domingo, 14 de outubro de 2007

Chávez cria

Fonte: Jornal Folha de São Paulo

14/10/07

Chávez cria Hollywood bolivariana para promover revolução

Primeiro filme rodado no pólo cinematográfico criado pelo presidente venezuelano narra saga de herói da independência"Miranda Regressa" teve orçamento de US$ 2,3 mi e première de gala; outros 19 projetos estão em produção ou acabam de ser concluídos

Howard Yanes-11.out.2007/Associated Press

A première de "Miranda Regressa", que teve Chávez e o equatoriano Rafael Correa na platéia

FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS

O slogan da Fundação Villa del Cine anuncia sem pudores: "Luzes, câmera, revolução". Criado pelo presidente Hugo Chávez para combater "a ditadura de Hollywood", o estúdio de cinema estatal venezuelano enfrenta neste fim de semana a sua primeira grande batalha, com a estréia da superprodução "Miranda Regressa".O ambicioso longa sobre a vida do herói da independência Francisco de Miranda (1750-1816) é a primeira das 19 produções recém-concluídas ou em andamento da Villa del Cine a estrear em circuito comercial. Com 140 minutos de duração e orçamento de US$ 2,32 milhões, o filme foi rodado na Venezuela, em Cuba e na República Tcheca e conta com uma pequena participação do astro norte-americano Danny Glover, um fã declarado de Chávez.A maior parte parte das filmagens foi realizada na própria sede da fundação, que mantém um complexo com dois estúdios na cidade de Guarenas, na Grande Caracas. Trabalham ali cerca de 1.500 pessoas, quase todas de cooperativas vizinhas, responsáveis por áreas como figurino e carpintaria."A Villa preenche um espaço que ninguém ocupava", disse à Folha o diretor de "Miranda Regressa", Luis Alberto Lamata, considerado um dos mais importantes do país. "O cinema venezuelano tem sido feito por nós, cineastas, em alguns casos com o apoio de outras instituições do Estado ou com o dinheiro que se conseguir. A Villa possibilita que se faça um trabalho por encargo."Mesmo antes de sua estréia nas telas, a Villa, inaugurada no ano passado, tem atraído várias personalidades interessadas na experiência chavista. Já visitaram os estúdios os atores hollywoodianos Kevin Spacey e Sean Penn, além de Glover, que planeja desenvolver ali um controvertido projeto de US$ 18 milhões -prometidos a ele por Chávez- para filmar a história da independência haitiana.Para a première, o local escolhido foi o Teatro da Academia Militar. Diante de uma platéia que misturava atrizes com decotes ousados, dezenas de cadetes uniformizados, jornalistas, entre os quais a reportagem da Folha, e o colega equatoriano, Rafael Correa, Chávez defendeu o cinema estatal."Não há revolução sem cultura se não retomamos nossos valores, se não dizemos basta aos antivalores, ao veneno imperial. Começamos a resgatar esses valores, usando a mina interminável de nossa história", discursou antes da projeção, na quinta-feira à noite.Levando em conta a pouca tradição cinematográfica venezuelana, a qualidade técnica do filme surpreende. Mas a trama é desconexa e se resume a mostrar, de forma laudatória, vários episódios da rica trajetória de Miranda -ele também lutou na Revolução Francesa e na independência americana."É uma cátedra de história com pouquíssima paixão, um olhar de longe e de baixo. Miranda está no pedestal", diz Robert Gómez, editor de cultura do jornal "El Universal". Ele aposta que o filme não cativará o público venezuelano.Além de "Miranda Regressa", a Villa deve terminar nos próximos meses pelo menos outros seis longas, entre os quais "Bambi C-4", sobre o terrorista cubano Luis Posada Carriles, que vive em liberdade nos EUA apesar do pedido venezuelano de extradição.Para que a empreitada nas telas tenha êxito, o governo Chávez criou ainda a empresa distribuidora Amazonia Films e está construindo uma rede de cinemas estatais em regiões do país onde não existem salas.