segunda-feira, 5 de maio de 2008

Revel@dos pela web

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br
Acesso em: 05/05/08

A rede se tornou um poderoso instrumento para artistas se lançarem e olheiros encontrarem novos talentos

CARINA RABELO

PRECOCE Mallu Magalhães, 15 anos, estourou com apenas quatro canções no MySpace, em dezembro do ano passado. Em três meses, já recebia propostas de gravadoras e convites para shows. Foi um dos sucessos da Virada Cultural, em São Paulo, em abril

Ela só precisou de um violão para ficar famosa. Depois de colocar sua primeira música no site MySpace, composta por ela e gravada na sua própria casa em dezembro do ano passado, Mallu Magalhães se tornou uma referência no cenário nacional de rock alternativo. Em apenas três meses, a garota de 15 anos e quatro canções já estava na agenda de festivais de música independente de São Paulo, Brasília, Porto Alegre e Rio de Janeiro. Desde então, não pára de receber ligações de gravadoras que batalham contratos de exclusividade. Na última semana de abril, a jovem consolidou seu sucesso repentino. Mallu foi uma das atrações da Virada Cultural, festival gratuito anual na capital paulista, que reuniu 3,5 milhões de pessoas neste ano. “É maravilhoso poder cantar para uma multidão a céu aberto”, diz a menina, de voz doce e atitude madura, que desde os cinco anos ouve Beatles e Led Zeppelin, tocados no violão ou assobiados pelo seu pai, um engenheiro apaixonado por música. “Meus pais me apóiam muito e entendem que às vezes preciso faltar às aulas para ensaiar”, diz Mallu, que passa cerca de seis horas por dia nas lojas à procura de CDs raros e, no resto do tempo livre, pesquisa na internet sobre artistas de canções folk.

Histórias semelhantes à de Mallu pipocam pelo Brasil. Nem em seus mais distantes sonhos a paulista Laura Neiva, 14 anos, que nunca fez aulas de teatro, imaginava receber um papel importante no filme À deriva, de Heitor Dhalia, diretor do longa O cheiro do ralo. Através de uma despretensiosa página no Orkut, a menina foi localizada pela equipe de produção do filme em setembro do ano passado e convidada para testes. “Achei uma loucura. Como alguém podia achar que eu aceitaria um convite feito pela internet?”, conta a garota. Numa coincidência do destino, uma das suas amigas conhecia um professor de teatro que reconheceu a pessoa que deixou o recado no Orkut. Três meses depois, Laura aceitou o convite. Após três dias de oficina de teatro, ela esbanjou talento e ganhou o papel de filha da atriz Débora Bloch com o ator francês Vincent Cassel. “Ela superou as nossas expectativas. Procurávamos apenas uma menina bonita, desconhecida do público. Achamos mais do que isso. Uma futura grande atriz”, garante Chico Acioly, preparador de elenco do filme.

REVELAÇÃO Laura Neiva, 14 anos, foi descoberta no Orkut pelos produtores do filme À deriva, de Heitor Dhalia. Após três dias de oficina de interpretação, a garota, que nunca estudou teatro, ganhou o papel de filha de Débora Bloch e do ator francês Vincent Cassel na produção

A indústria cultural precisa se reciclar e apresentar “caras novas” ao mercado todos os anos, o que fomenta uma rede de “olheiros” (caçadores de talentos), ávidos por novas possibilidades de investimento. São profissionais que navegam diariamente por sites, blogs, fotologs e comunidades em busca de artistas desconhecidos. “A gente está sempre de olho no que rola pela internet, e usa como critério o que é bem feito e o que pode render um retorno do público”, afirma Luiz Pimentel, gerente de conteúdo do MySpace Brasil. A internet, vista no passado como uma ameaça às gravadoras, se tornou parceira das empresas. “A rede virtual facilita a divulgação de produtos e o encontro de novos talentos, além de democratizar a comunicação com o público”, opina Marcelo Soares, diretor de novos negócios da Som Livre.

Com a rede, a resposta do mercado é rápida e pode surpreender até mesmo os mais talentosos. Fechar contratos com grandes empresas e fornecer conteúdos para sites de marcas consolidadas não estava nos planos de André Czarnobai, 28 anos, quando ele estudava jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Durante uma greve da faculdade em 1997, ele decidiu se comunicar com os amigos via e-mail através de um tipo de publicação informal de baixo custo, conhecida entre jornalistas como fanzine. Os textos agradaram tanto que, em quatro meses, André e oito colaboradores transformaram o fanzine na revista eletrônica Cardosonline, em homenagem ao apelido que o autor tinha na faculdade. Em 2001, a revista tinha cinco mil assinantes e mais de 300 colaboradores. Em 2002, o jovem inquieto descobriu o mundo dos blogs e, desde então, percebeu que as suas idéias poderiam render bons contratos.

O sucesso dos seus textos humorísticos, que mesclam ficção e realidade em narrativas literárias, levou uma editora gaúcha a propor a compilação dos contos num livro. Em 2005, foi publicada a obra Tavernas e concubinas, que levou Czarnobai a fechar parcerias com agências de publicidade no Brasil, México, na Colômbia e Argentina. Há um mês produziu um documentário para a GNT, presta “consultoria criativa” para o mercado audiovisual e já prepara um novo blog. “Sempre procurei fazer tudo por conta própria em vias alternativas, sem esperar que as coisas aconteçam”, comenta. Com tantos bons exemplos de sucesso e possibilidades no mercado, cabe aos novos artistas usar, e abusar, da internet. É de graça e funciona.

A fotografia no banco dos réus

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br
Acesso em: 05/05/08

Imagens que causaram polêmica dentro e fora dos tribunais levam a pensar sobre os limites éticos da criação

NATÁLIA RANGEL

OUSADIA O Vaticano criticou essa publicidade da Benetton, em 1992. Ela foi retirada de outdoors na Itália e na França. A grife temeu o desgaste de sua imagem

A atriz americana Brooke Shields tinha 27 anos quando a tradicional Christie’s de Nova York realizou um dos mais polêmicos leilões de sua história. O mundo estava às vésperas do ano 2000. Embora a atriz tivesse lutado na Justiça para retirar desse leilão uma foto dela que fora feita quando tinha dez anos e na qual aparece nua numa banheira e com ares de ninfeta, a sua imagem estava lá, à disposição de quem tivesse dinheiro, na verdade muito dinheiro, para arrematá-la. Foi vendida por US$ 151 mil. Esse caso, até por envolver a fama de quem envolvia, trouxe à tona a discussão sobre a tênue fronteira entre a fotografia como arte e a fotografia como pornografia, como sensacionalismo a serviço de interesses publicitários ou mero atalho arrivista seguido por alguns fotógrafos. Brooke Shields, que ficou famosa pelo filme A lagoa azul, queria de volta a imagem registrada pelo americano Garry Gross para um ensaio intitulado The Woman in a child (A mulher numa criança). Ela perdeu a briga porque os juízes da Suprema Corte dos EUA julgaram não existir apelo erótico ou invasão de intimidade no referido retrato. Essa imagem, que correu o mundo, é apenas uma entre as tantas e polêmicas fotos que estão reunidas na exposição Controvérsias, uma história legal e ética da fotografia, no Museu d’Elysée, na cidade suíça de Lausanne. A mostra se compõe de retratos históricos, alguns proibidos pela Justiça, alguns execrados pelo público, outros que serviram de prova crucial em julgamentos – criando até jurisprudência sobre o direito autoral da imagem.

MORTE Em 1985 os bombeiros não conseguiram resgatar a menina Omayra Sanchez. O fotógrafo Frank Fournier registrou durante três dias a sua terrível agonia

Há cenas desumanas o bastante para chocar o mundo e abalar governos, como o retrato que mostra oficiais americanos torturando prisioneiros em Abu Ghraib, no Iraque, em 2004 – a divulgação do registro anônimo pela rede CBS abalou a credibilidade do presidente dos EUA, George W. Bush. A foto, provavelmente, foi feita por um desvairado e cruel soldado americano para mostrar a superioridade de seu país. Foi parar na CBS. Nas mãos da imprensa a sua função mudou: passou a ser uma arma ética para denunciar a barbárie. Uma das fotografias que mais despertam atenção na atual exposição, no entanto, remonta a 1985. Trata-se da imagem da menina colombiana Omayra Sanchez, que ficou presa a escombros durante três dias após a erupção do vulcão Nevado del Ruiz. Morreu sem que os bombeiros conseguissem resgatá-la. A sua agonia foi registrada pelas lentes de Frank Fournier.

Às vezes condenada, às vezes absolvida, o fato é que a fotografia é colocada freqüentemente no banco dos réus – mas também, em contrapartida, levou muita gente a sentar nele. É o caso, por exemplo do consagrado pintor francês Gustave Courbet. Em 1871, ele foi preso e acusado de integrar um grupo de subversivos que jogara ao chão a estátua de Vendôme, símbolo do império francês. A única prova apresentada contra Courbet foi justamente uma foto de Bruno Braquehais que registra o momento em que curiosos observam a estátua caída – e Courbet é justamente um desses curiosos que aparecem na foto. Num outro processo judicial, nos EUA e uma década depois, a fotografia ganhou por decisão da Corte o status de obra de arte – e os fotógrafos passaram a ter direitos autorais sobre a imagem. A conquista foi resultado da ação movida por Napoleón Sarony contra uma empresa que usou numa propaganda, sem sua prévia autorização, um retrato que ele fizera do escritor irlandês Oscar Wilde.

NINFETA Brooke Shields foi fotografada por Garry Gross aos dez anos. Contra sua vontade, essa foto foi leiloada por US$ 151 mil quase duas décadas depois

Em 1992, também a publicidade protagonizou uma polêmica numa campanha criada pelo italiano Oliviero Toscani para a marca Benetton. A imagem de uma freira e de um padre se beijando na boca foi duramente criticada pelo Vaticano e acabou sendo retirada da televisão e de outdoors da França e da Itália – a própria Benetton optou por não correr o risco de um eventual desgaste de sua imagem. Ainda na galeria das obras consideradas sacrílegas pelos católicos está Piss-Christ, de Andrés Serrano, que enquadra um crucifixo mergulhado na urina do artista – na verdade, pouco há de sacrilégio. O que se vê é quanto a sua criação é de péssimo gosto e ele, alguém disposto a criar barulho apenas para se promover. Isso, é claro, sempre recai no campo da subjetividade, porque qualquer artista tem direito à liberdade de expressão. Para o curador da exposição agora em cartaz na Suíça, Daniel Girardin, o seu objetivo não é provocar e reviver antigas polêmicas, mas deixar claro que a tolerância da sociedade se transforma com o passar do tempo. A própria mostra, que levou quatro anos para ser organizada e reúne fotos de diversos países, é prova disso.