emissoras.

Por quanto tempo será possível adiar a compra do conversor?
Até 29 de junho de 2016. Enquanto isso, os sinais analógico e digital serão transmitidos simultaneamente pelas emissoras. Depois, a transmissão analógica será interrompida. Mas o prazo poderá ser adiado, como ocorreu em outros países.

Quando a TV digital será transmitida para celulares?
A partir deste mês, as emissoras poderão transmitir seus programas para celulares em São Paulo. Nas outras cidades, o sinal chegará simultaneamente ao início da transmissão digital. Para assistir à TV, porém, é preciso ter um telefone especial que ainda não está à venda.

Haverá mais canais?
O sinal digital permite que a mesma freqüência de um canal analógico seja usada para transmitir até oito canais. A TV Cultura de São Paulo, que é pública, já anunciou que vai transmitir mais canais.

A nova tecnologia vai mudar a forma como os programas são feitos?
Sim. "A maior definição faz com que os detalhes fiquem sete vezes mais perceptíveis", diz Fernando Bittencourt, diretor da Central Globo de Engenharia. Isso significa que imperfeições no cenário e no rosto das atrizes, que passam despercebidas na TV analógica, ficarão evidentes em alta definição.

Quais serão os primeiros recursos interativos?
Possivelmente serão os guias de programação, semelhantes aos que existem na TV por assinatura, informando o horário de cada programa nos diversos canais.

Vai ser possível acessar a conta bancária pela televisão?
Sim. Em teoria, a televisão poderá oferecer serviços hoje disponíveis na internet. É o caso do T-bank, programa desenvolvido para bancos, que permite acessar o extrato e realizar transferências e pagamentos via televisão. O celular também pode se conectar com o conversor sem o uso de fios e ser usado para digitar o número da conta.

Será possível controlar o que as crianças vêem?
Sim. Os pais poderão programar o conversor para bloquear a exibição de programas ou filmes impróprios para menores, tendo como parâmetro a classificação indicativa. O recurso, comum nos Estados Unidos, precisa vir instalado no aparelho.

Haverá serviços públicos especiais para TV digital?
Os especialistas afirmam que, do ponto de vista tecnológico, nada impede serviços públicos interativos. A Receita Federal poderia, por exemplo, receber declarações do imposto de renda pela televisão.

Os programas serão transmitidos em outros idiomas?
Há viabilidade técnica, mas a transmissão dependerá das emissoras.

O telespectador poderá participar de votações via televisão?
Sim, mas não agora. Ainda deve demorar anos até ele poder votar nos participantes do Big Brother sem usar o telefone.

Será possível gravar em casa os programas em alta resolução?
Trata-se de uma decisão delicada, que deve ser tomada pelo governo, já que a possibilidade de copiar conteúdos pode incentivar a pirataria. Uma possibilidade é que seja permitido copiar um filme ou programa apenas uma vez, mas não transferir o arquivo para outro aparelho.

Será possível programar o televisor para pular os comerciais durante a gravação?
Essa possibilidade depende da decisão que será tomada com relação à gravação. Nos Estados Unidos, já há gravadores digitais de vídeo com esse recurso, o que causa pânico nos publicitários.

A transmissão digital vai deixar os jogos mais divertidos?
Sim. Já estão sendo desenvolvidos conversores com games embutidos. O certo é que os games em 3D ficam ainda melhores em televisores de alta definição.

O que virá depois da TV de alta definição?
A rede japonesa de televisão NHK criou a Ultra Alta Definição (U-HDTV). Nesse sistema, as imagens são formadas por 32 milhões de pixels (a alta definição tem 2 milhões de pixels). Com esse poder, a U-HDTV possibilita que imagens de alta qualidade sejam exibidas em telas gigantes. O som tem 24 saídas de áudio, contra apenas seis dos atuais home theaters.

Sem ele não dá
O conversor é a peça-chave da TV digital. Mas o preço está além do prometido

Para a grande maioria dos brasileiros, entrar no mundo da TV digital vai custar o preço de uma nova televisão. Os conversores digitais, que começaram a chegar às prateleiras na última semana, custam entre 369 e 1 100 reais, valor bem acima dos 100 dólares prometidos pelo ministro das Comunicações, Hélio Costa. Esses aparelhos são indispensáveis para captar o novo sinal e serão obrigatórios para os que não têm televisores com conversor embutido, os quais custam a partir de 8 000 reais. A variação de preço depende do que o equipamento oferece. Os mais baratos já trazem benefícios. Deixam a imagem dos canais abertos com a mesma qualidade da de um filme de DVD. O som fica limpo, sem chiados, semelhante ao de um CD.

DigiTV, da Positivo.499 reais
Os conversores mais baratos são recomendados para quem tem as TVs mais simples, de tubo. Deixam a imagem dos canais com qualidade de DVD

DTR 1007, da Philips. 1 099 reais
Quem comprou televisão de alta definição terá de desembolsar mais no conversor. O aparelho vem com entrada USB, o que permite ver fotos, vídeos e ouvir músicas gravadas em um pen-drive
Fonte: Revista Veja - www.veja.com.br Acesso em: 03/12/07

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

O éden sem classes

Lady Chatterley, uma bela adaptação do romance de D.H. Lawrence, resgata uma heroína libertária

Isabela Boscov

Escrito e reescrito pelo inglês D.H. Lawrence (1885-1930) nos últimos anos de vida, numa espécie de febre contra os males de seu tempo, o romance O Amante de Lady Chatterley foi um dos maiores escândalos da história da literatura, comparável ao criado por Gustave Flaubert no século XIX com Madame Bovary. Apenas em 1960, mais de três décadas após sua publicação, ganhou uma versão sem cortes na Inglaterra – onde continuou a ser tachado de pornográfico, doentio ou imoral. A protagonista, a jovem Constance Chatterley, mora com o marido, Clifford, numa propriedade cuja riqueza é mantida pelas minas de carvão adjacentes. Clifford voltou paraplégico da I Guerra, e o contato físico entre ele e a mulher se resume aos cuidados que ela lhe dispensa (e há indícios de que mesmo antes esse contato não era lá grande coisa). Constance está fenecendo, assim como esse mundo de distinções sociais e riqueza ociosa à volta dela. A certa altura, porém, ela começa um caso com Oliver Parkin, o guarda-caça da propriedade, e desabrocha. Lawrence confronta um punhado de tabus: o veterano de guerra impotente, a insatisfação sexual feminina, o adultério – e entre classes sociais diferentes –, as muitas cenas explícitas de sexo e a linguagem franca. Nada disso, porém, poderia ser considerado subversivo nos dias de hoje, e a inteligência com que a diretora Pascale Ferran encontra outro cerne no romance é o trunfo de Lady Chatterley (França/Inglaterra, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país.

O centro do filme, baseado em John Thomas and Lady Jane, a segunda e menos verbosa versão escrita por Law-rence, é o erotismo. Não apenas o do despertar sexual de Constance e Oliver (Marina Hands e Jean-Louis Coul-loc’h), que criam na floresta onde se encontram um éden sem classes: quanto mais a protagonista estreita sua relação com a natureza e com seu próprio desejo, mais essa sensualidade adquire um efeito contagiante. A diretora fotografa de forma inspirada esse lento florescimento, sublinhando os sons da natureza, a mudança das estações e fazendo com que até a fisionomia de Constance pareça cada vez mais limpa e aberta. Ler Lawrence hoje pode ser mais uma tarefa do que um prazer. Mas Lady Chatterley recupera o achado verdadeiramente inovador e transgressivo do autor – a heroína que, em vez de ser punida pelo adultério, como a pobre Emma Bovary, dá as costas a toda convenção e insiste no júbilo que sua paixão lhe proporciona.

Fonte: Revista Veja - www.veja.com.br - Acesso em: 26/11/07

A metamorfose do mal

No magistral A Vida dos Outros, um espião da Alemanha Oriental descobre a beleza

Isabela Boscov

Sentado à frente da máquina de escrever, com fones de ouvido que filtram a conversa vinda do andar de baixo, Gerd Wiesler, cinqüentão, espião zeloso da Stasi, a horrenda polícia secreta da Alemanha Oriental, é o rosto de um estado que se transformou inteiro numa máquina de vigiar e corromper. Um rosto cinzento que, muito apropriadamente, não tem expressão nem inflexão – de um homem cuja existência ninguém registra, mas que vive de registrar a existência alheia. No início do magnífico A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen, Alemanha, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país, Wiesler dá a um grupo de futuros espiões aulas sobre técnicas científicas de interrogatório; na cena seguinte, na platéia de um teatro, reage não com a objetividade que prega, mas por instinto. A questão é que espécie de instinto, se profissional ou pessoal. Wiesler olha a figura de Georg Dreyman (Sebastian Koch), bonito, autoconfiante e o único dramaturgo leal ao Partido que também é lido no Ocidente, e se convence de que ninguém pode ser tão perfeito assim. Ou talvez Wiesler tenha se perturbado com o beijo que flagrou, nos bastidores, entre Georg e sua atriz, a bela Christa-Maria (Martina Gedeck). Sejam quais forem seus motivos, no dia seguinte Georg terá deixado de ser o único artista do país livre da vigilância estatal. Wiesler entra em seu apartamento durante sua ausência, esconde microfones por toda parte e, do andar de cima, se transformará no vírus que vai infectar a intimidade de Georg e Christa. No meio do caminho, porém, algo acontece: o espião ouve, em vez de uma conspiração, uma música que o emociona; e, principalmente, escuta nas pequenas interações do casal algo que não conhece, mas que reconhece de imediato como precioso – amor, alegria, atração, beleza, calor. Para sua surpresa e também para seu imenso risco pessoal, ele se reconfigura então de delator em protetor.

Ganhador do Oscar de produção estrangeira deste ano, A Vida dos Outros se passa em 1984, cinco anos antes da queda do Muro de Berlim, quando a Stasi tinha algo como 100.000 agentes a seu serviço, além de uns 170.000 informantes. Mais metódica e paranóica ainda que a KGB russa, a organização mantinha registros de cada uma das máquinas de escrever do país – o que tornava impossível escrever um texto anônimo – e preservava até amostras do cheiro de seus suspeitos, caso fosse necessário procurá-los com cães. A australiana Anna Funder, autora do premiado livro Stasiland, objetou com veemência ao filme: segundo ela, não há, em todos os registros da Stasi, um único indício de que alguma vez um espião tenha protegido seus vigiados. Essa licença poética, porém, é a única que o diretor estreante Florian Henckel von Donnersmarck toma com a história. Em um roteiro primoroso, ele combina os fatos da vida na Alemanha comunista à trajetória de seus personagens de forma indivisível. Cada detalhe factual corresponde a um ponto dramático do enredo. No cinema recente, de qualquer nacionalidade, é difícil pensar num outro filme que atinja essa fusão entre o ficcional e o histórico de forma tão completa; e, no cinema alemão em particular, esse é um exemplar único na sua recusa em romantizar ou relativizar a crueldade que prevalecia do lado de lá do Muro, como o fazia Adeus, Lênin!. Aqui, a supressão do íntimo e do pessoal é absoluta – um pesadelo orwelliano dentro do qual gerações tiveram de viver, dia após dia.

Se A Vida dos Outros é verdadeiramente superlativo, porém, a razão está em Ulrich Mühe, que foi um dos grandes nomes do teatro alemão-oriental, esteve ele próprio sob vigilância da Stasi e submeteu o diretor a duas sabatinas antes de se confiar a ele. Mühe constrói o impassível Wiesler sem nenhum dos recursos práticos de um ator – olhares, gestos, tons de voz. Mais do que encarnar o personagem e sua metamorfose, ele os irradia para a platéia. E, com sua frase final – um simples "É para mim" –, ele demole até a última justificativa possível para a existência de algo como a Alemanha Oriental. Mühe morreu em julho passado, aos 54 anos, de câncer do estômago. Deixou uma carreira não mais do que breve no cinema. Mas, nem que fosse feita unicamente deste filme, ela já seria colossal.

Fonte: Revista Veja - www.veja.com.br - Acesso em: 26/11/07

Épico ou cômico?

Com Beowulf, Robert Zemeckis fez uma piada ruim – e interminável

Isabela Boscov

Está batendo na porta errada quem pensa encontrar em A Lenda de Beowulf (Beowulf, Estados Unidos, 2007) qualquer coisa que explique ou justifique por que esse poema épico, uma das peças fundadoras da língua e da literatura inglesas, resistiu aos últimos 1.500 anos. Em comum com a saga do guerreiro que livra um reino escandinavo de monstros como o medonho Grendel e um dragão, o filme que estréia nesta sexta-feira no país tem os nomes dos personagens e, vá lá, uma ou outra situação. Umas poucas coincidências, enfim, complementadas por quantidades imoderadas de tolice, chatice e humor involuntário. Como já fizera em O Expresso Polar, o diretor Robert Zemeckis se vale aqui da performance capture, técnica que costuma ser usada tão-somente como auxiliar na feitura de um filme, e que só ele entende como sua principal razão de ser.

Em linhas gerais, o que a performance capture faz é pegar atores como Anthony Hopkins, Robin Wright-Penn e John Malkovich, vesti-los em macacões cheios de sensores para que as coordenadas de seus movimentos e expressões sejam transmitidas ao computador, e então transformá-los em desenho animado – processo ao fim do qual todos eles ficam mais esquisitos e canastrões, com cara de algo que sobrou de Shrek. O inglês Ray Winstone, que é um grande ator mas tem uma bela barriga de cerveja, ilustra o máximo de sucesso que Zemeckis conseguiu atingir: no papel de Beowulf, ele aparece malhadésimo (o melhor momento é a cara de ai-jesus que a rainha faz quando ele deixa cair a túnica), mas drenado de qualquer talento – uma espécie de Patrick Swayze viking. Já Angelina Jolie, como a bruxa que seduz os guerreiros, demonstra o que acontece quando se tenta retocar o irretocável.

Como agravante, A Lenda de Beowulf foi feito para ser exibido em 3D nas salas que dispõem do sistema. Toda a energia que poderia ter sido empregada na confecção do roteiro – algum roteiro – foi despendida em bolar situações em que objetos e pessoas são arremessados perpendicularmente à tela. Some-se a isso a apelação que Zemeckis confunde com sexo e violência, mais uma variedade extensa de sotaques bizarros, pretensamente arcaicos, e o que se tem não é mais uma epopéia. É uma piada, ruim e interminável.

Fonte: Revista Veja - www.veja.com.br - Acesso em: 26/11/07

Diretor de "Tropa de Elite" é tema de reportagem no "NYT"

DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta José Padilha, diretor do filme "Tropa de Elite", foi tema de longa reportagem na edição de sábado do jornal "The New York Times". Escrito pelo correspondente Alexei Barrionuevo, o texto foi publicado na seção fixa de perfis do diário.

Sob o título "Um cineasta e um desafiador da consciência do Brasil", a reportagem narra a trajetória de Padilha no cinema, a partir do documentário "Os Carvoeiros", de 1999, até o debate em torno da atuação da polícia suscitado por "Tropa de Elite".

O filme, que estréia nos EUA no dia 25 de janeiro, já havia sido tema de reportagem no "New York Times". Em 14 de outubro, dois dias depois da estréia no Brasil, o jornal publicou matéria sobre o longa, tratando inclusive da pirataria do filme."

Eu não sei o que isso significa, mas nunca esperei criar este grande fenômeno social", afirmou Padilha na reportagem de anteontem.O diretor disse ainda que o filme foi "grosseiramente mal-entendido por alguns, especialmente no Brasil".

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - www.folha.uol.com.br - Acesso em: 26/11/07

Filme de Cao Hamburguer leva prêmio em Huelva

"O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", longa que representa o Brasil na disputa por uma vaga ao Oscar de filme estrangeiro, recebeu o prêmio especial do júri no Festival de Cinema Ibero-Americano de Huelva, na Espanha. O grande vencedor da 33ª edição foi "Luz Silenciosa" (México), de Carlos Reygadas. Leonardo Medeiros foi eleito o melhor ator por "Não por Acaso".

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - www.folha.uol.com.br - Acesso em: 26/11/07

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

...e o vento voltou...

O livro... e o vento levou ganha uma continuação escrita por fazendeiro americano que detesta o original

NATÁLIA RANGEL

Está de volta ...E o vento levou, um dos mais famosos romances da literatura americana. Não se trata de uma reedição do livro clássico, escrito em 1936 por Margaret Mitchell, mas de sua continuação. Chama-se Rhett Butler's people (Editora St. Martin, 400 págs., ainda sem título em português) e seu autor é o ex-publicitário e hoje criador de ovelhas na Virginia Donald McCaig. A história original se passa durante a guerra civil americana e centra-se na relação amorosa entre uma filha de fazendeiros (Scarlett O'Hara) e um arrivista aventureiro (Rhett Butler) - mantendo-a sempre no primeiro plano. Com seus ingredientes épicos e melodramáticos, a obra foi levada ao cinema em 1939 e ganhou dez Oscar, entre eles o de melhor atriz (Vivien Leigh). Rhett Butler é vivido por Clark Gable.

Se no primeiro livro pouco se sabe sobre as origens de Butler, no novo a sua vida é mostrada em detalhes. Rhett Butler's people privilegia esse personagem e constrói a trama do ponto de vista dele. O leitor vai ficar sabendo que Butler cresceu numa plantação de arroz e tinha um pai muito violento, razão de sua fuga de casa. A amizade entre Butler e a prostituta Belle Watling, por sua vez, começou muito antes do encontro dele com Scarlett e continua no novo romance. A história original termina com Butler e Scarlett separados - ela lhe diz que vai morrer de amor e ele responde, numa antológica frase da literatura: "Querida, não estou nem aí." O livro-continuação os reaproxima, mostrando uma Scarlett bem menos impetuosa e determinada e um Butler sem mistérios e sem cinismo - é quase um pai de família padrão.

APOSTA A editora pagou US$ 4,5 milhões pelo direito de publicação

Com edição brasileira prevista para o início do ano que vem pela editora Rocco, o novo livro promete ser um negócio de milhões. Pelo menos essa parece ser a aposta da editora St. Martin, que pagou US$ 4,5 milhões adiantados para a família de Margaret Mitchell pelos direitos autorais, e colocou nas livrarias dos EUA uma tiragem de cerca de um milhão de cópias. A escolha de quem escreveria a continuação foi uma saga à parte que durou 12 anos: antes de McCaig, outros dois escritores foram contratados e logo demitidos: a escritora inglesa Emma Tennant chegou a terminar o romance (575 páginas), mas ele foi recusado. Na avaliação dos editores, a obra tinha uma sensibilidade muito britânica e poderia não satisfazer o gosto americano. No contrato, constava a exigência de não incluir na obra referências a incesto, miscigenação ou relações homossexuais.

Outro escritor, dessa vez americano, foi vetado antes mesmo de assinar o contrato. Pat Conroy, autor de O príncipe das marés, caiu em desgraça porque numa entrevista ironizou a suposta independência que teria no projeto, declarando que começaria o livro com a seguinte frase: "Depois de fazer amor, Rhett olhou para Ashley Wilkes e disse: 'Ashley, eu já lhe contei que minha avó era negra?'". Além da referência à raça negra, ficava mais que claro que retratava uma relação homossexual, já que, assim como Rhett, Ashley também é homem - o homem, aliás, por quem Scarlett acredita ser apaixonada. McCaig é então convidado a assumir a tarefa porque um dos representantes editoriais da família Mitchell leu o seu livro sobre a guerra civil americana e gostou. Escolhido, ele gastou seis anos só em pesquisas. McCaig conta que jamais lera o romance. "Eu caí de pára-quedas nessa história toda. Nunca tinha lido ...E o vento levou nem visto o filme. O livro da senhora Mitchell era para mim uma novela, e não um fenômeno", disse McCaig em entrevista à ISTOÉ.

"Scarlett O'Hara é a melhor personagem feminina da literatura americana. E a narrativa do livro, ainda que floreada, atrai o leitor para a história"

DONALD MCCAIG, autor de Rhett Butler's people

O autor escreveu o romance em sua fazenda de carneiros: "Trabalhei, provavelmente, uns 300 dias por ano." A narrativa se passa entre os anos de 1843 e 1874. McCaig gostou de dar vida nova aos tipos criados por Margaret: "Scarlett O'Hara é a melhor personagem feminina da literatura americana. E a narrativa do livro, ainda que floreada, atrai o leitor para a história." Mas é implacável com as mil e poucas páginas do romance original: "É muito longo e o enredo é, muitas vezes, inverossímil e enfadonho." Consigo é generoso: "Escrevi um bom livro. Não conheço muitos autores que pudessem ter feito isso dar certo."

CLÁSSICO No filme baseado no livro original, Clark Gable e Vivien Leigh imortalizaram Butler e Scarlett. Na nova obra, que também deverá ir para as telas, ela é menos impetuosa e ele, menos cínico

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br - Acesso em: 19/11/07

Cinema de artista

Artistas plásticos fazem trabalhos em vídeo tendo a linguagem do cinema clássico como referência. Mas a exibição é feita em museus

PAULA ALZUGARAY

CITAÇÃO Rodrigo Andrade inspirou-se na tela Office at night, do pintor americano Edward Hopper, para criar o enredo de Uma noite no escritório

Em entrevista a um talkshow da televisão italiana, a cineasta Ornella Castelli di Sabbia ataca a unanimidade da crítica especializada, que aclamou seu novo filme, Lost story, como "um reflexo da impossibilidade da narrativa tradicional no contexto pós-moderno e pós-estruturalista". Sob aplausos e assobios, ela diz nos primeiros minutos do mesmo Lost story, que pode ser visto até 2 de dezembro, no Sesc Pompéia, em São Paulo, na exposição CTRL_C + CTRL_V / Recortar e Colar, ou ainda na categoria "weird stuff" do MySpace.com e do YouTube.com: "Meu filme não é sobre a impossibilidade de se contar histórias, como dizem esses jornalistas dementes. Ele conta uma história; uma história perdida, é certo; mas nunca uma história impossível." A questão imposta à "prima-dona do cinema italiano contemporâneo" pode ser demente, mas não é nova. Ela vem sendo colocada aos cineastas de todo o mundo desde a entrada do vídeo no campo da criação audiovisual e desde que os filmes começaram a perder os enredos e as narrativas que estruturavam seu bom e velho "começo, meio e fim". Em 35 minutos de duração, Lost story - homenagem a Estrada perdida e Uma estória verdadeira, de David Lynch - tem cinco começos e cinco finais. O filme - assim como a cineasta - é uma criação coletiva da artista plástica Dora Longo Bahia e colaboradores que incluem a designer Priscila Farias e o fotógrafo Marcelo Arruda. Terceiro de uma série de filmes de diretores fictícios, forma, ao lado de trabalhos de Rodrigo Andrade, Wagner Morales e Nuno Ramos, uma safra de vídeos que se referem e parodiam as narrativas clássicas do cinema.

O mais recente lançamento do que pode ser identificado como um "novo cinema de artista" é Uma noite no escritório, definido pelos diretores Rodrigo Andrade e Wagner Morales como uma "experiência pictórico/cinematográfica". Autêntico filme B, ele mistura citações a David Cronenberg, Alfred Hitchcock, pornochanchada, Nelson Rodrigues, quadrinhos de Crumb e à pintura Office at night (1940), de Edward Hopper. Ao contrário da história aberta de Ornella di Sabbia, o argumento do artista plástico Rodrigo Andrade é bem delineado. Trata-se da breve história de uma noite na vida de um diretor de banco (interpretado pelo próprio Andrade) acometido por alucinações. As visões - grossas camadas de tinta a óleo em formas retangulares e circulares - partem das paredes do edifício da Caixa Econômica Federal, no centro de São Paulo (onde Andrade realizou a exposição As paredes da Caixa, em 2006) e se expandem para lugares tão incomuns quanto a testa do contínuo do banco ou os quadris da secretária, interpretada pela atriz pornô Morgana Dark. "Acho que a originalidade do filme está na junção do argumento insólito com a narrativa clássica", diz Andrade.

Por mais cinematográfico que se pretenda - o filme teve sua avant-première em sala de cinema e será exibido na Mostra do Audiovisual Paulista, no início de dezembro -, a obra pode ser vista como uma intervenção pictórica sobre filme. Se Andrade usa o cinema como suporte para a pintura, Wagner Morales utiliza- o como tema na série Vídeos de cinema que relê gêneros como o filme de guerra, de ficção científica, de horror e o road movie. "É o vídeo se fazendo passar por cinema", diz Morales, que estrutura seus trabalhos sempre a partir da trilha sonora. "Ocorre que o cinema clássico se vale do som para deixar a montagem cada vez mais 'invisível', colocando- o sempre a reboque da imagem e fazendo com que a narrativa corra macia aos olhos", diz Morales. "Tento fazer o contrário: enfatizar o som enquanto elemento estruturador ou perturbador da imagem." O mais recente deles, Film de cul, também prioriza o som. Realizado na França e falado em francês, é uma espécie de transa verborrágica entre um casal sentado em uma mesinha de bar. As referências possíveis aqui vão da nouvelle vague ao sexo em tempos de internet.

Film du cul foi exibido no 16º Festival Sesc Videobrasil (que teve a relação entre cinema e vídeo como tema), assim como Iluminai os terreiros, de Nuno Ramos, Eduardo Climashauska e Gustavo Moura. Da mesma forma que os dois filmes anteriores do trio, Luz negra e Casco, o vídeo fica na fronteira entre a documentação de intervenção artística e uma proposta narrativa que persegue o ilusionismo cinematográfico. Entre eles, Casco é o que busca o cinema de forma mais assumida, ao trabalhar com atores e texto. "Se quiser prosseguir com minha experiência com cinema, tenho que encarar este 'outro' que é o ator", diz Nuno Ramos. A idéia parece ser essa mesma, já que o longa- metragem Dádiva está a caminho. No livro Ensaio geral, que sai pela Editora Globo no final de novembro, Nuno Ramos publica uma prévia. "O pré-roteiro estará lá, caso alguém queira conferir."

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br Acesso em: 19/11/07

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

A nova trincheira da guerra

A presença americana no Iraque é o alvo de uma safrade filmes feitos "a quente", que condenam o conflito

Isabela Boscov

No devastador No Vale das Sombras (In the Valley of Elah, Estados Unidos, 2007), Tommy Lee Jones é um militar aposentado que procura pelo filho: em licença numa base americana depois de um período no Iraque, o rapaz não só deixou de se reapresentar ao pelotão, como parece ter sumido da face da Terra. Em alguns dias, será declarado desertor. O pai, Hank, conversa com os amigos e os superiores do filho, liga para velhos companheiros pedindo ajuda, vai à polícia – e encontra apenas evasivas ou desinteresse. Numa visita ao alojamento do desaparecido, surripia o celular deste, onde encontra fragmentos de imagens feitas durante ações. Tommy Lee Jones é um mestre da introversão e, quanto menos ele fala, mais o espectador se conecta ao seu pressentimento de que algo terrível aconteceu. Quão imensamente terrível, porém, é algo que só saberá ao final da investigação conduzida por Hank e pela detetive de polícia Emily (Charlize Theron, numa grande atuação). O novo filme do diretor Paul Haggis, que começa a ser exibido no país nesta sexta-feira, representa um colossal salto dramático em relação ao ultramanipulativo Crash. Haggis usa a forma do whodunit, em que se tenta identificar o autor de um crime, para chegar a um culpado bem mais incontrolável do que este ou aquele homem: a guerra. Não a guerra como entidade genérica, mas esta guerra, a do Iraque, com suas especificidades. No Vale das Sombras é um dos primeiros filmes a fazer tal indiciamento, mas não será um dos únicos. Num fenômeno sem precedentes no cinema americano, o conflito no Iraque começa a originar produções em número suficiente para constituir desde já um gênero

Entre 1939 e 1945, rodaram-se dezenas de filmes acerca da conflagração que se desenrolava na Europa e no Pacífico – mas eram feitos com o intuito de promover o esforço de guerra. Os enredos de contestação surgiram apenas com o envolvimento americano no Vietnã. Ou, bem entendido, depois que ele se encerrou. Enquanto os soldados ainda lutavam no Sudeste Asiático, apenas uma produção abordou diretamente o tema – a patriotada Os Boinas Verdes, com John Wayne. O que a ocupação iraquiana está criando, portanto, é uma criatura nova: filmes que a dissecam e, até agora, exclusivamente a condenam enquanto ela ainda está em curso. Existe aí uma ironia, ou talvez uma tentativa de compensação. No caso do Vietnã, a batalha pela opinião pública foi travada nos jornais e noticiários, que não se furtavam a mostrar as imagens mais horrendas do conflito e contribuíram assim para torná-lo politicamente insustentável. Desde que os Estados Unidos entraram no Iraque, entretanto, as cenas de massacres ou de caixões cobertos com a bandeira americana têm sido submetidas a uma pesada autocensura, em nome do combate ao terror e por medo das acusações de "antipatriotismo". Os cineastas se adiantaram para ocupar esse vácuo.

A primeira leva foi a dos documentários, de Gunner Palace, sobre o início da hostilidade iraquiana à força de ocupação, ao recente No End in Sight, que analisa os erros cometidos na aventura militar da gestão George W. Bush – e argumenta que eles são irremediáveis. Nos últimos tempos, porém, a opinião pública americana deu uma guinada decisiva. Nas últimas pesquisas, já são maioria os cidadãos que acham que a guerra está sendo mal conduzida, que o objetivo anunciado de "levar a democracia ao Iraque" não será atingido, e que as tropas deveriam ser trazidas de volta. Que pensam, enfim, que seu país se enfiou num atoleiro. Diante desse clima, a esmagadora maioria democrata da indústria do entretenimento passou a se sentir à vontade para falar a platéias mais amplas, com filmes de ficção estrelados por nomes famosos e bancados pelos grandes estúdios.

A safra que vem por aí contém de tudo – exceto filmes que endossem a intervenção. (O que chega mais perto dessa visão é O Reino, com Jamie Foxx, que vai bem até começar a tratar os "nativos" árabes como estúpidos ou como alvos anônimos para tiros.) São dramas em que as famílias pagam o ônus da perda (Grace Is Gone, com John Cusack) ou sofrem sob acusações infundadas (O Suspeito, com Reese Witherspoon e Jake Gyllenhaal); vistas dos bastidores de Washington (Leões e Cordeiros, em que o senador interpretado por Tom Cruise tenta jogar uma cortina de fumaça sobre o fiasco iraquiano); e, nos casos mais ousados, recriações de atrocidades cometidas por soldados americanos (Redacted, de Brian De Palma, e Battle for Haditha, do inglês Nick Broomfield). Estão em produção, ainda, roteiros sobre a dura volta para casa, como Stop Loss, em que Ryan Phillippe tenta desertar durante uma licença no Texas.

Nenhum desses filmes, porém, é tão cirúrgico quanto No Vale das Sombras. Das sugestões tanto de sofrimento quanto de sadismo contidas nas imagens do celular do soldado desaparecido à relutância do comando militar em que se apure o seu paradeiro – além da má vontade da polícia local, cansada dos problemas com combatentes em licença –, o cenário que o diretor e seus dois protagonistas desenham é perturbador: um cenário em que o travo de ilegitimidade que paira sobre essa guerra transforma a própria natureza dos homens que vão lutar nela, fazendo deles seres irreconhecíveis no front e pá-rias em casa. Hank, que lutou no Vietnã, não compreende como algo tão monstruoso possa ter acontecido a seu filho, e com ele. A conclusão a que No Vale das Sombras assoma, então, não é que o Iraque seria um novo Vietnã. É que pode estar sendo ainda pior do que ele.

VISÕES DA GUERRA
Como a nova safra de filmes sobre o Iraque e o terror abarca os diversos aspectos do conflito, da experiência do combate ao trauma das famílias

DE DENTRO DOS GABINETES Os embates travados na esfera dos políticose autoridades que controlam a guerra

O REINO O enredo: um time de agentes federais americanos, que inclui Jamie Foxx e Jennifer Garner, toma as rédeas da investigação de um massacre de ocidentais empregados por uma petrolífera na Arábia Saudita

LEÕES E CORDEIROS O enredo: na mais estimulante de três histórias que se entrelaçam, um senador republicano interpretado por Tom Cruise tenta "vender" a uma jornalista um novo plano de ataque para reconquistar a opinião pública para o Iraque

DE DENTRO DE CASA Os reflexos do conflito no dia-a-dia dos americanos comuns

O SUSPEITO O enredo: um engenheiro de origem árabe, morador de Chicago, é transportado pela CIA para outro território, para que possa ser preso sem acusação formal e torturado. Sua mulher (Reese Witherspoon) tenta em vão descobrir seu paradeiro

GRACE IS GONE O enredo: um pai, interpretado por John Cusack, tenta encontrar uma maneira de contar às suas duas filhas pequenas que a mãe delas acaba de ser morta em combate no Iraque

DA LINHA DE FRENTE As experiências freqüentemente monstruosas dos soldados em combate

REDACTED O enredo: o diretor Brian De Palma usa imagens feitas pelos combatentes e cenas de documentários e noticiários para ficcionalizar um episódio real, de uma garota iraquiana que foi estuprada e depois assassinada, junto com sua família, por soldados americanos

BATTLE FOR HADITHAO enredo: outra recriação de um caso tido como verídico – o massacre de 24 civis iraquianos, entre os quais mulheres e crianças, por um grupo de fuzileiros navais americanos, em retaliação pela morte de um companheiro

Fonte: Revista Veja - www.veja.com.br - 12/11/07

Vítima de doença grave, mulher escreve poesia com o movimento dos olhos

FABIANA REWALDDA REDAÇÃO

Falar e escrever exclusivamente a partir do movimento dos olhos. Foi essa a maneira que a paulista nascida em Franca (400 km de São Paulo) Leide Moreira, 59, encontrou para superar um enorme obstáculo: a perda, em apenas um ano, de todos os movimentos de seu corpo -com exceção dos relativos ao globo ocular.

Vítima de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), uma grave doença degenerativa que mostrou os seus primeiros sinais no final de 2004, Leide teve de abandonar as corridas no parque Ibirapuera -na zona sul da capital paulista, onde ela vive hoje-, a maioria das brincadeiras com os netos e o trabalho com marketing cultural. No entanto, não deixou de lado sua maior paixão: escrever poesias.

Hoje, comunica-se com o mundo por meio de seus poemas e é um exemplo de mulher guerreira, que luta por uma melhor qualidade de vida e não abre mão de suas vontades. "

Ela falou, a água parou", conta rindo Leide Moreira Jacob, de 36 anos de idade e o mesmo nome da mãe. A filha diz que a família faz questão de respeitar as decisões da matriarca, que manteve a personalidade forte, mas se tornou uma pessoa mais paciente. " Agora ela tem que esperar por tudo."

Escrever as poesias, por exemplo, é um tanto trabalhoso. Leide usa uma tabela visual, que permite formar palavras a partir da composição das letras dispostas em linhas e colunas numeradas.

Com os olhos, ela "dita" os versos, em sua maioria marcados por mensagens de esperança.

No ano passado, eles foram reunidos no livro "Letras da Minha Emoção", distribuído principalmente aos amigos.

Às vezes, o poema "ditado" é um tanto melancólico, como o "Dilema": "Minha vida se esvaindo. / Não sei se vou chorando ou sorrindo. / Sorrindo pondo fim a uma agonia que não agüento mais. / Chorando por deixar para trás pessoas que amo demais".Mas o preferido da autora, "Meu Jardim", é bastante alto-astral: "Plantei flores no meu jardim, / Rosas vermelhas em meio a heras, / Violetas, cravos e jasmim, / Amor-perfeito, dálias, primaveras. / Colhi flores no meu jardim, / Margaridas, costela de Adão, / Lírios, um ramo de alecrim, / Muito cipreste e um coração. / Plantei e colhi flores no meu jardim, / Retirei as ervas daninhas, / Cultivá-lo faz bem para mim, / Nem acredito que as flores são minhas!".

Definido por Leide como "uma campanha pela vida", seu próximo desafio é estrelar um documentário sobre a sua vida. Nas palavras dela, o objetivo do filme é "divulgar a doença para mais investimentos em pesquisa objetivando a busca da cura".

Com 2.500 novos portadores por ano no Brasil, segundo a AbrELA (Associação Brasileira de ELA), a doença de Leide acometeu um dos homens mas inteligentes da atualidade, o físico inglês Stephen Hawking. Segundo a filha de Leide, ele topou dar um depoimento para o documentário. O filme ainda não foi produzido, pois depende de patrocínio. O diretor Ralph Peticov aguarda a posição de empresas já procuradas.

E para os portadores de ELA, qual é a dica de Leide? "Tenham fé e esperança. Vamos ser criativos."
Fonte: Jornal Folha de São Paulo - www.folha.uoo.com.br - 12/11/07

Quantas árvores você está DEVENDO?

Piloto troca combustível por árvore. Músico compra carbono. Funerária planta muda a cada enterro. Tudo para salvar a Terra.

Por Francisco Alves Filho
Colaborou Luciana Sgarbi

É preciso rever a antiga receita de realização pessoal que sugere a todo homem escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore – os dois primeiros itens continuam valendo, mas, para saldar nossa dívida ambiental com o planeta, semear apenas uma muda é atualmente quase nada. Essa constatação tem levado pessoas e empresas a uma eficaz iniciativa para amenizar o problema: é a chamada “neutralização”, que consiste em compensar a ação poluente do ser humano com o plantio de árvores, o mais equivalente possível à quantidade de dióxido de carbono (CO2) lançado na atmosfera – a vegetação absorve o carbono e a poluição é neutralizada. “Contribuímos para o aquecimento global quando usamos, por exemplo, materiais não degradáveis ou veículos movidos a combustível fóssil”, diz David Zee, professor de meio ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Para se ter uma idéia, uma família que consome 400 watts de energia elétrica por mês, locomove-se de carro diariamente por 20 quilômetros e produz 800 gramas de lixo por dia, precisa plantar anualmente 12 árvores para equilibrar sua ação poluidora. Um brasileiro vive em média 72 anos e, para compensar o CO2 emitido na atmosfera ao longo desse tempo, teria de reflorestar uma área equivalente a 2,5 campos de futebol (cerca de 19,5 mil m2). E você, já sabe quantas árvores está devendo?

“No ano passado coordenamos 20 projetos de neutralização de carbono. Em 2007 já chegamos a 100”, diz Eduardo Petit, sócio da empresa Max Ambiental. No início, apenas ativistas recorriam a esse expediente. O que se vê nos últimos tempos, emporém, é a determinação de grandes empresas, o entusiasmo de pequenos grupos e a adesão das chamadas pessoas comuns. Foi o que fizeram os cariocas Renato Barandier e Izabela Lentino, ambos arquitetos, que se casaram no dia 20 de outubro e decidiram neutralizar as sete toneladas de carbono emitidas na cerimônia. A mesma preocupação moveu o piloto de stock car Allam Khodair, da equipe Boettger, responsável pelo plantio de 59 árvores para absorver o CO2 das três últimas provas da temporada. O conjunto de samba Jeito Moleque tornou-se o primeiro do País a fazer shows “neutros em carbono” e, através da ONG Inciativa Verde, plantou mais de 500 mudas em 2007. Os organizadores do Carnaval baiano já anunciaram que vão neutralizar o carbono emitido pelos trios elétricos em 2008, o Paraná Clube planeja fazer o mesmo com as partidas de seu time e os empresários do último TIM Festival plantaram mudas compensando o gasto de energia no evento.

Cresce também a participação das empresas. Gigantes como a Bradesco Capitalização, Volkswagen e Petrobras, entre outros, começaram a cuidar para valer da natureza no ano passado. Mais: a Ipiranga investe R$ 6 milhões para compensar a poluição dos veículos e a HSBC Seguros lançou o Seguro Carbono Neutro com parte dos investimentos revertida para a preservação das florestas. “Estamos abertos à possibilidade de patrocinar o plantio”, diz Marcelo Teixeira, diretor executivo da seguradora. Mesmo as empresas médias estão agindo. A Tour House, agência de viagens corporativas, vai neutralizar o CO2 emitido nos deslocamentos aéreos. “O combate às emissões é exigência da sociedade”, diz o diretor comercial Mateus Passos. Vale a pergunta: esse plantio influi na diminuição do aquecimento ou apenas alivia as consciências? “A crescente participação das empresas e dos cidadãos pode pelo menos atenuar o problema”, diz Zee. Segundo Adauto Basílio, da Fundação SOS Mata Atlântica, os empresários não podem plantar pensando somente nos ganhos de imagem imediatos. “É preciso continuidade”, diz ele.

Continuidade, perseverança e empenho são palavras-chave nesse caso. Dá trabalho, mas vale a pena. É preciso acompanhar o crescimento da planta, principalmente durante os primeiros dois anos, cortar o capim a sua volta e evitar pragas. A desvantagem de cultivar uma árvore solitária é que, ao morrer, ela também libera carbono – quando está ao lado de espécimes iguais esse efeito é neutralizado. “Seria ótimo se o cidadão conseguisse envolver a família ou os vizinhos para plantar em quantidade”, diz o biólogo Roberto Strumpf, da Iniciativa Verde. Ou seja: a melhor solução é participar de ações coletivas através de entidades especializadas em reflorestamento, porque aí a pessoa paga pelo plantio das árvores em locais adequados, pode acompanhar o momento em que a muda é colocada na terra e recebe um certificado. Antes mesmo de qualquer redução no aquecimento global, essa mobilização tem o benefício de criar um contingente comprometido com a preservação. Gente que para ser feliz pode fazer uma releitura da velha máxima: vale escrever um livro (de preferência em papel reciclado), vale ter um filho (e educá-lo para cuidar da natureza) e vale, sobretudo, plantar não uma mas várias árvores vida afora.

PILOTO VERDE Preocupado com a emissão de carbono, o piloto paulista de stock car Allam Khodair pensou em usar combustível e pneus ecológicos. “Era impossível, todos os carros devem obedecer ao mesmo padrão”, diz ele. Chegou à conclusão de que o melhor seria reflorestar: “Levo em conta o combustível queimado, o transporte do carro para os Estados e outros detalhes.” A neutralização teve início na corrida do circuito gaúcho de Tarumã. Pelas três últimas provas do campeonato, Khodair autorizou a ONG Iniciativa Verde a plantar 59 árvores, sob sua responsabilidade, para compensar 11 toneladas de CO2 lançadas na atmosfera.

SAMBA ECOLÓGICO Os sambistas do grupo Jeito Moleque criaram uma espécie de banco de árvores onde depositam a quantia necessária para o plantio de mudas equivalente ao carbono emitido em suas apresentações. “Os especialistas escolhem locais adequados e depois fazem o acompanhamento da planta, para que ela cresça saudável”, diz Bruno Diegues, vocalista da banda. Isso começou em setembro e, desde então, mais de 500 árvores foram plantadas em diferentes pontos do Brasil. O próximo DVD será gravado na Amazônia no mês que vem. “Nossa idéia é conscientizar o público sem sermos chatos”, diz Diegues. Até o fim do ano, o Jeito Moleque terá patrocinado o plantio de mil árvores.

ÁRVORE DA FUNERÁRIA Desde o início de outubro, a Funerária Vaticano, uma das maiores de Curitiba, planta uma muda de árvore para cada pessoa morta cujos funerais ficam sob seus cuidados. “Podemos dar a muda aos parentes, mas preferimos fazer o plantio num bosque da cidade, onde a absorção de carbono é melhor”, diz Mylena Cooper, uma das diretoras da empresa. No primeiro mês foram semeadas 100 árvores com a participação de alunos da rede pública. “Esperamos que no futuro uma lei obrigue todas as funerárias a fazer o mesmo em todo o País.”

CASAMENTO SUSTENTÁVEL O casal carioca Izabela Lentino e Renato Barandier neutralizou toda emissão de carbono da cerimônia do seu casamento. No cálculo entraram o deslocamento dos 500 convidados, alguns vindos do Exterior, o caminhão que trouxe o vinho do Rio Grande do Sul e a energia elétrica. “Até nossa lua-de-mel foi contabilizada”, diz Izabela. Os técnicos concluíram que seria necessário plantar 36 árvores para compensar as sete toneladas de CO2 produzidas no evento – e assim foi feito. As mudas foram distribuídas numa floresta do Paraná. “Nossa contribuição não é tão grande, mas serve para conscientizar. E não é preciso casar para tomar essa providência”, brinca Renato.

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br - 12/11/07

África de Sebastião Salgado

O fotógrafo Brasileiro mais conhecido nomundo resume em duas centenas de imagens o seu trabalho dedicado à África

SOFRIMENTO Meninas somalis circuncidadas (2001)

Numa visita à aldeia de Sabbatum, na Somália, o fotógrafo Sebastião Salgado presenciou "uma das coisas mais cruéis já vistas na vida". A cena que o chocou, há seis anos, foi a de duas meninas que acabavam de ter seus clitóris arrancados e cujas pernas eram mantidas unidas por ataduras para não rasgar a cirurgia precária. "Elas não podiam se mexer, haviam acabado de perder a possibilidade de prazer no futuro", lembra Salgado. "A expressão dos seus rostos era de tristeza fatal. Naquele dia eu não consegui mais fotografar." Os retratos de Sitey Muse Mukhtar, na época com sete anos, e de Xalime Ali Sheik, de dez anos, fazem parte do extraordinário livro África (Taschen, 336 págs., R$ 199), no qual Salgado faz um apanhado de seu trabalho de 34 anos no continente africano. São 221 fotos selecionadas de 40 reportagens. Mas Salgado só identificou essas duas meninas somalis. E, claro, o líder etíope Hailé Sélassié, que lutou contra a dominação italiana, numa foto de 1974, publicada pela primeira vez.

TRABALHO Grupo dinka, do Sudão, conduz o gado ao final do dia no campo de Pagarau, no sul do país (2006)

Como aquela cena das circuncidadas, existem outras, inúmeras, que indignaram Salgado nessas três décadas de trabalho. E por isso foram documentadas e publicadas em revistas e jornais do mundo inteiro: como ele sempre lembra, seu trabalho de grande artista (palavra de que não gosta) é basicamente jornalístico. "Fotografo a realidade que está acontecendo. Não provoco aqueles fatos, eles fazem parte da nossa história", diz. São massacres, êxodo de populações desesperadas e famélicas, retratos de pessoas vítimas de cólera, malária ou hanseníase em flagrantes difíceis de se ver. Salgado poderia falar em detalhes de cada uma das imagens, porque não deixa de anotar o contexto de nenhuma delas e tem a memória viva de tudo o que aconteceu. Numa cena de grande impacto, uma mulher foge com a filha sob o fogo cerrado de um bombardeio aéreo, em 1985. Ela leva na cabeça a panela, como se fosse um capacete. "Isso aconteceu na província de Tigray, no norte da Etiópia, durante a guerra contra o governo. Eram refugiados abandonando o país em direção ao Sudão", diz ele.

CASTIGO Nômades atravessam o leito seco do lago Faguibine, no Mali (1985)

Essa foto pertence à parte mais dramática do livro, aquela dedicada à região do Sahel (África Subsaariana) - as outras duas cobrem a África Austral e os Grandes Lagos. "Em Sahel foi a própria natureza que castigou o homem", diz Salgado. Ao documentar o Lago Faguibine, no Mali, ele cruzou com um grupo de migrantes em pele e osso, cujas roupas negras contrastam com a luz escaldante refletida na areia. É como se entrassem num ponto cego da visão.

BELEZA Lago no vulcão Bisoke, em Ruanda (2004)

"Eles estão caminhando dentro do leito do lago que já foi o maior da África Ocidental." Num paralelo a tanta dor e miséria, Salgado selecionou também imagens mais aprazíveis, como a reportagem sobre o cultivo de chá em Ruanda, primeira região africana que conheceu, quando ainda era economista da Organização Internacional do Café, em 1971. Vinte anos depois ele voltou ao local e fez as fotos que estão no livro. Em 2004, realizou a série de paisagens com os vulcões e lagos da região, que também estarão nos volumes do projeto Genesis, previsto para 2011, sobre a parte "intocada" do planeta. Essas são as primeiras paisagens feitas por Salgado. Mas ele diz que a natureza sempre esteve presente em seu trabalho como contexto no qual se inseria o ser humano. "Não me tornei um fotógrafo de landscape", diz.

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br - 12/11/07

Brad Pitt é Jesse James

O ator americano interpreta o fora-da-lei nos últimos anos de vida num filme que ele produziu e que lhe deu o primeiro grande prêmio de atuação de sua carreira

IVAN CLAUDIO

CAIPIRA Brad Pitt cresceu em Springfield, a mesma cidade de Jesse James, e usou o sotaque da região no filme sobre o pistoleiro

De uns anos para cá, o astro Brad Pitt virou uma espécie de fora-da-lei de Hollywood: tem um dos maiores salários (mais de US$ 20 milhões por trabalho), nunca faz o que a indústria de filmes deseja e vive em fuga das lentes dos paparazzi. Em O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford (The assassination of Jesse James by the coward Robert Ford, EUA, 2007), que estréia no Brasil no dia 23, Pitt dá vida literalmente a um fora-dalei, talvez o maior de toda a história do Velho Oeste americano. Trata-se do pistoleiro Jesse James, que já foi vivido anteriormente por Tyrone Power e Robert Wagner, entre outros, mas nunca com o carisma de um ator cuja condição de celebridade cai como uma luva para a situação do personagem retratado. É que esse Jesse James, dirigido com sobriedade e pretensões artísticas pelo neozelandês Andrew Dominik, coloca em evidência justamente a fama do bandido, àquela altura conhecido em todo o país por seus espetaculares roubos a bancos, trens e carruagens, e tema de inúmeras novelas baratas, as chamadas “dime novels” – algo como os livrinhos de cordel dedicados a Lampião. No lançamento do filme em Londres, terra dos tablóides sensacionalistas, Brad Pitt confirmou essa coincidência: “Quanto mais eu entrava na história de Jesse James, mais eu ficava surpreso em ver como esse tipo de imprensa já estava vivo e em pleno funcionamento naquela época. Já existia sensacionalismo e fabricação dos fatos. Foi muito curioso constatar que isso não mudou muito.”

É justamente um fanático leitor das histórias sobre Jesse James veiculadas nos jornais e nos livrinhos de bolso que divide a cena com o protagonista. Trata- se de Robert Ford (interpretado por Casey Affleck), um rapaz de 19 anos, irmão de um dos integrantes do bando de James (conhecido como James-Younger Gang), que tenta a todo custo ganhar a confiança do chefe e fazer parte do grupo. E é ele quem mata o bandido com um tiro nas costas (nenhuma surpresa, já que esse detalhe está no título do filme), coroando uma relação de admiração e ódio sob a qual muitos vêem uma enrustida paixão homossexual. Numa cena em que Ford, uma espécie de Mark Chapman do século XIX, observa James tomar banho, este pergunta a ele: “Você quer ser como eu ou você quer ser eu?” Na entrevista coletiva do Festival de Veneza, em setembro passado, Pitt (que ganhou o prêmio de melhor ator) comentou o assunto: “Não acho que exista uma conotação homoerótica na relação entre eles, mas, se causa prazer para alguns imaginar assim, não vejo problema. É até possível.”

Como raramente acontece, Pitt tem viajado muito para o lançamento do faroeste, sempre acompanhado de sua mulher, Angelina Jolie, e dos quatro filhos – os adotivos Maddox, seis anos, Pax, três, e Zahaara, dois, e Shiloh, de um ano. Seu interesse no filme é grande. Afinal, ele é o co-produtor da fita, orçada em US$ 30 milhões, por meio de sua empresa, a Plan B Entertainment, que colocou também de pé o mais recente trabalho de Angelina, O preço da coragem, ainda em cartaz. Jesse James estava previsto para estrear no ano passado, mas ficou um ano sendo remontado até chegar às 2h40 finais (a primeira versão durava quatro horas). Como se suspeita pela longa duração, trata-se de mais um daqueles faroestes crepusculares, a exemplo de Jeremiah Johnson e outros realizados nos anos 1970. Dessa vez, o foco foi lançado nos últimos anos de um pistoleiro, justamente naquele período em que, cansado da vida de crimes, ele decide levar uma vida anônima com a mulher e os filhos em alguma fazenda perdida no horizonte.

REBELDE James era visto como um Robin Hood

Foi exatamente isso o que aconteceu com o Jesse James da vida real, que foi morto em 1882, aos 35 anos. Considerado um mito pop como Elvis Presley ou James Dean, James foi homenageado por músicos como Bob Dylan, John Lee Hooker, Bruce Springsteen e Woody Guthrie, que o comparou a Robin Hood. A aura de rebelde veio da natureza de seus roubos: egresso das fileiras confederadas da Guerra da Secessão americana, ele justificava seu saque aos bancos como uma resposta à espoliação das terras sofrida pelos pequenos proprietários de terra sulistas, sua família incluída. Esse aspecto de sua biografia foi colocado em relevo pelo historiador inglês Eric Hobsbawn, no livro em que estuda o surgimento do banditismo social. Pitt aposta nesse mito e se diz até orgulhoso de aumentar-lhe o brilho com seus olhos azuis e cachos dourados – no filme, tingidos de preto. Segundo Pitt, 125 atores já interpretaram James, mas apenas ele tem uma conexão especial com o retratado: os dois cresceram na cidade de Springfield, no Estado de Missouri (Pitt nasceu em Oaklahoma, mas foi para aquela cidade ainda pequeno). “Eu não conhecia muito sua história, mas obviamente conheço bem sua região e sobretudo seu sotaque. Há muito tempo não podia falá-lo e foi um prazer tornar a fazê-lo nesse filme”, disse ele em Veneza. Na condição de astro, pode agora falar errado sem o risco de ser chamado de caipira, como aconteceu em Thelma & Louise, de 1991, o filme de Ridley Scott que o revelou e no qual interpretava um caubói às voltas com as duas mulheres entediadas com a vida.

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br - 12/11/07

sábado, 10 de novembro de 2007

"Homem-Aranha" de 5 anos entra em casa que pegava fogo e salva bebê

FELIPE BÄCHTOLDDA
AGÊNCIA FOLHA

Um menino de cinco anos, que estava vestido com a camisa do Homem-Aranha, salvou um bebê durante um incêndio na cidade de Palmeira (236 km a oeste de Florianópolis), de acordo com o Corpo de Bombeiros de Santa Catarina.

O menino chama-se Riquelme Wesley Maciel dos Santos, e brincava de super-herói no quintal de sua casa.O bebê, Andrieli dos Santos, tem um ano e dez meses, e é filha de uma vizinha, em um bairro de classe média baixa do município na tarde de quinta-feira.Segundo bombeiros da cidade de Otacílio Costa, que atenderam a ocorrência, a dona da casa, Lucilene dos Santos, 36, percebeu que a moradia estava pegando fogo e correu para a rua.Riquelme viu o desespero de Lucilene, que dizia que o bebê havia ficado em um dos quartos da casa. Ele decidiu, então, tentar salvar a criança. O garoto de cinco anos entrou na casa, tirou o bebê do berço e, com dificuldades, trouxe a menina para o pátio, longe do perigo.

Ninguém se feriu. Apenas Lucilene e o bebê estavam dentro do imóvel no momento do incêndio, segundo os bombeiros.

Sem medo
Aos bombeiros, conta o soldado Giovanni Cunha, o garoto Riquelme disse que não tinha medo "porque era o Homem-Aranha".O bombeiro afirma que, antes de entrar na casa, o menino tentou acalmar a mãe de Andrieli."Ele disse que não era para eu gritar, nem chorar, que ele salvaria Andriele", contou a mãe do bebê à RBS TV.

O Corpo de Bombeiros foi acionado logo após Riquelme ter resgatado a menina.O incêndio consumiu cerca de 80% da casa de Lucilene, que era de madeira e tinha cerca de 50 m2.Um curto-circuito foi a provável causa do fogo, segundo os bombeiros. A cidade de Palmeira tem 2.300 habitantes.

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - www.folha.uol.com.br - 10/11/07

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Zumbis atacam no Multiplex

Planeta Terror relembra velhos filmes de horror – e a experiência de vê-los num cinema ruim

Isabela Boscov

Mortos nos anos 80, primeiro pelo videocassete e depois pelos multiplex, os grindhouses, aqueles velhos cinemas pulguentos de centro da cidade que exibiam filmes sem parar (ótimos para se esconder da chuva, fazer hora ou ver o sexo e o sangue que os estúdios então não mostravam), deixaram pelo menos dois órfãos – Quentin Tarantino e Robert Rodriguez. Desde o início da carreira, quando se tornaram amigos, os diretores vêm tentando recriar em seus filmes as emoções lúbricas que, em garotos, viviam quando se refugiavam nessas salas decrépitas para ver produções baratíssimas sobre gangues de kung fu, ataques de zumbis, assassinos de garotas ou perseguições de carros. Há pouco mais de um ano, eles decidiram que o que faltava às recriações era o seu dado mais básico: a experiência do pulgueiro. O resultado foi Grindhouse, um conjunto de dois filmes, um a cargo de cada diretor, mais trailers de títulos fictícios (como o de Mulheres Lobisomem da S.S.) e um bocado de manipulação da película – que já vem riscada, mastigada e até com rolos faltando, substituídos por um acanhado "aviso da gerência". Lançado nos Estados Unidos como programa duplo, Grindhouse passou longe do sucesso que se esperava. Desde então, a dobradinha foi desmembrada (termo mais do que apropriado, considerando-se o conteúdo dos filmes). Planeta Terror (Planet Terror, Estados Unidos, 2007), o filme de Rodriguez, estréia nesta sexta-feira no país, precedido de só um dos trailers falsos. Prova de Morte, de Tarantino, deve chegar aqui apenas em março.

Planeta Terror é uma clássica fita de quinta categoria sobre zumbis. Um gás letal escapa de uma instalação militar, cobrindo todos nas imediações com pústulas borbulhantes e dando-lhes um insaciável apetite canibal. Convidados especiais como Bruce Willis, Naveen Andrews (o Sayid de Lost) e Michael Biehn (do primeiro Exterminador do Futuro) comparecem com as atuações mais pétreas de que são capazes. Os verdadeiros heróis são interpretados por Freddy Rodríguez, como um sujeito de pontaria infalível, e pela muito interessante Rose McGowan, como uma go-go dancer que, ao ter a perna arrancada por um zumbi, trata de substituí-la por uma metralhadora. Perneteando para lá e para cá e atirando no inimigo com seu cotoco, ela vai encarnar uma personagem atávica do gênero: a da "última garota", a quem caberá não apenas purgar o horror, como reiniciar a humanidade. Por limitações reais e fictícias de orçamento, o planeta do título é a Terra mesmo. Ou melhor, uma porção insignificante dela, em algum cafundó do Texas. Prova de Morte segue a mesma linha: Kurt Russell faz um dublê que usa um carro com motor V-8 para perseguir garotas indefesas. Ou isso pelo menos é o que ele pensa.

Com filmes como Pulp Fiction e a série Spy Kids, Tarantino e Rodriguez fizeram quase que sozinhos a fortuna dos irmãos Harvey e Bob Weinstein, quando estes comandavam a produtora Miramax e sua divisão B, a Dimension. Desde que romperam com sua empresa-mãe, a Disney, os irmãos ainda não conseguiram emplacar nenhuma produção que se comparasse em renda ou em prestígio com as suas investidas anteriores. Grindhouse era sua melhor aposta para este ano. Novamente, não é o caso de julgar o filme pela bilheteria. Pela primeira parte do programa, pode-se imaginar quanto se divertiram os sortudos que o viram na íntegra.

O que, afinal, é grindhouse

Esse é o apelido que se dava às salas de baixa categoria (como drive-ins e pulgueiros) que exibiam filmes sem parar

Por extensão, grindhouse designa também as produções baratíssimas exibidas nesses locais

Um grindhouse legítimo pertence ao gênero exploitation. Ou seja, tem de explorar de forma exagerada temas como sexo, horror, escatologia, zumbis, ninjas ou fetiches variados

As pornochanchadas brasileiras dos anos 70 são um ótimo exemplo de grindhouse, pelo tema e também pela técnica tosca

DE DAR SUSTOS TAMBÉM EM QUEM FAZ

Gênero que mais se recicla, por ser barato e ter público certo nos adolescentes, o terror é também o mais volúvel dos segmentos. Às vezes, parece ter morrido de vez; logo desponta de novo como favorito. O desafio é adivinhar qual dos seus subgêneros estará em voga na próxima maré cheia. Até alguns dias atrás, dava-se como esgotado o filão do sangue e vísceras. O Albergue fora um imenso sucesso. Sua continuação, lançada em junho, morreu na praia. Os apostadores do setor já haviam recolhido suas fichas quando, na segunda-feira, amanheceram com uma notícia inesperada. Jogos Mortais 4, da série que é a grande rival em mau gosto de O Albergue, fez quase 32 milhões de dólares na estréia. Em três anos, a franquia já acumulou 464 milhões, contra um total de 30 milhões gastos na sua confecção. Ou seja, ainda não é hora de aposentar os instrumentos cortantes.

Três coisas podem complicar a carreira de um filme de terror. Planeta Terror ilustra uma delas. Em vez de abraçar sua natureza, o filme trilha uma linha sutil entre a paródia e a homenagem – e a platéia moderna abomina a sutileza. As outras duas falhas estão exemplificadas por 1408, em cartaz no país. Estrelado por John Cusack, o filme junta terror psicológico, fantasmas e mutilações, para ninguém se sentir deixado de fora. Ou seja, não informa ao aficionado de cada corrente se aquela história é para ele ou não. Com 100 milhões de dólares de renda, seria possível imaginar que 1408 não é um fiasco. Isso até que se olhe seu orçamento, de 25 milhões. É aí que ele trai o primeiro mandamento do gênero: na relação custo-benefício, que é um pavor.

Fonte: Revista Veja - http://www.veja.com.br/

Pane no sistema

Nova série da Rede Globo incentiva a improvisação e o absurdo das situações

FRANCISCO ALVES FILHO

SEM NADA O fonoaudiólogo vivido por Selton Mello fica sem cartão e CPF

O noites de sexta-feira da Rede Globo com O sistema, que estréia no dia 2. Desde o fim de Os normais, exibido entre 2001 e 2003, existiram várias tentativas de reabilitar o horário. Depois de Os aspones, Carga pesada, Minha nada mole vida e Antonia, a emissora faz agora mais uma tentativa com a série escrita pelo casal Alexandre Machado e Fernanda Young e estrelada por Selton Mello. O experimentalismo é a marca do programa, que chega com uma aura de inovação. Tanto assim que os atores nem sequer conseguem defini- lo. “Nunca fiz um trabalho tão difícil de explicar”, diz Mello. Ele interpreta o fonoaudiólogo Matias, que, após discutir com uma atendente de telemarketing, descobre não ter mais CPF, cartão de crédito, linha de celular ou direito a energia elétrica. Ou seja, está excluído do sistema do título, contra o qual passa a lutar.

O roteiro absurdo dá inédita liberdade aos atores, pois um terço do programa é improvisado. “Fica uma ‘sujeira’, uma certa espontaneidade, que seria mais difícil de alcançar se não tivesse em prática o jogo da improvisação”, avalia o diretor José Lavigne. O time de atores, completado por Graziella Moreto, Ney Latorraca, Betty Gofman e Maria Alice Vergueiro, que foi hit no You Tube com o vídeo Tapa na pantera, é fera nesse quesito. “O programa é de ação e comédia, tem suspense e também nonsense”, explica a roteirista Fernanda Young. “O humor é usado para falar de assuntos duros.”

Segundo o roteirista Alexandre Machado, a trama de O sistema mistura ficção científica e maluquice

O parceiro Alexandre Machado vai mais longe: “A temática mistura ficção científica com maluquice pura”. Alexandre reconhece que é uma ousadia fazer algo novo num veículo que exige altos índices de audiência. “Repetir o que sempre já foi feito, mudando apenas umas coisinhas é sempre menos arriscado”, diz. Cautelosa, a emissora preferiu testar primeiro os resultados de O sistema: a série será exibida numa temporada de seis episódios.

Fonte: Revista Isto é - http://www.istoe.com.br/

Entrevista: Juliette Lewis

Ela trocou Hollywood pelo rock

A famosa atriz revela por que prefere a música ao cinema e mostra no Brasil a força de sua banda
Por NATÁLIA RANGEL

Juliette Lewis, 34 anos, vem ao Brasil na próxima semana para mostrar o seu lado roqueiro. Ela e sua banda Juliette and the Licks se apresentarão no País depois de cinco anos de estrada. A americana Juliette, "nascida e criada em Los Angeles", é mais conhecida do público como atriz. Atuou em diversos filmes importantes nos quais trabalhou com prestigiados cineastas - ficou famosa, por exemplo, a cena em que, ainda adolescente, é seduzida por Robert De Niro no aterrorizante Cabo do medo, de Martin Scorsese. Ela também estrelou, ao lado de Brad Pitt, o thriller Assassinos por natureza, de Oliver Stone. Juliette, por sinal, teve um longo namoro com Brad, hoje marido de Angelina Jolie. A atriz não se arrepende do tempo dedicado ao cinema mas deixa claro que gosta mesmo é de música. E de rock. Acaba de lançar o álbum Four on for floor (gravadora ST2) que tem a participação do baterista Dave Grohl, líder do Foo Fighters e ex-Nirvana. De Los Angeles, durante uma folga em sua longa turnê, Juliette falou, por telefone, a
ISTOÉ:

ISTOÉ - Há quanto tempo está em turnê?
Juliette Lewis - Estamos na estrada há um ano e dois meses, viajamos pela Europa, pelos EUA e agora faremos alguns países da América Latina. Mas hoje (quarta-feira 17) estou de folga em Los Angeles, minha cidade. Nasci e me criei por aqui.

ISTOÉ - E foi por aí também que começou logo cedo no cinema?
Juliette - É verdade. Fiz testes e comecei fazendo uns seriados meio trash. Mas logo consegui bons papéis e me deslumbrei com o mundo do cinema. Antes eu já fazia música e sabia que voltaria a trabalhar com isso.

ISTOÉ - E como é trabalhar em Hollywood?
Juliette - Eu adoro cinema. Quando estou escrevendo música, cenas de grandes filmes me vêm à cabeça o tempo todo. Mas você fica um pouco refém da indústria cinematográfica quando trabalha como atriz. Não consegue mais organizar a sua própria agenda e fica encastelada em sets de filmagem. Eu adoro o contato com o público, me traz uma energia poderosa.

ISTOÉ - E como surgiu a banda?
Juliette - Eu tinha medo de montar a minha banda. Sabia que quando começasse a montá-la, isso me tomaria por completo. Desperdicei muito tempo fazendo bobagens antes de tomar a decisão.

ISTOÉ - Que tipo de bobagens?
Juliette - Exagerando no álcool, em drogas em geral, badalando muito. Mas sobrevivi. Acho que aprendi a colocar a minha energia nas coisas certas: a música que fazemos é urgente, perigosa e se propõe a divertir.

ISTOÉ - Foi difícil tomar a decisão de criar o grupo Juliette and the Licks?
Juliette - Eu fiquei muito intimidada no início. Não tinha ainda um ponto de vista do que eu queria. Não sou a guitarrista da banda e era minha responsabilidade achar os músicos, nos inspirarmos mutuamente para começar um trabalho juntos com uma identidade musical. E eu acho que quatro anos depois a gente chegou lá e eu gosto do resultado.

ISTOÉ - O que você acha da decisão do Radiohead de colocar o seu novo CD, In rainbows, diretamente à venda na internet na forma de download e dar a opção aos fãs de pagar o quanto quiserem?
Juliette - Eu estou muito ansiosa em saber como as pessoas vão reagir a isso. É uma experiência muito interessante e moderna. E que só pode ser feita por uma banda que já tem diversos discos lançados, dinheiro e muito sucesso. Eu não acho que uma banda iniciante possa fazer isso. Na verdade, não estou certa. Talvez funcione. Eu sou uma pessoa que compra CDs. Não gosto de ouvir músicas no computador.

ISTOÉ - Onde você guarda as suas músicas favoritas?
Juliette - Eu tenho um iPod, mas até hoje não passei as músicas para ele. Viajei toda a turnê com diversos cases cheios de CDs. A verdade é que computadores dão pau, uma ou outra vez isso acontece. E eu não quero correr o risco de perder todas as minhas músicas.

ISTOÉ - Você toca guitarra?
Juliette - Toco mal. A guitarra me assusta. Os dedos se prendem nas cordas, eu me enrolo toda. Sou muito impaciente. Eu toco piano desde criança e, nesse inverno, quando teremos um tempo livre, vou compor para o nosso próximo disco.

ISTOÉ - No seu novo disco você está pintada e vestida com trajes indígenas. Qual a idéia?
Juliette - Não é nada político, não estou engajada na defesa das populações indígenas. Na verdade, eu admiro a cultura dos bravos guerreiros indígenas e sou fisicamente tão pequena que gosto de me imaginar uma brava guerreira. E a cultura dos povos indígenas é marcada pelo espírito de liberdade, o que acho que me acompanha a vida inteira, especialmente nessa minha decisão de seguir a jornada musical.

"Brad Pitt já foi meu marido, trabalhamos juntos em Assassinos por natureza. Ele é um dos atores que apóiam meu lado musical"

ISTOÉ - E o público? Tem sido receptivo com o seu trabalho?
Juliette - Sinto que sim. Em Londres, há três anos, nós tocávamos para 100 pessoas em pequenos clubes, e hoje voltamos e reunimos 25 mil num estádio. É uma experiência poderosa. Escrever uma música, tocar e sentir pessoalmente isso tudo. É muito poderoso, sinto que achei o lugar certo para estar na vida.

ISTOÉ - Você sente que há algum preconceito pelo fato de você ter vindo do cinema?
Juliette - Entre os músicos não sinto tanto, recebi e ainda recebo a colaboração de muitas pessoas. Mas sei que há críticos que não darão o devido valor ao meu disco por esse motivo.

ISTOÉ - E quais artistas colaboraram na sua carreira musical?
Juliette - O Dave Grohl, do Foo Fighters, toca bateria em todas as faixas do meu novo CD. A P.J. Harvey me emprestou uma canção e eu fiz uma regravação dela (Hardly wait) no meu disco anterior. E sabe como eu aproximo o cinema da música? Eu já gravei trilhas sonoras de cinema. É o caso dessa música. Faz parte da trilha do filme Estranhos prazeres. Mas muitas pessoas colaboraram, inclusive pessoas do cinema, Martin Scorsese, Brad Pitt, muitas pessoas me deram apoio, já foram aos shows.

ISTOÉ - O que você imagina do futuro da música na era digital?
Juliette - Acho que com a internet e as gravadoras perdendo o poder que tinham, o caminho serão os shows. Eu acho que caminha para isso. Sair sempre em turnê e ter uma conexão maior com as pessoas. Muitas pessoas, talvez, não vão dar o valor que mereço por eu ter vindo do cinema, ser uma estranha aqui. Mas essa é a realidade.

ISTOÉ - O que você ouve e admira?
Juliette - Eu adoro os experimentalismos feitos por Nico e John Cage nas décadas de 60 e 70. Nico é inspiradora. Na cena atual, amo Björk, Queen of the Stone Age, Foo Fighters. Acho que são pessoas que estão criando outros sons, investigando e trazendo novidades para a cena musical. Amo tudo que emocione, crie uma imagem ou deixe a mente livre.

ISTOÉ - Musicalmente, o que você ouviu recentemente que mais a impressionou?
Juliette - Talvez uma jam session informal de John Frusciante, do Red Hot Chilli Peppers. Ele estava deitado enquanto fazia milhares de experimentalismos, produzindo sons barulhentos com guitarras. A ponto de deixar qualquer pessoa enlouquecida. E na seqüência, ele mandava outro som, realmente bonito. Quando você assiste ao show, percebe como essa alternância de sons e ritmos é poderosa.

ISTOÉ - Você está feliz?
Juliette - Eu tenho 34 anos, sou uma mulher de verdade agora. Às vezes não acredito que cresci.

ISTOÉ - Por quê?
Juliette - Comecei a trabalhar tão criança, era sempre a mais nova, precoce. E, de repente, virei protagonista. Minha geração já está sendo superada por outras que estão chegando por aí.

ISTOÉ - Você pensa em voltar ao cinema?
Juliette - Sei que farei um filme algum dia. Mas não sinto necessidade de fazer um filme só para fazer um filme. Quero trabalhar com pessoas que estejam tentando quebrar regras e fazendo algo novo em cinema. Gosto do Lars Von Trier, do Dogma (movimento cinematográfico que prega a desglamourização), de Quentin Tarantino.

ISTOÉ - Você é casada?
Juliette - Não. Fui casada até cinco anos atrás e hoje somos ótimos amigos. Eu quero alguém que me mantenha aquecida durante a noite. Mas não agora.
"Adoro as experiências musicais feitas por Nico nos anos 60 e 70. É nela que eu continuo me inspirando"

ISTOÉ - Vai passar muitos dias no Brasil?
Juliette - Não teremos tempo este ano. É uma pena porque seria incrível encontrar músicos brasileiros depois do show. Tocar instrumentos e cantar. É incrível como é possível aproximar as pessoas através da música. Não precisa do idioma, nada, porque já existe uma linguagem.

ISTOÉ - O que você mais gosta nesse disco?
Juliette - Eu adoro a mistura de estilos que ele faz. As canções são muito diferentes entre si. Adoro Inside the cage, é uma das minhas favoritas. Estou orgulhosa desse CD.

ISTOÉ - Como o cinema interfere na sua música e vice-versa?
Juliette - Quando estou compondo sempre me lembro de uma cena, de rostos e lugares onde fui para realizar as filmagens. E é muito bom poder trabalhar com ambas as artes, duas áreas criativas. Eu gosto de misturar linguagens estrangeiras. Também participei de videoclipes, como Come to my window, de Melissa Etheridge.

ISTOÉ - Conhece alguma coisa da cultura brasileira?
Juliette - O Carnaval. Sei que tem algumas partes do País em que há bastante misticismo e diversidade musical. E que tem muito sol. Já ouvi tanta gente dizer que o Brasil tem a melhor música do mundo que estou ansiosa para conhecer mais. Quero conhecer a Bahia, pesquisar sons e percussão.

ISTOÉ - O que espera do show por aqui?
Juliette - É lindo que eu esteja indo para aí nesse momento. Quando decidir formar a banda há quatro anos, logo quis sair em turnê. E o meu empresário, organizando a primeira agenda de shows nos EUA, ainda não tinha nem um disco, e ele me perguntou que cidades eu gostaria de incluir. Eu, para mostrar que tinha grandes planos para a banda e que queria ir realmente longe com ela, disse para ele, coloque aí o Brasil, não sei qual cidade, mas quero ir ao Brasil. O seu país veio à minha cabeça do nada, eu jamais o tinha visitado. Bom, demorou um pouco, mas na semana que vem estarei aí.

Ligeiramente virgens

Fonte: Revista Veja - 22/10/07

Judd Apatow e Seth Rogen, de Ligeiramente Grávidos, invertem os sinais da comédia adolescente em Superbad

Isabela Boscov

Três adolescentes, a duas semanas de terminar o 2º grau, compreensivelmente começam a se desesperar com a perspectiva de chegar invictos ao fim de seu último ano letivo. Dois deles têm em vista candidatas com as quais gostariam de inaugurar sua vida sexual; o terceiro acaba de fazer uma carteira de identidade falsa. Se ela passar pelo crivo dos balconistas de lojas de conveniência, eles terão acesso a vodca e cerveja. Tem-se então uma equação perfeita: se na festa daquela noite (a primeira, em toda a sua carreira escolar, para a qual foram convidados) eles conseguirem embebedar as meninas, é possível que, com a visão turvada pelo álcool, elas acabem na cama com eles. "Mulheres embriagadas erram. Nós podemos ser esse erro!", sonha o rechonchudo Seth (Jonah Hill), tentando persuadir seu melhor amigo, o certinho Evan (Michael Cera), a sonhar junto com ele. Seth, Evan e Fogell – que na carteira falsa aparece com o patético nome de McLovin – embarcam, então, naquela saga de tantas outras comédias estudantis americanas. Como nelas todas, o périplo dos personagens de Superbad – É Hoje (Superbad, Estados Unidos, 2007), desde sexta-feira em cartaz no país, começa em função do desespero, e de miragens de bebida e sexo. Mas termina no extremo oposto do habitual no gênero.

Todas as razões pelas quais Superbad é tão igual e tão diferente convergem nos seus realizadores – Judd Apatow e Seth Rogen, diretor e ator de Ligeiramente Grávidos, que aqui ocupam as funções de produtor e co-roteirista. (Rogen, além disso, interpreta um policial que só conseguiria esse posto em caso de extinção, por doença ou hecatombe, de todos os homens em idade de recrutamento.) De novo mesclando obscenidade e meiguice de maneiras improváveis, eles expõem em detalhes excruciantes o assanhamento de seus personagens. Seth, em especial, é incapaz de dizer uma única frase ou fazer um único gesto que não contenha uma baixaria – quase sempre são muitas ao mesmo tempo. Mas Apatow e Rogen são também homens o bastante para assumir sem nenhuma reserva que, se os hormônios ditam, os sentimentos é que inspiram. Nenhum dos três protagonistas recusaria um avanço de um espécime feminino qualquer. Mas trabalham, no limite de seus recursos, para que esse avanço venha das meninas em que fixaram sua atenção – as quais, além dos atrativos óbvios, têm outros mais intangíveis e decisivos. Por exemplo, vivacidade, generosidade e perspicácia para compreender que, embora Seth e Evan às vezes ajam como maníacos, não pode haver nada de tão errado assim com dois sujeitos que são amigos tão leais um para com o outro.

Esse, enfim, é o ponto a que Apatow e Rogen querem chegar. Na primeira cena do filme, Seth e Evan reviram os olhos e falam grosso para disfarçar seu constrangimento intenso quando alguém sugere que eles sentirão falta um do outro, por estarem indo para faculdades diferentes. Na cena final, eles se dão conta de que, sejam quais forem os ganhos da noite anterior, eles cobrarão uma perda: a de uma amizade indivisível e incondicional, como só na adolescência se experimenta. Qualquer pessoa do ramo sabe que não há negócio mais traiçoeiro do que o humor; de um dia para outro pode-se passar de rei da comédia a piada de mau gosto – e os irmãos Farrelly, que dominaram o território por anos depois de Quem Vai Ficar com Mary?, acabam de atestar essa máxima com o fiasco de Antes Só do que Mal Casado. Não é impossível que, daqui a dois ou três filmes, Apatow e sua trupe se vejam em situação semelhante de desfavor. Mas, neste momento, eles estão em completa sintonia com seu público. Porque são engraçados, sem dúvida. Mas mais ainda pela clareza e pelo desarme de sua visão.

As mulheres de Babenco

Fonte: Revista Isto é - 22/10/07

O cineasta Hector Babenco abandona a miséria e a violência urbana e aborda o universo feminino em O passado, uma de suas obras mais pessoais

IVAN CLAUDIO

MATRIARCADO Para Babenco, o argentino quer ter a mãe no poder político e gosta de santificá-la

O cineasta Hector Babenco não suporta mais a violência no País. Dia desses, a caminho da estréia da peça Salmo 91, baseada no mesmo livro de Drauzio Varella que deu origem ao filme Carandiru, ele teve um ataque de pânico e largou o carro no túnel do Anhangabaú, no centro de São Paulo. O diretor de Lúcio Flávio, o passageiro da agonia e Pixote, a lei do mais fraco não quer mais abordar assuntos desse gênero: “Estou há 20 anos mergulhado nesse universo, não consigo mais visitá-lo. É como alguém que teve intoxicação comendo um peixe podre e não consegue mais ver peixe na sua frente.” Seu mais recente filme, O passado, que estréia no Brasil no dia 26, volta as costas para a violência urbana. Fala, no entanto, de outra violência: a das relações amorosas.

Baseado no romance homônimo do argentino Alan Pauls, O passado acompanha a trajetória de Rimini (Gael García Bernal), um jovem tradutor que entra em crise depois de romances devastadores com três mulheres. Também pudera: as mulheres dos filmes de Babenco estão sempre alguns graus fora da normalidade. A primeira delas é Sofia (Analía Couceyro), com quem Rimini fica casado por 12 anos. Quando se separam, ela aceita civilizadamente a perda, mas continua presa ao ex-marido de forma obsessiva. A segunda é Vera (Moro Anghileri), uma modelo belíssima, mas ciumenta em igual medida. Numa das cenas, ao ver Rimini falar com uma menina, o agride imaginando o seu envolvimento em sedução e pedofilia.

A mais estável delas é Carmen (Ana Celentano), tradutora como Rimini, com quem ele tem um filho. A felicidade de Rimini dura pouco porque, à distância, Sofia não suporta ser esquecida. Vera acaba sendo atropelada e morre. Recuperado da perda, Rimini está agora com Carmen, mas Sofia, num surto psicótico, seqüestra o filho do casal, causando a separação. É um golpe fatal na frágil estrutura emocional do personagem. “Sofia não é louca, ela simplesmente enlouquece. É uma Medéia, o arquétipo máximo da mulher que é fiel ao seu amor até o fim”, diz Babenco, referindo-se à personagem da tragédia grega.

A tese de O passado é que as pessoas não se separam, se abandonam. E que o amor não acaba, ele continua reverberando na vida dos ex-amantes: “Fui casado três vezes, cada relação durou 15 anos. Esquecer uma mulher que te deu um filho é impossível. Só se você for um patife.” A princípio, o cineasta pensou em filmar essa história em São Paulo, mas chegou à conclusão de que não daria certo – não pelo clima de violência, mas porque os personagens não se aclimatavam bem ao País. Quanto mais mergulhava na história, mais se via na Argentina de sua adolescência. Decidiu então rodar o filme em Buenos Aires, facilitado pela entrada de capital portenho na produção.

Babenco garante que o filme não tem nada de autobiográfico. “Minha única relação de amor na Argentina foi com aquela maluquinha mostrada em Coração iluminado, que me deixou marcado por toda a vida”, afirma ele. “Isso sem falar do amor que temos pela mãe, que é muito controverso.” Ele descobriu o livro de Alan Pauls justamente numa viagem a Buenos Aires para visitar a mãe doente, mas ainda não se deu conta se a presença dela pairou sobre a história dessas mulheres hiperpossessivas. Sobre o matriarcado argentino que une Evita, Isabelita e agora Cristina Kirchner, ele arrisca uma psicanálise: “Só mesmo a falta da figura materna explica essa desejo do argentino de querer ter a mãe no poder. É uma vocação esquisita, de adorar a mulher como se fosse uma santa.” A Argentina também é um amor que não acaba na sua carreira de dez filmes: Babenco recorreu a três escritores daquele país para criar suas histórias.

Lelouch e a arte que simplifica o complicado

Diretor francês, homenageado da Mostra, fala de vida, cinema, atores e de seu novo filme, o ótimo Crimes de Autor

Luiz Carlos Merten

Em 47 anos de carreira, Claude Lelouch realizou 41 filmes, praticamente um por ano. O primeiro, Le Propre de l'Homme, é de 1966, mas foi com o sexto, em 1966, que ele recebeu dois dos mais cobiçados prêmios do mundo (os mais?) - a Palma de Ouro do Festival de Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro da Academia de Hollywood, outorgados a Um Homem, Uma Mulher. Desde então, Lelouch virou um grande nome do cinema mundial, mas não uma unanimidade. A crítica francesa colou-lhe um rótulo - o de 'industrial do amadorismo'. Cahiers du Cinéma despreza seu cinema. Ele retribui - diz que a revista e a nouvelle vague (com as exceções de François Truffaut e Jacques Demy) fizeram muito mal ao cinema francês.

Mostra Lelouch é um sujeito muito simpático, que está completando 70 anos em 2007. Na sexta, ele concedeu a entrevista que você vai ler, no bar do Hotel Crowne Plaza. No sábado pela manhã, foi passear na Av. Paulista. À tarde, após a sessão de seu novo filme, Roman de Gare - que recebeu o título de Crimes de Autor -, participou de um bate-papo na Faap. Havia muita gente para ver (e ouvir) Lelouch, mas havia ainda mais gente à espera do filme de Gael García Bernal, que também discutiu sua estréia na direção, com Déficit, exibido horas mais tarde.

Crimes de Autor é um 'polar', como dizem os franceses - um policial. Mas talvez não se deva defini-lo somente assim, porque tem momentos de romance, de comédia, de musical. Lelouch adora a mélange (mistura) de gêneros. Deve ser um de seus problemas com os críticos, ele acha - 'Eles não gostam.' Crimes de Autor começa como um flash-back. Fanny Ardant é esta famosa autora de best-sellers policiais que está sendo acusada de haver matado seu 'ghost writer', o cara que realmente escrevia seus livros. A trama dá muitas reviravoltas, é cheia de pistas falsas. 'Foi um dos roteiros mais trabalhosos que escrevi', admite o diretor. Crimes de Autor começou a ser gestado há 15 anos, quando Lelouch teve a primeira idéia. Ele a maturou durante muito tempo. A feitura do filme, propriamente dita, foi rápida - um ano para tudo, roteiro (o período mais longo), realização e montagem.

Quase 50 anos de carreira, 41 filmes, muitos prêmios. O que Lelouch aprendeu sobre a vida neste período? 'Aprendi que a vida é feita de alegrias e tristezas, de bons e maus momentos, e que se deve simplificar as coisas complicadas.' Ele está falando da vida, mas está dando uma definição de cinema - o seu cinema. 'Cada um desses 41 filmes me dá a impressão de haver sido o primeiro. Fazer um filme é como ir à escola. Aprendo sempre. Sou o contrário de um intelectual, que ama complicar as coisas simples.' Desde que fez Um Homem, Uma Mulher, ele acredita em milagres. 'O próprio filme foi um milagre. Fiz sem dinheiro, em condições precárias, apoiado no entusiasmo da equipe. Além dos prêmios que recebeu, Um Homem, Uma Mulher estourou em todo o mundo.' Quando terminaram a filmagem do original, os atores Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée e ele combinaram - se estivessem vivos dali a 20 anos, voltariam aos personagens, para saber o que havia ocorrido com eles.' Em 1986, fizeram Um Homem, Uma Mulher - 20 Anos Depois, mas a repercussão, desta vez, foi mínima.

O amor é o tema dominante da obra de Claude Chabrol, mas ele fez filmes como Retratos da Vida, que cobrem décadas da vida de seus personagens, atravessando a guerra. 'Foi um filme que fiz inspirado nas histórias que meus pais me contavam sobre a Resistência. Em todos os meus filmes, falo sempre de pessoas que conheci, ou com quem cruzei', confessa. Por que o 'polar'? 'Porque é um gênero muito rico e popular. Porque a idéia do crime perfeito é atraente. Quem nunca pensou em matar alguém?' Sobre crime perfeito, ele acrescenta - 'O maior serial killer de todos é Deus, que vive cometendo o crime perfeito.'

A partir do chabadá romântico de Um Homem, Uma Mulher, a música é sempre importante no cinema de Lelouch. 'Trato-a como se fosse uma personagem', ele explica. Quase sempre a música é composta antes e ele já trabalha as cenas com os atores tendo a música de fundo. Por que Gilbert Bécaud em Crimes de Autor? 'Porque é um dos grandes da música francesa e, infelizmente, está um pouco esquecido.' Crimes de Autor repete, no fim, até certo, a mais bela cena do cinema de Lelouch. No desfecho de Viver por Viver, de 1967, Annie Girardot espera a chegada de um avião. Ela não sabe se Yves Montand virá nele. O que se passa no rosto da atriz é algo notável. Annie, a Nádia de Rocco e Seus Irmãos, é uma grande atriz, mas Lelouch fez sua parte - ele nunca lhe disse se Montand desceria ou não daquele avião. Brincar de Deus, jogando com as emoções humanas (e dos atores), também é uma das atribuições do diretor. Ah, sim. Por que ele escolheu Fanny Ardant para Crimes de Autor? 'Porque precisava de uma atriz carismática para fazer uma mulher que não é simpática.'