sábado, 23 de agosto de 2008

Esclarecimentos

Oi pessoal!
Deixei de ser bolsista do Ministério Público de Santa Catarina, então conseqüentemente não faço mais clipping de notícias. Não tive mais a oportunidade de manter uma rotina de leitura para continuar a publicação de notícias relacionadas a cinema. Porém, assim que for possível, tentarei criar uma nova rotina adaptada ao meu novo ritmo de trabalho e estudo e voltarei a fazer publicações neste blog.
Então até breve! =)

segunda-feira, 9 de junho de 2008

Como o seriado Sex and the City inventou a mulher moderna

Fonte: Revista Época - 09/06/08
Por que uma geração inteira se identifica com as personagens da série de TV e do filme que está batendo recordes de bilheteria

Martha Mendonça e Marianne Piemonte

ÍCONE Carrie (Parker) desvia pescoços femininos em uma cena de Sex and the City. As protagonistas da série viraram referência

Quatro mulheres tagarelas, instáveis, complicadas, consumistas destronaram um dos maiores heróis da história do cinema. Desde que estreou nos Estados Unidos, há pouco mais de uma semana, Sex and the City, o longa-metragem inspirado na série de TV de mesmo nome, multiplica sua bilheteria, ofuscando até Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal, a aguardada volta às telas do personagem encarnado por Harrison Ford. A distribuidora Warner previa arrecadar US$ 35 milhões com Sex and the City no primeiro fim de semana nos cinemas americanos. Foram US$ 55 milhões – que geraram o inevitável tititi sobre um novo filme. Na televisão, mesmo quatro anos depois da última temporada da série, as reprises dos episódios continuam a atrair 2,5 milhões de telespectadores a cada exibição. Em Nova York, as lojas e os restaurantes que servem de cenário para os episódios são temas de passeios turísticos de agências. No Brasil, a estréia de Sex and the City estava programada para a sexta-feira 6 de junho e também se espera uma bilheteria recorde. Por que, uma década depois de criada, Sex and the City ainda é um fenômeno? Provavelmente por ter sido a primeira, e ainda a única, série que mostra como as mulheres são – ou pelo menos como elas se vêem e gostariam de ser. Nunca antes a mulher de mais de 30 anos, cosmopolita e de classe média, fora retratada com tamanha fidelidade em suas conquistas e contradições. Todas as vezes que Carrie, Samantha, Miranda e Charlotte, o quarteto fantástico de Manhattan, sentavam-se num bar e pediam um Cosmopolitan – coquetel à base de vodca e suco de cranberry, uma espécie de amora –, milhares de mulheres no mundo reconheciam a si mesmas ou a alguma amiga, prima ou vizinha. Que mulher desta geração não se viu, em alguma fase da vida, questionadora como Carrie, romântica como Charlotte, sarcástica como Miranda ou caçadora como Samantha? Carrie, Charlotte, Miranda e Samantha viraram ícones num momento em que as mulheres buscavam novas referências, passada a época da dedicação à família e a revolução dos sutiãs queimados. Nem tanto o fogão, nem tanto a selva do mercado. Daí a paixão sem fim por personagens que, ao mesmo tempo, pagam as próprias contas, correm atrás do amor e não sentem culpa por gastar uma fortuna num par de sapatos. “Essa é uma geração de mulheres que querem viver suas próprias fantasias. Solteiras, namorando ou casadas, querem ser donas de suas próprias vidas. Querem amar os homens que escolherem e comprar as roupas que quiserem”, afirma a sexóloga Pepper Schwarz, da Universidade de Washington, em Seattle. “As protagonistas de Sex and the City são ícones de um pós-feminismo que acreditam que os direitos da mulher já estão garantidos e que é hora de ir atrás dos sonhos individuais”, diz Márcia Messa, mestre em Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

Abaixo a elite negra

Fonte: Revista Veja - 09/06/08
A novela A Favorita prefere denunciar a luta de classesa ser politicamente correta com os negros
Marcelo Marthe

Taís e Gonçalves: garota mimada e deputado corrupto

Para o noveleiro João Emanuel Carneiro, Taís Araújo é mais que uma bela atriz – é o seu pé de coelho. Ela teve papéis de destaque nos dois folhetins de sucesso das 7 que ele escreveu. E, desde a semana passada, isso se repete em A Favorita, que alça Carneiro, de 38 anos, ao grupo seleto de autores aos quais a Globo confia as tramas das 8. É de novo por meio de Taís que ele retoma um expediente que já se tornou sua marca: a escalação de atores negros para papéis que fogem às convenções. Em Da Cor do Pecado (2004), transformou-a na primeira protagonista negra de uma novela da emissora. Depois, em Cobras & Lagartos (2006), na megera que vivia às turras com o malandro interpretado por Lázaro Ramos. A Alícia de A Favorita integra uma família negra politicamente incorreta. O patriarca Romildo Rosa (Milton Gonçalves) é um deputado corrupto em busca do terceiro mandato (qualquer eco de Brasília é coincidência). Com sua franja em estilo lambida de vaca, a filha mimada é a pedra em seu sapato. A artista plástica Alícia chama o pai de ladrão e desdenha de seu populismo (Romildo posa de "cavaleiro do povo" por ter passado fome). Ela chantageia o pai para obter dinheiro público para suas exposições, sob a ameaça de divulgar fitas que o envolveriam em obras superfaturadas. O clã se completa com o irmão Diduzinho (Fabrício Boliveira), um bêbado que o deputado quer transformar em político.
Nas novelas de Carneiro, a cor da pele é um detalhe que não impede ninguém de ser rico ou safado. O núcleo negro não está ali em nome da "afirmação racial", e sim como parte de uma certa comédia da luta de classes que atravessa A Favorita. Ela fica mais explícita no embate entre o milionário Gonçalo (Mauro Mendonça), ex-operário esquerdista que virou patrão, e o patético Copola (Tarcísio Meira), líder sindical que não se desapega do discurso da "revolução do proletariado". Gonçalo ironiza o fato de a neta Lara (Mariana Ximenes) ser de esquerda (a moça recita chavões do tipo: "Não compactuo com a exploração do homem pelo homem"). Já Copola ficou com a pulga atrás da orelha ao saber que o neto Cassiano (Thiago Rodrigues), também operário e namorado de Lara, se esbaldaria no aniversário dela, na mansão do desafeto.

Nos primeiros capítulos de A Favorita, Carneiro empreendeu um retorno às raízes do melodrama. Em vez de investir em seqüências de ação e pirotecnia como as que se viam nas últimas novelas das 8, valeu-se de uma narrativa sóbria e um elenco enxuto. Preferiu inovar nos detalhes, a exemplo do núcleo negro. Com efeito: a cena mais marcante do primeiro capítulo foi o strip-tease da personagem de Taís Araújo num comício do pai. A julgar pelos índices do Ibope, o noveleiro vai precisar de outro pé de coelho. A média de estréia de A Favorita, de 35 pontos, foi a pior de que se tem registro nas novelas das 8.

Tudor diet

Fonte: Revista Veja - 09/06/08

Maria Bolena foi amante de Henrique VIII antes de suairmã Ana. Mas A Outra tira o sal dessa história suculenta

Isabela Boscov

Durante os 118 anos da dinastia Tudor, entre 1485 e 1603, a Inglaterra passou de um reino instável, sempre acossado pelos interesses ora da França, ora da Espanha, a uma superpotência: o País de Gales foi incorporado à sua estrutura administrativa, a Irlanda foi pacificada, o inglês se tornou a língua nacional de fato, as artes floresceram, seu poder político se separou em definitivo da Igreja de Roma, o país se abriu às navegações e a riqueza se multiplicou, assim como sua influência esmagadora sobre o cenário global. Sob Henrique VIII e, em especial, sob sua filha, Elizabeth I, a Inglaterra se tornou, em suma, uma nação, e definiu muito do que até hoje constitui sua identidade. No que toca à ficção histórica, porém, esses feitos pouco interessam; para ela, o que distingue os Tudor é a sua capacidade inesgotável para a intriga.– tanto a política quanto a sexual, até porque poucas famílias reais misturaram sexo e poder de forma tão intensa e criativa. Por causa dessa imagem, Henrique VIII e Elizabeth I são disparado os reis preferidos para fins de entretenimento; e por causa dela também os roteiristas se sentem autorizados a perpetrar bobagens como A Outra (The Other Boleyn Girl, Inglaterra/Estados Unidos, 2008), que estréia nesta sexta-feira no país.

A outra, no caso, é Maria Bolena, irmã pouco mais nova da notória Ana Bolena – a cortesã por quem Henrique VIII se divorciou da rainha Catarina de Aragão e rompeu com o papa. Maria passou antes de Ana pela cama do rei e é possível que tenha tido dele um filho, que não ganhou o sobrenome Fitzroy dado aos bastardos reconhecidos pelo rei porque, a essa altura, a campanha para tornar Ana Bolena rainha andava a toda – e até para os padrões de rotatividade de Henrique VIII pegaria mal assumir um filho da irmã de sua noiva. A história mostraria que Maria teve sorte: após alguns anos de casamento, Henrique VIII se cansou de Ana e executou a ela e a seu irmão, George, com uma acusação estapafúrdia de incesto. A caçula só escapou ilesa da perseguição por estar já casada de novo, em obscuridade e sem favor na corte.

Reunindo o pouco que se sabe de Maria ao muito que é conhecido sobre Ana e adicionando à mistura alguma imaginação fundamentada, a escritora Philippa Gregory fez de A Irmã de Ana Bolena um romance repleto de detalhes saborosos sobre os costumes do período e escrito em uma prosa que não ofende. Acima de tudo, o livro (lançado aqui pela Record) contém fartas doses de maquinação – o esporte por excelência das cortes – e de ambição nua. Tudo o que a autora urdiu, o roteirista Peter Morgan, de A Outra, desmancha em sua adaptação. As Bolena juntaram seu destino ao do rei dentro de um quadro épico de disputa pelo poder; no filme, tudo se resume a uma rivalidade entre irmãs. Vá lá, que irmãs: juntas, a loira Scarlett Johansson, como Maria, e a morena Natalie Portman, como Ana, atendem à provável totalidade dos sonhos de consumo do público masculino (Eric Bana, como o ainda atlético e atraente Henrique VIII, faz as honras junto à platéia feminina). Não que Morgan aproveite a contento o potencial desse trio – a série de televisão Os Tudor é muito mais picante –, ou a crueza das intrigas que Philippa desenha em seu livro. Quando escreveu A Rainha, com Helen Mirren no papel de Elizabeth II, Peter Morgan não economizou na ferocidade; para A Outra, ele achou que beleza e suspiros já dariam conta do recado. Os Tudor, porém, foram mais

Um desfile de vaidades

A futilidade e o glamour do mundo fashion chegamàs telas com o filme O diabo veste Prada
Por Luciana Franca

Cenas: a editora Miranda Priestly (Meryl Streep) num modelito exclusivo(à esq.) e sua assistente Andrea (Anne Hathaway) em suas tarefas. Nocentro, passeando com o cachorro da chefe e, à direita, cuidando dos trajes

Roupas estonteantes de alguns milhares de dólares ganhas. Estilistas internacionalmente famosos falando freneticamente ao celular. Uma assistente, claro que não poderia faltar uma competente e ágil assistente, providenciando para a chefe um jatinho no meio da noite e exigindo as provas de impressão da nova aventura de Harry Potter para que suas filhas leiam no avião antes de o livro chegar às livrarias. Tudo isso que cerca a poderosa editora de moda do filme O diabo veste Prada, em cartaz nacional na sexta-feira 22, parece ficção hollywoodiana. Mas é pura realidade – e quem freqüenta o mundo da moda sabe que aquilo que é mostrado nessa deliciosa comédia dramática de David Frankel (baseada no best-seller homônimo de Lauren Weisberg) acontece de verdade. “Gosto da história porque retrata a indústria da moda com verdade. Rola tudo aquilo mesmo”, diz Erika Palomino, editora de moda do site que leva seu nome e da revista Key. Não é para menos. Ao longo de um ano, Lauren foi assistente de Anna Wintour, a temida e rigorosa editora de moda da revista Vogue americana. A experiência serviu como base para descrever no filme a autoritária Miranda Priestly (interpretada com elegância e ironia pela atriz Meryl Streep), editora da fictícia revista Runaway, e sua assistente Andrea Sachs (vivida por Anne Hathaway). Lauren não assume com todas as letras que buscou inspiração na ex-chefe. Mas a consultora de moda Emanuela Carvalho, que trabalhou como estagiária e assistente de moda da New York Magazine, confirma que vaidade e futilidade são como linha e agulha no chamado mundo fashion – ou seja, companheiras inseparáveis. “Nós, que vivemos nesse meio da moda, conhecemos muitas histórias sobre Anna Wintour. O livro certamente foi inspirado nela.”
Entre algumas demonstrações de arrogância, a diretora da Vogue sempre exibiu, por exemplo, a idiossincrasia de trancar vestidos exclusivos e outras peças de uma estação do ano no departamento de arquivo da revista para que nenhuma concorrente pudesse fotografá-los. “Lembro que no meio de uma sessão de fotos faltava um par de botas de pele pink do estilista Manolo Blahnik. Minha diretora, Jade Hobson, pegou o telefone e teve de implorar para Anna liberar o calçado”, diz Emanuela. Deixar as salas de desfiles da concorrida semana de moda em Paris porque as apresentações estavam alguns minutos atrasadas é um comportamento até que aceitável para alguém na posição de Anna Wintour. Mas ela chegava ao extremo de proibir que as pessoas olhassem em sua direção quando dividia com elas o mesmo elevador. Detalhe: a editora de moda de O diabo veste Prada tem o mesmo comportamento.
Os chiliques e as crises de autoritarismo de Meryl Streep, que não se cansa de repetir que na vida real a sua cabeça é ocupada “com coisas mais interessantes e mais úteis que os trajes que estão no guarda-roupa”, divertem o público masculino. Já o corte impecável dos modelos que veste e a classe com que os desfila causam suspiros (e, vá lá, uma ponta de inveja) na platéia feminina. São os fabulosos figurinos usados tanto por ela quanto pela sua assistente que roubam a cena do filme – e mais uma vez, também nisso, o frufru do filme empata com o da vida real. A garota comum se contamina com o novo universo e começa a usar as grifes caras tiradas do guarda-roupa da Runaway. A consultora Emanuela endossa: “O que me salvava na época em que trabalhava em Nova York eram os bazares que as grifes promoviam para a imprensa. Comprei bolsa Fendi e carteira Dolce & Gabbana por US$ 50. Era uma forma de andar chique, já que o salário era pouco.” E, nesse campo, o chique, seja ele o que for, é tudo. “Moda é glamour. E o glamour é o que move e excita esse mundo”, diz ela.

Sua vida no DVD

Fonte: Revista Isto é - 09/06/08
Virou mania presentear os amigos com produções para fazer chorar

Por Celina Côrtes

Imagine ser surpreendido na festa de aniversário com um pequeno documentário que percorra algumas de suas melhores lembranças, ao som de músicas definitivas em sua vida, pontuado por depoimentos das pessoas mais queridas! Esse pacote de fortes emoções está turbinando empresas que colhem os resultados da popularização dos gravadores de DVDs. As produções seguem um padrão televisivo, do tipo “esta é a sua vida”. E viraram o sonho de consumo da garotada aos mais velhos. “De um ano para cá, nossa demanda cresceu muito. Fazíamos dez gravações mensais, hoje fazemos 30”, contabiliza Ricardo Langer, um dos sócios da Vídeo Shack Laboratório, uma ex-locadora de vídeos em Ipanema, na zona sul do Rio.

DEMANDA Langer viu triplicar em um ano o pedido de gravações por mês

O trabalho é até simples. Requer computadores e uma ilha de edição, que pode ser pilotada por uma única pessoa. Solicitações de DVDs desse gênero costumam ser feitas por parentes e amigos. Os mais organizados já chegam com o acervo de imagens escolhido e basta um dia para concluir a produção. Mas há clientes que nem sequer sabem o que querem e ainda dependem do laboratório para produzir depoimentos, o que soma mais dois ou três dias de dedicação. Garimpadas as cenas, os produtores abusam de recursos de animação proporcionados pela tecnologia. Em alguns casos, os DVDs provocam cascatas de lágrimas. “Foi muito emocionante ouvir minha irmã dizer eu te amo, coisa que ela não tem coragem de falar ao vivo”, comenta Fernanda Spyer, que recebeu um belo flash-back de sua trajetória quando fez 18 anos.

Mas nem sempre as empresas têm tanto trabalho. Na carioca Supervídeo Produtora, outra antiga locadora de Ipanema, muita gente traz o serviço quase completo, deixando apenas a edição final sob o cuidado dos especialistas. São pessoas que dominam softwares de vídeos e outros programas de computador para incrementar o DVD. Algumas delas também estão se arriscando no novo segmento. A programadora visual Heloisa Pinheiro, 47 anos, e a arquiteta Márcia Dal Poz, 50, já pensam em profissionalizar a atividade que começou como brincadeira. “É fácil e delicioso fazer”, resume Heloisa. O resultado tem um sabor de eternidade até para o mais comum dos mortais.

Tico-tico no fubá

Fonte: Revista Isto é - 09/06/08
Vida de Carmen Miranda vira motivo de disputa

Por Celina Côrtes

"Taí, eu fiz tudo pra você gostar de mim/ Oh meu bem não faz assim comigo, não/ Você tem, você tem que me dar seu coração." A marchinha de Joubert de Carvalho, um dos maiores sucessos de Carmen Miranda, retrata bem o temperamento generoso da Pequena Notável, que do alto de seu 1,53 m nunca mediu esforços para agradar ao público e aos amigos que a cercavam. Passados 51 anos de sua morte, o uso de sua imagem motiva uma disputa judicial injusta com um dos maiores mitos nacionais. A briga envolve os herdeiros, a ex-mulher de Caetano Veloso, Paula Lavigne, o escritor Ruy Castro e o diretor de cinema Aníbal Massaini Neto.
Em 1998, a produtora Rio Vermelho arrematou por US$ 200 mil (cerca deR$ 400 mil) os direitos sobre a imagem de Carmen Miranda. Era um dos projetos mais ambiciosos das sócias Paula Lavigne e Renata de Almeida Magalhães,que planejavam fazer um filme. Acabaram envolvidas em um projeto da Rede Globo de lançar uma minissérie antes do centenário de Carmen, que se completa em fevereiro de 2009.

Quase ao mesmo tempo, Massaini, diretor do documentário Pelé eterno, ambicionava realizar um sonho de seu pai, Oswaldo, e levar Carmen às telas. Para isso, sondou seu colega Carlos Manga para dirigir uma produção sobre a artista. O veterano Manga, porém, abandonou a família Massaini e embarcou no projeto da minissérie da Globo, convidando, inclusive, a novelista Maria Adelaide Amaral para escrevê-la. “A idéia ficou só no desejo”, lamenta Massaini. O problema é que os dois projetos – o da Globo e o de Massaini – são alvo de processos movidos pela Copyrights Consultoria Ltda., representante dos herdeiros de Carmen, que temem pelo uso da imagem da artista.

Carlos Manga planeja minissérie
Paula Lavigne tem os direitos
Aníbal Massaini quer fazer filme
Ruy Castro se associou à Globo

“Em tese, a produtora (Rio Vermelho) não teria o direito de fazer o filme porque o contrato com eles termina este mês”, alega a advogada da Copyrights, Adriana Vendramini. O que se sabe é que só 10% do valor do contrato foi quitado. Mas a produtora acaba de obter o direito de pagar o restante da dívida em juízo. “Cumpro o que a Justiça determinar”, rebate Paula Lavigne. Outra envolvida é a empresa americana CMG Worldwild, com escritório no Rio. Entre as 300 celebridades cujos direitos de imagem estão sob seus cuidados estão Marilyn Monroe, James Dean e, claro, Carmen Miranda. Verdinhas à vista: “Há interesse dos estúdios americanos em fazer um filme sobre Carmen”, antecipa a diretora Kitty Monte Alto.

O escritor Ruy Castro, autor de biografias como a de Garrincha e a de Nelson Rodrigues, que vendeu no ano passado à Globo os direitos sobre seu livro Carmen: uma biografia – a vida de Carmen Miranda, a brasileira mais famosa do século XX, um calhamaço de 600 páginas, parece perdido diante de tanta polêmica. “Não há impasse, apenas um desencontro momentâneo”, acredita Castro. A Central Globo de Comunicação informa que os direitos do livro foram comprados por R$ 50 mil,“como os de várias outras obras”, mas alega que o projeto ainda está em estudos. Quem conheceu Carmen de perto fica triste diante desse quiproquó. “Ela foi muito especial, isso não tem nada a ver conosco”, suspira Carmen Guimarães, 70 anos, filha de Cecília, única dos seis irmãos ainda viva, com 92 anos.

Mitos da lição de casa

Fonte: Revista Isto é - 09/06/08
Excesso de tarefas e cobrança dospais durante o estudo são errosapontados por educadores

Por Lena Castellón

A cena é comum. Caderno aberto, livro num canto e a cara aborrecida. Não da criança, mas da mãe. Discutir por causa da letra é praxe. Assim como irritar-se devido à lentidão na execução dos exercícios ou desesperar-se porque o herdeiro não entende o que ela cansou de repetir. A lição de casa virou um tormento para muitos pais. Especialmente agora, quando os estudantes correm contra o tempo para evitar a recuperação. A “ameaça” faz aumentar a pressão da família, a cobrança por um bom desempenho e os insistentes pedidos para que o filho se dedique mais ao estudo. Tudo isso sem deixar de lado o capricho nas tarefas.

Mas acrescentar horas ao período dedicado às atividades não ajuda a criança. Nem travar batalhas com o filho por causa da lição. É o que demonstra uma série de pesquisas feitas nos Estados Unidos. Levantamento da Universidade de Michigan com 2.900 jovens americanos revelou que o tempo gasto com as tarefas aumentou 51% entre 1981 e 2004. Outro trabalho, conduzido na Duke University, mostrou que esse acréscimo não trouxe melhora na performance. O estudo apontou ainda que os estudantes do ensino fundamental que dedicaram de 60 a 90 minutos diários para os deveres e os alunos do ensino médio que cumpriram mais de duas horas na execução deles tiraram as notas mais baixas.

Por esses e outros achados, o educador Alfie Kohn, autor do livro The homework myth (O mito da lição de casa, em tradução livre), propõe uma nova forma de trataro assunto. Para ele, as crianças poderiam trocar os exercícios convencionaispor atividades mais envolventes, como entrevistar os parentes para conhecer a história da família.

No Brasil, embora a escola não seja integral como nos Estados Unidos, também há defensores de novos meios de lidar com o dever. Motivos não faltam. A tarefa, quando executada apenas por obrigação, não estimula a aprendizagem. Cumprida sob as broncas dos pais, traz uma percepção negativa: aos olhos do filho, lição vira sinônimo de chatice. Com isso, as oportunidades de treinar e captar conceitos se diluem. “Ver o jogo de empurra diante do conhecimento me entristece. Há professores que passam o dever de ensinar para os pais, que o devolvem para a escola. Os alunos refletem esse descompromisso e também querem delegar para alguém a lição, seja para os irmãos, seja para a internet”, declara Nilce da Silva, professora da Faculdade de Educação da USP.

Para a Ph.D. em educação infantil Fátima Guerra Sousa, da Universidade de Brasília, o ideal seria oferecer horário integral para os jovens. Mas já que isso é raro no País, cabe aos colégios discutir quando e como passar lição de casa. “Eu reduziria a tarefa. Em alguns lugares, ela é o atestado de que a escola não consegue trabalhar a aprendizagem na perspectiva do prazer e do envolvimento do aluno”, afirma. Nas suas palavras, se o interesse é despertado de outra forma, não é necessário passar tantos exercícios para a casa. O próprio estudante vai atrás de informações. Fátima acha importante distinguir os níveis de ensino e é contra pedir tarefas para menores de seis anos. “O aprendizado deles ocorre por meio de brincadeiras”, considera.

Na visão de Clélia Pastorello, educadora de São Paulo, escolas com projeto educacional sempre revêem a lição. Esse esforço deve ser feito. Afinal, em certas escolas, dificilmente a tarefa direciona a criança e o adolescente a aprender por si. Outro problema é que os pais não sabem como participar. “Interferir não é um mal, desde que o adulto se coloque ao lado para estimular, não para dar respostas”, ensina Clélia. Quando os pais começam a palpitar demais nos trabalhos, eles prejudicam o desenvolvimento da autonomia das crianças. “Muitas famílias ficam estressadas com o que julgam estar errado e acabam assumindo a responsabilidade pela tarefa”, comenta a neuropsicóloga infantil Ana Olmos. A dica, portanto, é não interferir demais e controlar a vontade de apagar a lição. Ana tem ainda uma sugestão para aliviar os dilemas cotidianos: criar um horário para que a lição seja feita no colégio. Com isso, a criança aproveitaria melhor o tempo em casa, com direito a brincar e sentir prazer entre os seus. Seria um aprendizado e tanto.

segunda-feira, 2 de junho de 2008

A nossa surpresa em Cannes

Fonte: Revista Época - 02/06/08

A atriz Sandra Corveloni arrebatou o júri do Festival e ganhou o segundo principal prêmio do cinema mundial logo na sua estréia

Rodrigo Turrer

"O prêmio me tirou da tristeza e da prostração"
Sandra Corveloni gastou a última semana explicando ao mundo quem é. “Minha rotina agora é dar entrevistas”, diz a atriz de 43 anos. Justificável. Afinal, a desconhecida Sandra embasbacou o mundo do cinema em Cannes ao desbancar as divas Juliane Moore e Angelina Jolie, arrebatar oito dos nove votos do júri e ser escolhida a melhor atriz do Festival por sua atuação em Linha de Passe, dos diretores Walter Salles e Daniela Thomas. De lá pra cá, ela trocou o relativamente pacato revezamento entre família, aulas de teatro que ministra e ensaios de peças, por uma média de dez entrevistas diárias. “Minha vida virou de cabeça pra baixo. Estou sempre pendurada no telefone.” O sinal das mudanças é visível. Sandra agora vive cercada por assessores, que monopolizam suas entrevistas e controlam seu tempo com rigor britânico. Também leva uma amiga a tiracolo, para ajudar com os celulares e relaxar de vez em quando, “porque ninguém é de ferro, né?!”. O espaço em branco nas folhas de sua agenda sumiu. Assim como sua voz, que de tanto falar com jornalistas ficou rouca. A transformação em celebridade instantânea ainda é recebida com estranhamento pelo marido, o professor de italiano Maurizio de Simone, com quem é casada há uma década, e pelo filho Orlando, de seis anos. “Ele não está entendendo nada, tadinho”, diz Sandra. Era com Orlando que ela brincava na sala da sua casa, na zona sul de São Paulo, “desligada do festival”, quando recebeu a ligação confirmando sua vitória. E dando início a vertiginosa caçada da imprensa por suas declarações. Tamanho assédio pode ser compreendido pelo ineditismo do feito de Sandra. Linha de Passe é sua estréia no cinema. Antes desse filme, ela havia trabalhado em meia dúzia de curtas experimentais. Seus vinte anos de carreira foram dedicados aos palcos. No papel de Cleuza, uma empregada doméstica moradora da periferia de São Paulo, grávida e mãe de quatro filhos que querem mudar de vida como jogadores de futebol, ela ganhou o principal prêmio cinematográfico do planeta depois do Oscar. É verdade que Cannes aposta em novatos - mas nem tanto. Sandra é uma das raras atrizes a emplacar com o troféu máximo do festival logo de cara. Nessa entrevista, ela fala sobre essa conquista, as dificuldades para se tornar atriz profissional, e como o prêmio a ajudou a sair de uma tristeza profunda por causa da perda de uma gravidez.
ÉPOCA - Como você soube que havia recebido o prêmio?
Sandra Corveloni - Eu sabia que, por volta de três horas da tarde, estava começando a cerimônia de premiação, e pensei em entrar em contato com a Daniela [Thomas, diretora do filme com Walter Salles], em Cannes. Mas não liguei. Comecei a brincar com o meu filho, fazer as minhas coisas, e estava desligada de Cannes quando tocou o telefone. Era a Ana Luiza, assessora de imprensa do Linha de Passe. Estava uma loucura, porque ela falava comigo, falava com o Walter, com todo mundo que estava do lado dela, uma baita confusão. Ela me deu parabéns e eu perguntava: “parabéns por quê?”. Em seguida, ela me disse que ligaria depois, de novo. Fui para internet procurar, e nada. Logo ela me ligou, e disse “confirmadíssimo! Você ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes”. Foi uma gritaria, uma choradeira. Meu filho não entendia nada, perguntou se minha peça tinha ganhado.
ÉPOCA - Você esperava ser escolhida quase por unanimidade como melhor atriz?
Sandra - Eu esperava um prêmio coletivo. Sempre torci por isso. Mas eu não esperava que a minha personagem arrebatasse o júri dessa maneira. Eu achei que o filme tinha potencial, poderia até ganhar como melhor filme. A história vai fundo na alma da família, na ausência de um pai, das oportunidades escassas, da violência, um tipo de realidade de muitas famílias brasileiras. E é um filme coletivo. Apesar de a Cleuza ser a única mulher, a mãe, ou como disse o Walter Salles, a coluna moral para onde os filhos sempre voltam, ela não é a protagonista. Por isso nunca passou pela minha cabeça que eu poderia ganhar.
ÉPOCA - O que significou pra você essa premiação?
Sandra - Olha... a ficha ainda não caiu. Claro que estou felicíssima, honradíssima. Abre uma janela enorme para mim. Mas está uma loucura, porque logo que soube da premiação começaram os telefonemas e as entrevistas. Minha vida virou de cabeça pra baixo. Eu tenho falado pelos cotovelos. Todo mundo quer saber como foi. E é normal. A gente tem de compartilhar mesmo.
ÉPOCA - Quais as principais mudanças que você sentiu na sua rotina?
Sandra - Minha rotina agora é dar entrevistas. Eu estou sempre pendurada no telefone. Em casa, eu não consigo. Tento manter um tempo para ficar com meu filho, fazer as coisas da escola com ele, mas está bem difícil. De domingo à tarde até agora tenho dado quase dez entrevistas por dia. Está impossível ficar com ele, conversar. Até pra comer, dormir, trocar de roupa está difícil.
ÉPOCA - E sua família?
Sandra - Meu filho Orlando, de seis anos, não está entendendo nada, tadinho. Aliás, outro dia na TV disseram que ele tinha cinco anos, e ele ficou bravo. Disse: “eles falaram que tenho cinco. Mas eu tenho seis. E meio” (risos).
ÉPOCA - Você é uma atriz de teatro consagrada, com mais de 20 anos de carreira, mas nunca teve tanta atenção da mídia como agora. Esse assédio, digamos, tardio, da imprensa a incomoda?
Sandra - Não. Acho supernatural que as pessoas queiram saber. É importante. Claro, a gente de teatro batalha pra conseguir matéria e tem dificuldade para sair em jornais e revistas. Mas, ao mesmo tempo, acho que estou divulgando o trabalho do teatro e dos atores, além do filme. É um trabalho que vai levar para o mundo inteiro uma realidade do cinema e do teatro brasileiro, porque no filme tem uma porção de gente de teatro.
ÉPOCA - Como foi passar do teatro para o cinema?
Sandra - Foi bem tranqüilo. Trabalhei muito com a Fátima Toledo [preparadora de elenco]. E o Walter e a Daniela sabiam exatamente o que queriam. Foi um processo profundo de trabalho, sem correria, sem pressa para ficar pronto. Então foi fácil. Claro, sou atriz de teatro, e um pouco exagerada por natureza. Então, no começo, eu sempre era alertada, “menos, Sandra, menos”. Mas depois foi natural, e não senti tanta diferença.
ÉPOCA - Por que você demorou para estrear no cinema?
Sandra - Eu já tinha feitos alguns testes antes. Mas sempre perdi oportunidades porque estava muito envolvida com o trabalho no teatro. Às vezes não dava para conciliar. Dessa vez a Denise Weinbberg [atriz], que está no filme, me indicou para fazer o teste. Eu fiz uma vez, eles gostaram, fiz outro... No total, fiz três testes com a preparadora de atores, e um teste para câmera. Eles aprofundaram os testes e gostaram. E eles também sabiam o que queriam, o que estavam procurando, o que ajudou muito.
ÉPOCA - No filme você interpreta uma mãe-coragem, uma mulher que vive na periferia e é mãe e pai de quatro garotos que sonham em mudar de vida como jogadores de futebol. Aquela paisagem da periferia não é totalmente estranha para você, certo?
Sandra - Não. Como já fiz teatro em muitos lugares de São Paulo, conheço bem a cidade. Não me assustou aquela periferia da Zona Leste, mesmo tendo ficado lá só uma semana. Participava de caravanas da prefeitura e já me apresentei em todos os lugares possíveis, fiz espetáculos itinerantes nos confins da Zona Sul à Zona Norte. Você passa por tudo. Conheço muito São Paulo e sabia como era.
ÉPOCA - Mas você também vem de uma família humilde, não?
Sandra - Sim. Nasci em Flórida Paulista, no interior de São Paulo, e vim para a capital [paulista] com cinco anos. Eu, meus pais, uma irmã e um irmão mais velhos. Meu pai era agricultor, tinha um sítio lá e as coisas estavam difíceis. Ele se cansou daquela vida e resolveu aproveitar um convite de uma tia minha, que prometeu ajudar e sabia de um trabalho pra ele, numa gráfica. Viemos morar em Pirituba. Mas, na minha infância, ali era bem mais tranqüilo. Pirituba parecia uma cidade do interior, todo mundo se conhecia, a gente ia a pé pra escola. Então, meu conhecimento da periferia é muito mais pelas minhas viagens por São Paulo.
ÉPOCA - E como você começou a estudar teatro?
Sandra - Queria alguma coisa, mas não sabia o que era. Tinha feito colégio técnico no Senai e estava bem encaminhada. Havia ido bem num estágio no Instituto de Pesquisas Tecnológicas da USP, e arrumei um emprego bacana. Mas não estava feliz. Quer dizer, tinha 19 anos, ganhava superbem, fazia um trabalho legal, que eu gostava, mas... não estava bem. Então comecei a fazer umas aulas de dança, de expressão corporal, e percebi que aquilo tinha a ver comigo. Comecei a procurar coisas mais específicas no teatro, e fiz uma oficina no Sesc Pompéia. Me apaixonei. Aí emendei uma coisa na outra. Montei grupos de teatro amador, depois de me formar no Tuca [Teatro da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo]. E logo depois, em 1991, fiz Beckett In White, minha estréia profissional. Foi quando participei de uma oficina no Tapa [coletivo teatral paulista], e fiquei. Faço trabalhos com outros grupos, claro, mas estou no Tapa há uns 15 anos. Sempre em contato com eles.
ÉPOCA - Você passou por muitas dificuldades pra se tornar atriz, então?
Sandra - Nossa! Levei muita porta na cara e balde de água fria na cabeça. Fiz teatro em empresas, para alertar sobre segurança no trabalho e era horrível. Quando fazia escola de teatro, fiz até animação de festa infantil. Era uma loucura. Um dia, estava vestida de Emília do Sítio do Pica-pau Amarelo e as crianças cortaram minha peruca. Aí falei: “chega” e larguei isso. Mas fazer teatro é sempre meio difícil.
ÉPOCA - Sei que é um assunto delicado, mas você sofreu um aborto recentemente. Como é lidar com dois sentimentos tão distantes: a dor pessoal da perda, e a conquista profissional inesperada?
Sandra - Na verdade sofri um parto prematuro. Era um bebê grande, de cinco meses, bem desenvolvido. Foi complicado. Tive várias complicações, passei por cirurgias. Foi uma loucura. Isso foi no dia 6 de maio. Por isso eu não fui pra Cannes. Mas realmente é estranho. [Silêncio] Isso me tirou da tristeza, um pouco. Me obrigou a levantar de qualquer jeito. Foi um presente na minha vida. Me tirou da tristeza e da prostração. Estava muito, muito, muito triste. Com o prêmio, tive que sacudir a poeira e virar meu pensamento, mudar o foco completamente. E de uma certa forma foi muito bom, eu melhorei. Fiquei melhor emocionalmente.
ÉPOCA - Como você não foi para Cannes, ainda não recebeu o prêmio em mãos, certo?
Sandra - Não. Acho que vou pegá-lo só nesta semana. Estou ansiosa para ver o Walter voltar de Cannes com o prêmio. Vamos nos encontrar para conversar sobre o filme, porque ainda tem muita coisa para acontecer, foi só o primeiro festival. Vou ficar feliz quando receber, porque é o símbolo disso tudo que está acontecendo.
ÉPOCA - Você está ansiosa quanto ao futuro? Já tem novos projetos?
Sandra - Vou trabalhar na divulgação do filme, que estréia no segundo semestre. E tenho muitos projetos com o Grupo Tapa. Eu continuo de co-dirigindo o espetáculo “Amargo Siciliano”. Ainda não recebi novos convites profissionais.
ÉPOCA - Acha que pode ser indicada para novas premiações? Um Oscar, como a Fernanda Montenegro depois de ganhar o Festival de Berlim por "Central do Brasil"?
Sandra - Não penso muito nisso, para ser sincera. Tudo pode acontecer, mas não quero ficar criando expectativas, viajando nessas. Sou muito pé-no-chão, e não gosto de contar com o ovo dentro da galinha.

Infantil maduro

Fonte: Revista Veja - 02/06/08
Com seu segundo episódio, Príncipe Caspian, a série Nárnia ganha em intriga e intensidade

Isabela Boscov

William Moseley, como um dos irmãos Pevensie: batalhas violentas – mas sem sangue

Que seria dos autores de fábulas sem recursos como o que dá mote a As Crônicas de Nárnia – Príncipe Caspian (The Chronicles of Narnia: Prince Caspian, Estados Unidos/Inglaterra, 2008)? No primeiro filme da série baseada nos livros do irlandês C.S. Lewis, os quatro irmãos Pevensie iam parar na terra encantada do título, da qual descobriam ser os soberanos. Nesta continuação, desde sexta-feira em cartaz no país, os Pevensie, depois de cumprirem um longo reinado, estão de volta a seu tempo e lugar originais – a Inglaterra da II Guerra. Para eles, apenas um ano se passou; mas, em Nárnia, para onde são reconvocados por um chamado mágico, algo como 1.000 anos transcorreram. Seu antigo reino está em ruínas, e seus habitantes foram quase todos dizimados pelo reino vizinho de Telmar. Aí, também, algo vai mal: um nobre usurpou o trono do herdeiro legítimo, o príncipe Caspian, e não vai descansar até tê-lo assassinado. Caspian é quem chama os irmãos de volta: sem o seu amparo e a influência que eles podem exercer sobre os narnianos remanescentes, ele não tem chance sequer de sobreviver, quanto mais de destronar o ganancioso rei Miraz (o italiano Sergio Castellitto, em grande forma). O truque da discrepância temporal – um ano numa dimensão, dez séculos em outra – faz parte do feijão-com-arroz dos autores de fantasia, e não se pode acusá-lo de originalidade. Mas aqui ele se presta a pelo menos uma vantagem: da mesma forma que os protagonistas, obrigados a olhar de frente os escombros de seu passado glorioso, também o enredo e o estilo cresceram.

A exemplo de Harry Potter, o calcanhar-de-aquiles de Nárnia está no seu elenco principal, que vai crescendo sem manifestar grande talento. Ben Barnes, que interpreta Caspian, é uma presença agradável, embora prejudicada pelas falas genéricas e pelo cabelo com jeito de quem acabou de fazer escova. Mas trata-se de pormenores: agora, a intriga pelo poder é sombria, Telmar e Nárnia têm uma questão de vida ou morte a decidir, e as batalhas são consideravelmente mais violentas (embora livres de sangue). Para o público infantil, responsável pela bilheteria estrondosa do primeiro episódio, esta seqüência parecerá um bocado mais assustadora. Mas também bem mais compensadora. Com sorte, Nárnia há de seguir Harry Potter também em outro caminho, o do amadurecimento criativo – e, quem sabe, chegar ao terceiro filme surpreendendo não só pela boa vontade, mas pela originalidade.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Filmes em 3D chegam no fim do ano

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 26/05/08
Hollywood está investindo pesado na produção de obras nesse formato mas, no primeiro momento, apenas de animação

Hollywood está preparando o lançamento em larga escala de filmes em terceira dimensão, que chegam aos cinemas no fim do ano, primeiro em animação e, em seguida, com atores de carne e osso. O desenvolvimento de novos sistemas digitais permite a realização de médias-metragens em 3D, em especial a introdução da técnica de gravação estereoscópica, que obrigou os grandes estúdios a apostar em histórias nesse formato.
O estúdio DreamWorks promete que até 2009 vai verter para 3D todas as suas animações. Seu primeiro lançamento será Monstros vs. Aliens, uma história de mutantes recolhidos por humanos em um complexo secreto. O filme ficará pronto março e será uma "homenagem aos filmes de ficção científica dos anos 50", explica o desenhista espanhol Manuel Almela, que integra a equipe do DreamWorks.
A Disney, a partir de sua filial Pixar, anunciou seu início no cinema estereoscópico com Bolt, que chegará às telas no fim do ano. Em seguida, vai produzir outra animação, UP, e relançará em 3D Toy Story, em 2009. O projeto da Pixar/Disney inclui Toy Story 2, e sua nova seqüência, Toy Story 3, além de uma versão de Rapunzel, todas para 2010.
Filmes produzidos nos últimos anos em 3D filmes, com personagens reais, não fizeram grande sucesso, principalmente por causa das poucas salas equipadas para sua exibição, como é o caso Polar Express (2004) e Beowulf (2007), ambos de Robert Zemeckis. Esses filmes, realizados com sistemas que captam os movimentos dos atores para depois serem digitalizados, foram exibidos nas telas tanto em três dimensões como em seu formato tradicional, o que para muitos resultou numa estética estranha.
"Os diretores têm de melhorar as técnicas, a gente percebe que algo não funciona. Quando você quer imitar um ser humano, ou o faz igual ou cria uma caricatura", explica Almela, para quem o segredo está em combinar o conhecido motion capture com a habilidade dos animadores. "Quem faz isso são os técnicos, que não entendem o movimento, e o passam para a tela e nós, animadores, sim."
Uma prova de fogo para o futuro do 3D com atores será Avatar, anunciado para dezembro de 2009, com Sigourney Weaver e direção de James Cameron. Cameron contará com um orçamento de US$ 200 milhões para recriar em 3D um planeta fictício onde habita uma espécie de humanóides que imitam os humanos. "O Imax e os formatos em terceira dimensão vão se expandir e as salas de cinema terão de se adaptar", assinalou Almela, para quem o futuro da indústria avança sem freios nessa direção. "Os grandes estúdios querem, com isso, fazer com a gente vá mais ao cinema. Hoje, muitas pessoas preferem ficar em casa, onde têm uma tela e um sistema de som. A indústria sabe que tem de oferecer algo mais ao público.
"Os estúdios agora lutam para acelerar a adaptação dos cinemas, para que possam abrigar projeções tridimensionais ainda este ano, calculando que 5.900 salas de todo e mundo ofereçam esse formato, das quais 70% estão nos Estados Unidos.
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Scorsese diverte-se com os problemas, em Depois de Horas

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 26/05/08
Ubiratan Brasil

Se precisou esperar muitos anos até receber seu Oscar de melhor diretor apenas em 2007, por Os Infiltrados, Martin Scorsese já era badalado muito antes pelos grandes festivais europeus de cinema. Em 1986, por exemplo, ganhou um merecido prêmio de direção em Cannes por seu trabalho em Depois de Horas, que o Cinemax Prime exibe às 22h15.
Trata-se de um filme engraçado mas, antes de tudo, angustiante. Griffin Dunne faz o sujeito que passa uma madrugada atrás de uma mulher, em Nova York, vivendo situações bizarras e extravagantes, pois a mulher é, ao mesmo tempo, a atração e a armadilha.
Ele não só demora para a encontrar como é barrado em todos os pontos que visita. Scorsese, aliás, nunca escondeu que adora o acúmulo de problemas, à medida que o personagem segue seus desejos.
Psicanalistas fizeram uma análise original do filme, especialmente a partir da cena em que o personagem descobre, no banheiro, um grafite em que um pênis está prestes a ser devorado por uma vagina dentada. Para eles, era uma alegoria sobre a masturbação ou sobre o medo masculino do sexo feminino assim representado. Elucubrações à parte, o filme diverte.

Ciclo leva a debate as leis de renúncia fiscal para o teatro

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 26/05/08
Programação que segue até o dia 2 envolve investidores e beneficiados tentando ampliar o conhecimento sobre o tema

Beth Néspoli

Nestes tempos em que artistas teatrais reivindicam legislação específica para o setor e discute-se o uso do dinheiro público por meios de leis baseadas em renúncia fiscal não é má idéia ampliar conhecimentos sobre o tema. Esse é o objetivo do ciclo de debates realizado pela direção do Teatro Commune, que teve início da segunda-feira passada e segue até o dia 2.O debate de abertura, acompanhado pelo Estado, reuniu representantes de três empresas patrocinadoras: Petrobrás, Votorantim e Caixa Econômica Federal. Diferentes na amplitude de investimentos, têm em comum o uso de editais públicos para selecionar beneficiados. "O diálogo é sempre esclarecedor", diz Augusto Marin, diretor do Commune.A atriz Michelle Gabriel, que intermediou o debate, ressaltou que convidara outros patrocinadores, "mas foi impossível conciliar agendas". Taís Reis, gerente de patrocínio cultural da Petrobrás, apresentou números de investimentos culturais em todo o País nas áreas de preservação e memória; produção e difusão; formação e reflexão. Ressaltou que a Petrobrás tanto atua de forma direta, por exemplo, na manutenção de grupos como o mineiro Galpão e o Grupo Corpo, quanto por meio de editais. "Com a seleção pública aumentou a distribuição regional nas áreas de artes cênicas e música", afirmou.Ressaltou ainda que a Petrobrás tem como objetivo fomentar a produção cultural existente e, por isso, não possui, e não planeja construir, centros culturais próprios. "Percebemos que o patrocínio continuado propicia aos grupos a manutenção de espaços que acabam se tornando, também, pontos de formação e intercâmbio artístico."O debate mostrou que um dos diferenciais da Caixa Econômica Federal é o investimento direto da quase totalidade de R$ 40 milhões anuais na área cultural. Ou seja, com exceção da manutenção de museus (R$ 6 milhões), os demais projetos beneficiados por edital ganham financiamento direto, sem a utilização do mecanismo da Lei Rouanet. "Eliminamos o que seria mais uma etapa", disse Élcio Mendes de Paiva, gerente de patrocínio da CEF.???Lárcio Benedetti, gerente de desenvolvimento sociocultural da Votorantim, explicou que a partir de 2006 a empresa unificou-se as ações de patrocínio a partir da premissa do "interesse público" e passou a abrir editais numa política voltada para o "acesso aos bens culturais." Mostrou números de uma pesquisa na qual, entre outros dados, revelou que "91% dos municípios brasileiros não têm sequer uma sala de cinema".Por conta disso, a Votorantim optou por apoiar "itinerância, sensibilização e formação de público". A cada ano, abre um novo edital para patrocinar projetos com essas características, mas mantém os já patrocinados. "Em 2006 investimos R$ 13 milhões, no ano seguinte, R$ 18 milhões e, este ano, a previsão é de R$ 25 milhões, sempre através de Lei Rouanet, sendo 80% isenção fiscal e 20% investimento próprio." Entre os beneficiados, para citar dois exemplos, o projeto A Arte do Brincante, de Antonio Nóbrega, e o projeto Arte em Construção, do grupo Pombas Urbanas, sediado em Cidade Tiradentes. "A Votorantim não faz questão de ser patrocinador exclusivo. Por exemplo, na Bienal de São Paulo, investimos na ida de escolas ao evento." Hoje à noite, será a vez de ouvir beneficiados com o Grupo Galpão.

Brasileiro adora dizer que o Brasil não presta

ENTREVISTA DA 2ª
CAETANO VELOSO
Músico critica a esquerda paulista, defende Mangabeira Unger e reclama da "inércia" no país, "salvo-conduto para cada um se mostrar irresponsável"
NA SAÍDA DO SHOW de Caetano Veloso no Rio, uma celebridade diz que amou "Ordem e Progresso", o novo espetáculo do cantor baiano. Ordem e progresso? A bandeira pública de Caetano é outra: "Obra em Progresso" -espetáculo em cartaz às quartas, no Vivo Rio, no aterro do Flamengo, Rio, até 18 de junho, no qual o repertório mistura músicas inéditas e releituras. Mas a variação paródica do lema positivista estampado no símbolo nacional não é ruim para servir também como análise sobre a realidade brasileira. O país é como o show: obra em progresso.
PLÍNIO FRAGADA
SUCURSAL DO RIO
Caetano, 65, reclama da existência de uma "inércia de o Brasil ter sido desimportante" que puxa para trás os que tentam fazer coisas importantes por aqui. "As pessoas ficam com medo de assumir responsabilidade. Isso é inconsciente, mas é verdade. Brasileiro adora dizer que o Brasil não presta." Caetano se apresenta na Europa em julho e agosto e depois volta ao Rio para a continuidade dos shows, do qual resultará o novo disco. Daí "Obra em Progresso". Na sexta, falou à Folha sobre show, disco e também sobre ordem e progresso.

FOLHA - O título do novo disco será "Transamba"?
CAETANO VELOSO - Não sei se será o título do disco. É o apelido que dou para o negócio que a gente está fazendo. Pode ser o título do disco, pode ser que não. Essa palavra veio na minha cabeça porque tem muito a ver com o que a gente está buscando. E a palavra "transa" [título de LP de 1972] está ali inteirinha. Como trabalho musical é um aprofundamento do diálogo entre eu e os três músicos. A criação deste som que ficou bacana no "Cê". Estamos aprofundando por um lado que nem estava sugerido no "Cê".

FOLHA - Por que fazer uma canção chamada "Baía de Guantánamo", uma das inéditas do show? CAETANO - Eu lia sobre aquilo na imprensa, mas nunca imaginei fazer uma canção. Quando eu vi o filme "Caminhos de Guantánamo" [produção inglesa de 2006], parte ficção, parte documentário, comentando com uma pessoa amiga, num e-mail, eu coloquei aquela frase ["O fato de os americanos desrespeitarem os direitos humanos em solo cubano é por demais forte simbolicamente para eu não me abalar"]. Fiquei com ela na cabeça. É um negócio seco, ficou só aquilo. É uma frase que dá conta do mal-estar que senti diante daquela situação irregular quanto aos direitos humanos, produzida pelos americanos na ilha de Cuba, onde eles têm a base de Guantánamo desde o século 19. Se você falar em questão de como são observados os direitos humanos e as questões de liberdade e respeito aos homens, sou 100% mais EUA do que Cuba. E eles, os americanos, os defensores das sociedades abertas, apresentam muitas vezes o caso de Cuba, como um lugar onde não se respeitam as liberdades. Que aconteça isso na base de Guantánamo, sendo que são os americanos que estão desrespeitando os direitos humanos, me abala, me provoca mal-estar. Justamente porque eu sou neste ponto do lado dos americanos. Se eu fosse o tipo de cara de esquerda, pró-Cuba, anti-EUA, não seria nenhum abalo para mim.

FOLHA - Que reflexos terá nos EUA a disputa Obama ou Hillary contra McCain na sua opinião?
CAETANO - Uma coisa boa é que vai acabar a administração Bush. Todo mundo sabe que a Hillary Clinton apresentava uma maturidade maior, um traquejo maior em política, o modo como falava, se apresentava. Mas Obama é um sujeito mais simpático. Ele é mais bonito, parece mais sincero. Tem um atrativo pessoal, não é um atrativo técnico. Obama parece meu pai, é um mulato, parece um cara de Santo Amaro [cidade baiana onde Caetano nasceu]. Me sinto mais próximo dele do que daquela mulher que parece uma perua de tailleur. Adorei o discurso dele sobre raça. É uma abordagem mais brasileira, multipolar, reconhecendo a mestiçagem. Sem se resumir àquela coisa bipolar americana. Ouvi dizer que ele mesmo disse: pareço mais um brasileiro. De fato.

FOLHA - Obama foi aluno de seu amigo Mangabeira Unger, que, depois de dizer que o governo Lula era o mais corrupto da história, assumiu um cargo de ministro de Assuntos Estratégicos.
CAETANO - É normal. Mangabeira sempre militou com suas idéias à esquerda. Esteve ligado ao PDT e ao Brizola por muito tempo, depois por um período bem mais curto a Ciro Gomes, no que, aliás, coincidia totalmente comigo. Foi José Almino Alencar [sociólogo e escritor] quem me chamou a atenção para que lesse os artigos dele na Folha. Eu li e gostei muito. Li o livro dele "Paixão". Li muito de "Política". Li esse livro de filosofia que se chama "The Self Awakened". Tenho muito interesse nele porque parece pôr a discussão política brasileira num nível diferente do habitual. Pensa de uma maneira que pode ser produtiva. Ele vem tentando se aproximar do poder real para fazer com que algumas idéias dele sejam testadas, experimentadas, postas em prática. Pouco antes de Lula ganhar em 2002, ele escreveu na Folha, naquela coluna estreitinha da segunda página, que não era hora de discutir. Lula iria ganhar, então tinha de colaborar com ele. Foi o que ele fez.

FOLHA - Mas depois afirmou que era o governo mais corrupto da história.
CAETANO - A história do mensalão foi realmente um escândalo, uma porcaria, uma coisa nojenta gritante. Alguns outros episódios assim vêm acontecendo, como esse -menor, porém não menos nojento- do novo dossiê, com Dilma e todo esse negócio. O Mangabeira, quando do episódio do mensalão, criticou durissimamente. Quando Lula chamou, ele aceitou, porque é coerente com o projeto que tem: aproximar-se do poder, dando forças à esquerda, para experimentar idéias produtivas de esquerda. Por que justamente esse escrúpulo, que ninguém exige nem do próprio Lula? Foi a única coisa que a imprensa exigiu do Mangabeira quando ele foi chamado. Tem duas coisas aí: uma que o Mangabeira não é muito simpático, apesar de, para mim, ele ser um sujeito espetacular. Mas ele também não faz muita questão de ser afável como os outros brasileiros. Ele mostra aquele aspecto prussiano para marcar diferença. Deseja marcar um certo distanciamento, contribui para que ficasse antipático para os jornalistas. Mas também a rejeição é por causa da novidade, da criatividade do pensamento dele. É uma mistura de ciúme e medo de experimentar verdadeiras mudanças até de pensar. Vejo assim. Você entendeu o que eu disse?

FOLHA - Por que acha que ele é folclorizado?
CAETANO - Porque todas as pessoas que tentam coisas importantes para o Brasil sofrem com essa inércia de o Brasil ter sido desimportante, uma espécie de salvo-conduto para cada um se mostrar irresponsável na sua área. As pessoas ficam com medo de assumir responsabilidade. Isso é inconsciente, mas é verdade. Brasileiro adora dizer que o Brasil não presta, que a língua portuguesa é uma porcaria, que todo mundo escreve errado e ninguém reclama. Tudo aqui é desrespeitado. Tudo que aponte para um negócio que crie responsabilidade... O Brasil vem fazendo isso, está crescendo, se afirmando, apesar disso... Essa força que puxa para trás, que segura, que dificulta é enorme. Essa reação a Mangabeira é uma manifestação disso.

FOLHA - Você não está com o governo, mas o governo está com você ao menos em relação a amigos como Mangabeira e Gilberto Gil.
CAETANO - Cara, fui crítico do Lula, sou crítico do Lula e do governo, mas sou um crítico modesto. Porque não sou cientista político nem faço política nem quero me meter. Mas Lula não é qualquer pessoa. Não é um episódio de somenos importância. Desde que fiz 18 anos, gosto de votar. Meu pai me botou na cabeça que isso tem um valor cívico e me emociono, me lembro de meu pai. Gosto desse ritual democrático. Mas nunca chorei dentro da cabine. Só quando votei em Lula. Fiquei emocionado, meus olhos encheram d'água. É porque era Lula. Não é assim. Não é fácil. Quando vejo o povo brasileiro continuar, atrasadissimamente, na festa da posse de Lula -a única coisa que aconteceu até hoje- entendo. Me identifico com esse sentimento. Eu também sou moreno como vocês (risos). O fato é que não se pode perder a objetividade e a exigência crítica. A tradição latino-americana é de pais da pátria, caudilhos, líderes populistas. Recaídas nisso são freqüentes e um risco permanente. Não quero ser condescendente com esse negócio.

FOLHA - Como vê a possibilidade de a sucessão de Lula caminhar para a disputa entre a ministra Dilma Rousseff e o governador José Serra?
CAETANO - Dilma pelo menos não é de São Paulo, não é da USP. Serra não é propriamente USP, mas essa esquerda paulista já encheu, já deu o que tinha que dar. E é o que Lula é também.

FOLHA - Por que você assinou o manifesto contra as cotas raciais?
CAETANO - Acho muito complexo, discutível, mas neste momento assinei contra para dar força... A maioria das pessoas que, como eu, vem da posição de esquerda, gente legal, todo mundo tem que ser a favor... A maioria dos grupos de movimento negro -não todos, porque há um grupo de movimento negro que assinou contra, o Movimento Negro Socialista. Assinei para dar um peso a esta outra posição. Tem valor abordar o assunto, mas não acho que seja um negócio simples assim aplicar cotas, como os americanos já fizeram. A sentimentalização das relações desiguais que se dá na sociedade influiu no modo como se encara a questão racial brasileira também para o bem e para o mal. Já deveríamos ter negros em posições mais visíveis. Pessoas visivelmente negras. Acho que é coerente que nos EUA aconteça isso e no Brasil não. O governo mais conservador que os EUA teve nas últimas décadas foi o governo Bush. E a figura forte de seu governo é uma mulher negra. Isso é resultado de uma luta aberta nos EUA. E aqui, como nunca houve uma luta aberta...

FOLHA - Nosso racismo cordial...
CAETANO - É. Acho que é bacana, um jeito do Brasil que o Brasil tem de resolver com as suas complexidades... Não venham para cá importar racialismo americano...


Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 26/05/08

Brasileira Sandra Corveloni é a melhor atriz em Cannes

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 26/05/08
61º FESTIVAL DE CANNES
Ela compara prêmio por atuação em "Linha de Passe" com medalha de ouro em Olimpíada
Júri do festival dá Palma de Ouro ao francês "Entre les Murs", dirigido por Laurent Cantet
Sandra Corveloni interpreta Cleuza em "Linha de Passe"
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
LUCAS NEVES DA REPORTAGEM LOCAL

O 61º Festival de Cannes terminou ontem com o prêmio de melhor atriz para a brasileira Sandra Corveloni, protagonista do longa "Linha de Passe", de Walter Salles e Daniela Thomas. A Palma de Ouro ficou com o filme francês "Entre les Murs" (entre os muros), de Laurent Cantet. "Estou me sentindo como uma atleta que ganhou medalha de ouro na Olimpíada. É um prêmio para todo mundo, porque brasileiro batalha tanto para conseguir as coisas", disse a atriz à Folha por telefone, de sua casa, em São Paulo. Os diretores receberam o prêmio em nome de Sandra, que não viajou a Cannes porque se recupera de um aborto espontâneo. "Estava aqui brincando com o meu filho [Orlando, 6] quando a assessora do filme me ligou dizendo que o Walter e a Daniela estavam recebendo o prêmio por mim. Falei: "Meu Deus, como é que é?". Esperava um prêmio pelo conjunto dos atores; a gente fez um trabalho muito homogêneo. Jamais ia imaginar algo assim [o prêmio de melhor atriz]. Está uma loucura", comentou, sobre o assédio repentino da mídia. Sandra, cujo currículo cinematográfico até então se resumia a dois curtas ("Flores Ímpares" e "Amor"), afirmou que suas atenções se voltam agora para o lançamento de "Linha de Passe", previsto para o segundo semestre deste ano: "Quero cuidar da divulgação do filme, para que tenha uma carreira linda. Vou continuar trabalhando no teatro [é atriz e diretora do grupo Tapa], como sempre trabalhei. Não sei o que vai acontecer. Quero viver este momento", diz ela, 22 anos depois de Fernanda Torres ganhar o prêmio de atriz em Cannes por "Eu Sei que Vou te Amar", de Arnaldo Jabor. "Reflexo de uma nação" Em Cannes, Salles disse se orgulhar "de fazer parte de uma profissão que é, antes de tudo, o reflexo de uma nação que se projeta na tela do cinema. Tenho um pouco mais de orgulho desse prêmio para uma atriz que debuta no cinema e que fez de tudo para tornar inesquecível essa experiência [das filmagens] coletiva". Thomas agradeceu o prêmio em inglês e, em seguida, pediu licença para dirigir algumas palavras à atriz, em português: "Querida, você não esteve aqui conosco em carne e osso, mas a sua personalidade incrível, que nos trouxe para essa viagem de puro prazer que foi fazer este filme, está aqui com a gente". Sandra foi selecionada para o papel da doméstica Cleuza, fã do Corinthians, mãe de quatro filhos e grávida do quinto, por meio de testes. "Depois que a vimos pela primeira vez, foi difícil ver outras pessoas. Ela realmente é extraordinária", afirmou Thomas. Salles, que define a atuação de Sandra como "ao mesmo tempo forte e contida", disse que "você vê, tanto com a Sandra como com esses jovens atores [do filme] que estréiam aqui, o quanto há de talento no Brasil que a gente não conhece". Sandra concorreu em Cannes com atrizes como as norte-americanas Angelina Jolie ("Changeling", de Clint Eastwood), Julianne Moore ("Ensaio sobre a Cegueira", de Fernando Meirelles, não lembrado pelo júri), e a francesa Catherine Deneuve ("Un Conte de Noël", de Arnaud Desplechin). A Folha apurou que, entre os nove membros do júri, oito votaram na brasileira para o prêmio. O presidente do júri, o ator e diretor norte-americano Sean Penn, declarou que foram decididos por unanimidade a Palma de Ouro e o prêmio de ator, para o norte-americano de origem porto-riquenha Benicio Del Toro, pelo papel de Ernesto Che Guevara em "Che", de Steven Soderbergh. O diretor mexicano Alfonso Cuarón, integrante do júri, disse que "Che" e "Linha de Passe" são "filmes relevantes hoje" e que o júri reconheceu "o poder de interpretação desses personagens [Che e Cleuza], que levam os filmes adiante". Entre a crítica, as apostas para melhor atriz ignoravam Sandra e citavam a argentina Martina Gusmán, de "Leonera", de Pablo Trapero, dentre as prováveis ganhadoras. "Sandra é muito sensitiva. Imagino que, se estivesse aqui, ela dividiria esse prêmio com outras atrizes latino-americanas espetaculares, como Martina Gusmán", observou Salles, em entrevista coletiva após a premiação. Os cineastas dizem que é preciso também "aplaudir e agradecer" o trabalho de Fátima Toledo, preparadora de elenco de "Linha de Passe".

domingo, 25 de maio de 2008

''Ele tem a força da ressaca''

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 25/05/08

No centenário da morte do escritor, o Cultura publicará no último domingo de cada mês depoimentos de artistas sobre sua relação com a obra do mestre da literatura nacional

Gilberto Mendes

Comecei a ler livros de gente grande com 14 anos. E comecei pesado, com Eça de Queiroz. Li quase tudo dele. Minha família, sobretudo meu pai, médico, gostava muito do Eça. Cresci no ambiente do culto ao Eça. É magnífica a elegância e charme cosmopolita, parisiense, lisboeta, da sua linguagem. Na minha juventude, aliás, havia dois times de admiradores bem marcados: o do Eça e o do Machado. A turma do Eça era mais aberta, generosa; já a turma do Machado era radical, gritava contra o que considerava a verborragia do Eça. Eles adoravam a linguagem enxuta.Comecei a ler o Machado de verdade mesmo aos 24, 25 anos. E ainda assim achando que não iria gostar muito. Mas gostei. E muito. Dom Casmurro foi o primeiro romance dele que li e permanece para mim como sua obra-prima. De modo inesperado, ele aqui é mais sensual, deixa um pouco de lado a coisa estrutural, o trabalho de linguagem tão característico em sua literatura. Não consigo esquecer a descrição que ele faz da Capitu logo no começo do livro.Capitu estava ao pé do muro fronteiro, voltada para ele, riscando com um prego. O rumor da porta fê-la olhar para trás; ao dar comigo, encostou-se ao muro, como se quisesse esconder alguma coisa. Caminhei para ela; naturalmente, levava o gesto mudado, porque ela veio a mim, e perguntou-me inquieta: - Que é que você tem? - Eu? Nada. - Nada, não; você tem alguma coisa. Quis insistir que nada, mas não achei língua. Todo eu era olhos e coração, um coração que desta vez ia sair, com certeza, pela boca fora. Não podia tirar os olhos daquela criatura de 14 anos, forte e cheia, apertada num vestido de chita desbotado.Capitu é a minha personagem machadiana preferida. A dúvida existencial não me interessa, mas é genial o modo como ele bolou isso pra botar a dúvida na cabeça do leitor. Eu, de minha parte, diria que ela traiu Bentinho com Escobar, as características dela são as de quem trai. Ela é tesuda. Aliás, o interessante de Dom Casmurro é que nele Machado assume um tesão humano, sensual, aparentemente distante de seu universo como escritor em tantos outros livros, que privilegiam a ironia, os meios-tons. Aqui, a sensualidade, o tesão, são às claras. Eu me lembro de outra passagem mais adiante, em que ele descreve o penteado dela.Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes numa ninfa... Uma ninfa!Ele é bom mesmo pra descrever tesão. Adorava os braços das senhoras. Mas a Capitu, rodo, rodo e volto a ela, Capitu é sensual demais para não trair. Ah,e a descrição do beijo?Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim, a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e ... (...) Não me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse, faltava-me língua.Tem um outro aspecto muito interessante do Machado para o qual me chamou a atenção David Jackson, professor de literatura brasileira na Universidade do Texas. Ele também é músico, toca violoncelo. E pesquisa a fundo a Pagu, daqui de Santos. Pois não é que Jackson acha que o Machado é meio Woody Allen, pelo cinismo? No Dom Casmurro, a relação dele com o filho - ele acredita que possa não ser dele, trata-o bem mas gostaria que ele tivesse morrido. E, quando o filho morre, ele fica satisfeito. No filme Crimes e Pecados, o cara tem uma amante que enche a vida dele, e o irmão mafioso o aconselha a matá-la, numa saída machadiana. A princípio, achei a comparação forçada. Mas depois pensei bem e achei válido.Machado fala muito de música nos livros, tinha que gostar bastante. O Décio Pignatari me prometeu, durante anos e anos, escrever um libreto para eu musicar as Memórias Póstumas de Brás Cubas. Outra coisa legal é como ele marcou bem o Rio de Janeiro, aquela vida do segundo império. Ele valorizava também a música mais popularesca. Será que, como em Um Homem Célebre, todo compositor brasileiro se vê necessariamente diante da grande música e da música popular? Não creio que a mestiçagem seja exclusividade nossa. Bela Bartók e Stravinski também destilam esta mesma mestiçagem em suas músicas. Mas não sei se a mestiçagem é o que explica a música brasileira - é, porém, uma coisa que faz a gente pensar, chama a atenção. À primeira vista, acho que sim, porque a música popular das Américas, por força da presença negra, é um tipo de música que não houve na Europa. Só tem nos EUA, no Caribe e no Brasil, onde o negro esteve e está presente. O negro é que deu origem ao jazz, ao calipso e à rumba, e ao choro e ao samba. O negro é que deu origem às músicas populares urbanas nas Américas. Na Europa não tinha nada disso, havia apenas a música folclórica.É interessante ver no Machado sua relação com a música popular urbana. A música, ou melhor, as músicas estão espalhadas por toda a sua obra. Não é a relação do músico europeu com a música popular do seu país, que é apenas o folclore. Lá não rolam nas cidades as misturas de coisas eruditas com as músicas negras, como aqui. Isso gerou a música urbana e é a realidade brasileira, norte-americana e do Caribe.Tudo isso pouco valeria se ele não fosse tão genial. Há pouco tempo peguei o Dom Casmurro para consultar um capítulo, e acabei lendo-o inteiro de novo. O livro tem a força da ressaca, arrasta a gente.

DEPOIMENTO A JOÃO MARCOS COELHO

Curta brasileiro leva troféu em Cannes

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 25/05/08
DA ENVIADA A CANNES

O curta brasileiro "Muro", de Bruno Bezerra, ganhou o troféu Regard Neuf (novo olhar) da Quinzena dos Realizadores, do 61º Festival de Cannes.Também foram anunciados os vencedores da mostra "Um Certo Olhar". O longa brasileiro "A Festa da Menina Morta", de Matheus Nachtergaele, saiu sem prêmios. O ganhador foi "Tulpan" (Sergey Dvortsevoy, Cazaquistão).Já o júri da crítica preferiu o australiano "Hunger" (fome), do inglês Steve McQueen. Entre os concorrentes à Palma de Ouro, a crítica escolheu o húngaro "Delta", de Kornél Mundruczó. O júri ecumênico premiou "Adoration" (adoração), do canadense Atom Egoyan.(SA)

"Mash" mostra que o cinema envelheceu

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 25/05/08
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
O único desgosto de rever "Mash" (TC Cult, 22h) quase 40 anos depois é constatar o quanto o cinema envelheceu nesse período. O que era, em 1970, ainda uma arte jovem, impetuosa e irresponsável tornou-se nesse meio tempo uma expressão respeitosa, sisuda, que procura, na falta de imaginação de um Indiana Jones, por exemplo, prolongar seu estado agônico.
Ok, talvez não seja bem isso, e talvez quem tenha envelhecido nessas quatro décadas seja o mundo. Em 1970, estávamos perto da sublevação vital de 1968. Em "Mash", por exemplo, estamos em um hospital de campanha em plena Guerra da Coréia e ninguém se vexa de achar que um pastor, quando reza, está doido. Na saudável anarquia que ali vigora, Sally Kellerman é uma caxias que, por marotagem dos médicos, passa a se chamar Lábios Ardentes. Pois a anarquia que ali se instaura não pretende tomar o poder, tirar o lugar de ninguém. A lei marcial é uma piada e o objetivo, voltar para casa.É possível mesmo que "Mash" hoje mostre melhor suas virtudes de comédia corrosiva. Na época, havia o Vietnã, e o combate ao militarismo pelo riso podia ser assimilado à campanha pelo fim da guerra. Hoje o filme perdeu esse interesse e se mostra melhor como representação de uma época. É a comédia de um mundo menos controlado, em que mesmo nas ditaduras podia-se sonhar com a liberdade. Hoje sonhamos com crachás e câmeras ocultas.

Santoro vai a Cuba e aos EUA, mas quer voltar

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 25/05/08
61º FESTIVAL DE CANNES
Ator, que fez Raúl Castro em "Che" e filma com Jim Carrey, fala em "investimento" na carreira e "saudade monstruosa"
Após apresentar longas de Steven Soderbergh e Pablo Trapero em Cannes, ele relativiza fama, defende novelas e planeja teatro
SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
"As coisas começaram a se mover." É assim que o ator Rodrigo Santoro, 32, enxerga a fase mais recente de sua carreira.O avanço do trabalho de Santoro além das fronteiras do Brasil ganhou evidência nas duas últimas semanas, quando ele apresentou dois filmes, ambos estrangeiros e em competição pela Palma de Ouro, no 61º Festival de Cannes, o mais renomado do mundo.Em "Leonera" (mãe leoa), do argentino Pablo Trapero, na pele do personagem Ramiro, Santoro vive um passional triângulo amoroso, pelo qual vai parar na cadeia, acusado de assassinato. Em "Che", biografia do líder revolucionário Ernesto Che Guevara dirigida pelo norte-americano Steven Soderbergh, ele é Raúl Castro, o irmão de Fidel e atual mandatário cubano.
Movendo-se de um set a outro, Santoro atuou nos dois longas simultaneamente, no ano passado. "Filmei [a participação em "Che'] em Porto Rico e tinha 20 dias de intervalo até a equipe finalizar [as cenas] e ir para o México, que era minha locação seguinte", conta.
O convite do cineasta argentino o pegou no Brasil num momento em que pretendia dar uma pausa. Ligando de Buenos Aires, Trapero lhe ofereceu "um personagem bastante pequeno, mas fundamental para a história". O diretor descreveu Ramiro como um homem "intenso, que vive um conflito interessante [entre salvar a própria pele ou a da mulher que ama]". Mas o que cativou Santoro na oferta foi uma "suspeita" de Trapero: "Acho que pode ser um desafio para você expressar isso em poucas cenas".
Cuba
Santoro é o tipo de ator que gosta de construir seus personagens com minúcia. Para viver Raúl Castro, estudou uma nova língua (o espanhol) e um país. "Comecei a pesquisar e encontrei uma imagem muito solidificada dele. Só que eu não posso partir para a criação de uma imagem. Então, fiz o que já queria ter feito há muito tempo -ir a Cuba."
Durante o mês e meio na ilha caribenha, Santoro alugou um quarto em Havana Vieja, viajou de jegue a Sierra Maestra e passou dias enfurnado na sede do Instituto Cubano de Cinema (Icaic), vendo imagens de arquivo da revolução. Com um assistente cubano, treinou à exaustão o sotaque de Castro.
"Vivi uma experiência humana sensacional. Essa é uma das coisas que o trabalho me proporciona e que adoro tanto. É o que vou levar da vida. O status, os prêmios, tudo isso é importante, mas o que mais valorizo são as experiências. A preparação é o momento em que conheço o novo, observo, tento não fazer nenhum tipo de julgamento, não ter nenhum preconceito, estar aberto, com o olhar puro. Nessa, você amadurece. Aquilo o transforma."As cenas de Santoro em "Che" não são muitas, mas são divididas com o norte-americano de origem porto-riquenha Benicio Del Toro, que interpreta Ernesto Guevara. "É um ator que admiro muito -o trabalho e as escolhas dele. Só a oportunidade de trabalhar com ele já foi maravilhosa", diz Santoro.
Depois de participar da sessão de gala e da maratona de entrevistas de "Che" em Cannes, o ator retoma agora as filmagens de "I Love You Phillip Morris", em que contracena com outros dois nomes da galáxia hollywoodiana -Jim Carrey e Ewan McGregor.
Sobre seu personagem no filme, a única informação divulgada até agora é que ele tem um caso com o de Jim Carrey. "É um personagem que tem várias surpresas, mas não posso falar mais do que isso. As pessoas acham que a gente faz charme, mas isso é uma regra", diz.
É uma regra dos estúdios de Hollywood, para alimentar expectativas em torno dos filmes e mantê-los sempre sob os holofotes, com as informações sendo liberadas a conta-gotas. Para quem lida com a indústria de celebridades que vem acoplada à do cinema, a barreira a informações não é um problema. Já a fama pode ser um grande incômodo. Para Santoro, foi -no começo de sua carreira, no Brasil.
"É muito brusco quando acontece [o estrelato]. Sou petropolitano [de Petrópolis, região serrana do Estado do Rio], minhoca da terra, fui criado em fazenda. Sou bicho-do-mato, sempre fui, continuo sendo. Vi minha privacidade indo embora, foi complicado entender e aceitar", diz.PolêmicaSantoro se mudou para o Rio na virada dos 18 para os 19 anos. Pouco depois, experimentou o "brusco" sucesso. Quando entendeu que "não era pessoal" o comportamento (aos seus olhos) invasivo da imprensa, Santoro passou a lidar "infinitamente melhor" com o assédio. "Hoje isso é algo que não incomoda. Sinto que de maneira nenhuma preciso encarnar um personagem para dar uma entrevista ou sair na rua. Se não existe uma polêmica em torno de mim, é porque simplesmente não sou assim."Vivendo atualmente mais tempo fora do Brasil do que em sua casa no Rio, ele diz sentir "uma saudade monstruosa" do país, da família, dos amigos e de sua rotina carioca. "Tenho saudade de botar a minha bermuda e surfar. Tenho saudade de descer no Leblon e tomar um suco, uma água-de-coco."
A probabilidade de que Santoro fixe residência em outro país, no entanto, só aumenta. "À medida que as coisas forem acontecendo, que eu continue trabalhando, em algum momento pode ser que tenha uma base em algum lugar, não faço idéia de onde", diz ele.
"No momento, não tenho dinheiro para ter apartamentos. Nesses trabalhos todos que faço, minha remuneração é sempre supertabelada. E, quando estou lá, tenho que gastar para me manter. Isso tudo para mim ainda é um investimento."
Entre "Che" e "I Love You Phillip Morris", Santoro fez outro trabalho internacional. Filmou com Vichy Jenson, co-diretora dos dois primeiros títulos da série "Shrek", a comédia "The Post Grad Survival Guide" (o guia de pós-graduação em sobrevivência)."Estava terminando "Che" quando apareceu esse projeto. Achei o personagem interessante e me aventurei. Era da diretora do "Shrek", que tem um trabalho interessante e diferente. Eu estava vindo do meio do mato. Fui para essa outra história e funcionou como uma reciclagem."
Globo
Embora os papéis de Santoro em filmes internacionais estejam emendando-se uns nos outros, os planos de trabalho do ator no Brasil são muitos e variados, incluindo, além do cinema, o teatro e a TV.
"Estou para resolver minha situação na Globo, mas acho que posso fazer alguma coisa neste ano. Tenho saudade. Minha criação foi ali", diz.Santoro é dos raríssimos [para não dizer o único] atores de sua geração e seu prestígio a defender as novelas. "A TV tem uma coisa mais fluida. Você pega um ritmo. Faz 23 cenas num dia. Acho interessante, diferente. Não acho menor, nem que se possa comparar um capítulo de uma novela com um filme. Não comparo. Tenho respeito por cada um deles e acho interessante para o ator transitar."A volta ao teatro, um projeto antigo, está sendo ensaiada. Sob a direção de Luiz Fernando Carvalho ("Lavoura Arcaica"), Santoro pretende montar um texto da francesa Marguerite Duras. Não há data prevista, porque "para fazer teatro, você tem que parar todo o resto".
No cinema brasileiro, Santoro rodou o ainda inédito em circuito comercial "Desafinados", de Walter Lima Jr., e aceitou o papel do jogador Heleno de Freitas [1920-59] no longa que José Henrique Fonseca deve filmar em 2009 sobre o craque e dândi botafoguense.Antes, talvez diga um "sim" como ator e produtor a algum dos roteiros que estão em suas mãos. Migrar para a direção, movimento que fizeram recentemente os atores Selton Mello ("Feliz Natal") e Matheus Nachtergaele, que apresentou em Cannes seu primeiro longa, "A Festa da Menina Morta", não está nos planos de Santoro."Admiro essa galera toda. Me chamem para participar como ator. Vou adorar. Mas não penso em dirigir. Estou bem envolvido com o trabalho de ator."

sábado, 24 de maio de 2008

A estética de choque da Festa da Menina Morta, de Nachtergaele

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 24/05/08
Longa de estréia do ator retrata um mundo primitivo, de paixões intensas e violentas

Luiz Carlos Merten, Cannes
Matheus Nachtergaele estava feliz da vida após a exibição de A Festa da Menina Morta na quarta-feira à tarde. O filme foi bem recebido na mostra Un Certain Regard. Matheus concorre a dois prêmios, o da própria seção em que passa seu filme e também a Caméra d''Or, para o melhor filme de diretor estreante. O problema é que o repórter do Estado só conseguiu assistir à Menina Morta no fim da tarde de quinta-feira e, desde então, o diretor revelou-se incomunicável. Ora estava em Juan les Pins, ora em Nice, com o celular sempre desligado.Na entrevista que deu ao jornal, quando seu filme foi confirmado na seleção oficial, Matheus Nachtergaele disse que A Festa da Menina Morta era ''radical''. É um pouco mais do que isso. O filme nasceu do encontro de um desejo de Matheus com a comunidade que o diretor estreante descobriu, ao filmar na Amazônia. O culto da menina morta, ele já conhecia desde que filmou O Auto da Compadecida na Paraíba. Basicamente, a menina é morta e um cachorro leva na boca seu vestido, que deposita nas mãos do irmão da garota. Ele vira o ''santinho'', mas não é nada disso, e aí entrou o imaginário de Matheus, enquanto ''autor''. Amante do próprio pai, caprichoso, histérico, Santinho transforma-se no depositário das revelações da mártir, na festa que se realiza todo ano. O filme narra os preparativos e as conseqüências da festa, propriamente dita. Embora cronológica, a narrativa não é propriamente linear, no sentido clássico da causa e efeito. São cenas soltas, aqui e ali, e que vão traçando o retrato das personagens. Uma coisa é certa - a reaparição da mãe desestabiliza Santinho e o que deveria ser uma celebração religiosa detona os conflitos, que implodem o personagem.É muito curioso assistir a A Festa da Menina Morta e ver Daniel de Oliveira interpretar - como Santinho - o próprio diretor Matheus Nachtergaele. Seria um papel perfeito para ele. Estreante, Matheus preferiu concentrar-se na realização. Com a colaboração do diretor de fotografia Lula Carvalho, ele cria fragmentos de um filme que poderia ser grande - ou, pelo menos, melhor do que realmente é. O problema de A Festa da Menina Morta é que o filme é muito desequilibrado. O conceito de ''forte'' do diretor poderia muito bem ser definido como excessivo. Menina Morta propõe uma estética de choque que muitos críticos brasileiros, aqui em Cannes, compararam à de Cláudio Assis. A questão é: qual Cláudio Assis? Pois a verdade é que o diretor pernambucano evoluiu (ou amadureceu) extraordinariamente entre Amarelo Manga e O Baixio das Bestas. Embora o universo da Menina Morta pareça mais próximo do Baixio - um mundo primitivo, de paixões intensas e violentas -, Matheus ainda está no Amarelo Manga. Seu filme impressiona, desconcerta, mas é difícil fechar o arco para saber, afinal, o que ele quis - ou quer - dizer.O sexo entre pai e filho, a matança do porco - que não é vista, mas cujo som acompanha o espectador muito tempo após a projeção -, o descontrole do Santinho, a devoção religiosa, tudo fica no limite do excessivo. Mas há momentos redentores. Um dos mais belos é a dança, meio hip-hop, do mestiço índio Douglas, que Matheus descobriu na própria comunidade ribeirinha em que filmou. Toda a interpretação é visceral, misturando profissionais (Daniel de Oliveira, Dira Paes, Jackson Antunes, Cássia Kiss e Juliano Cazarré) com os locais. O próprio Daniel canta o tema e você é capaz de jurar que é Caetano Veloso.

O melodrama em Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 24/05/08

Ubiratan Brasil

Há uma tradição no cinema de que filmes de grande sucesso não rendem boas continuações - o original esgota o filão. Mas, como toda regra tem uma exceção, aqui os exemplos são vários. E um deles, Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, será exibido hoje pelo Telecine Premium, às 22 horas.O problema do primeiro da série estava na ingrata tarefa de apresentar os personagens, ou seja, mostrar como aquele grupo de quatro pesquisadores passa a desfrutar os superpoderes depois de um acidente que modifica seus cromossomos.Agora, com a chegada de um inimigo à altura (Surfista Prateado), o quarteto passa por uma provação adequada. Ele é o personagem que carrega uma carga melodramática por se sentir um fiel servidor de Galactus, o devorador de mundos que ameaça a Terra. Sua fraqueza, porém, se torna visível ao conhecer Sue Storm, a Mulher Invisível, que não apenas faz lembrar seu grande amor como provoca um conflito interno.É essa angústia que humaniza o filme, recheado de efeitos especiais. O filme também é mais relaxado que o primeiro da série, justamente por trazer mais piadas, especialmente entre os membros do quarteto, que se provocam.

"McCann" Documentário suaviza polêmicas

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 24/05/08

CLARA FAGUNDES

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um ano após o desaparecimento de Madeleine McCann, os pais da garotinha inglesa recebem a GNT. Parecem sóbrios, anestesiados, prontos para gravar mais um capítulo da campanha incessante para encontrar a menina, vista pela última vez em Portugal, dias antes de completar 4 anos. Em casa, os médicos Gerry e Kate McCann acumulam caixas de cartas sobre o caso: doidas, cruéis, boas idéias. Nenhuma levou à menina. A busca por Madeleine tornou-se uma luta feroz entre a polícia, a imprensa e os pais, suspeitos oficiais do desaparecimento desde setembro. Tablóides ingleses e portugueses publicaram reportagens sugerindo que os McCann mataram a filha e encobriram o caso. A trégua veio em forma de acordo extrajudicial, com pedido público de desculpas e doação ao fundo para encontrar Madeleine -que também paga despesas da família. Sempre na trincheira dos pais, a GNT suaviza pontos polêmicos. Não ouve testemunhas, a polícia, os jornalistas que reproduziram especulações precipitadas, o luso-britânico Robert Murat -declarado suspeito pela imprensa e só depois pela polícia. O resultado, monocórdico, decepciona.


O DESAPARECIMENTO DE MADELEINE MCCANN

Quando: hoje, às 20h

Kaufman estréia como diretor em trama "teatral"

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 24/05/08
Festival de Cannes termina amanhã com premiação; hoje, são exibidos Cantet e Wenders
Primeiro longa de famoso roteirista tem como protagonista Philip Seymour Hoffman, que interpreta diretor teatral

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
O 61º Festival de Cannes exibe hoje os últimos dois títulos entre os 22 que concorrem à Palma de Ouro, a ser entregue amanhã.O francês "Entre les Murs" (entre muros), de Laurent Cantet, trata da experiência de um professor com alunos de origem imigrante, baixa renda e sujeitos à violência, em Paris.O alemão "Palermo Shooting" (fotografando Palermo), de Wim Wenders, acompanha um requisitado fotógrafo alemão que abandona a fama e tenta reconstruir sua vida em Palermo, na Sicília (Itália).O roteirista norte-americano Charlie Kaufman ("Adaptação", "Quero Ser John Malkovich"), exibiu ontem seu primeiro longa como diretor, "Synecdoche, New York"."Sempre escrevo sobre o que estou pensando. Naquele momento [em que escreveu o roteiro do filme], eu estava pensando sobre como é ficar velho. Essa é a nossa batalha", disse.No longa, o diretor de teatro Caden Cotard (Phillip Seymour Hoffman) trabalha durante duas décadas na montagem do que pretende ser a sua obra-prima. A peça é um simulacro da realidade, com o qual Cotard quer refletir sobre o quanto um indivíduo é sujeito de sua própria história. Paralelamente ao trabalho, Cotard experimenta uma vida privada em deterioração, em que passa por dois casamentos e alguns funerais de parentes próximos.Kaufman enlaça as narrativas cinematográfica e teatral e adiciona elementos de absurdo na produção, que ele descreve como "monumental, com centenas de atores e sets".Padres e DeusTambém estrearam ontem o cingapuriano "My Magic" (minha mágica), de Eric Khoo, e o italiano "Il Divo" (o divo), em que Paolo Sorrentino traça um perfil feérico de Giulio Andreotti, que foi sete vezes premiê da Itália e deixou o poder sob uma enxurrada de processos criminais e a acusação de envolvimento com a máfia. "Os padres votam, Deus, não" é uma das frases com que o democrata cristão Andreotti (vivido por Toni Servillo) resume seu pragmatismo no filme.O canadense Atom Egoyan estreou na última quinta seu "Adoration" (adoração). Com uma história que mistura intolerância racial, o poder multiplicador da internet e o terrorismo pós-11 de Setembro, o filme de Egoyan dialoga com o "Che" de Soderbergh, ao indagar o que significa, nos dias de hoje, a figura de um mártir e por quais causas é legítimo morrer e matar.

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Anime causa revolta entremuçulmanos

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 23/05/08

A produtora APPP Company do Japão teve de pedir desculpas a todos os muçulmanos do mundo pelo conteúdo do anime Jojo no Kimyo na Boken (As Bizarras Aventuras de Jojo), em que seguidores religiosos são apresentados como terroristas. O mangá que deu origem à série tornou-se ainda mais conhecido depois de ser citado na série de TV Heroes, da rede americana NBC - seu personagem mais popular, Hiro Nakamura, é fã das aventuras de Jojo. A animação, que ainda rendeu um game, causou diversos protestos em fóruns online, além de receber a condenação da maior autoridade religiosa sunita, Al Azhar, no Cairo.

Outras mostras revelam seleção bem atraente

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 23/05/08

A Quinzena dos Realizadores recebe nomes como Jean-Marie Straub, Jerzy Skolimowski e Albert Serra

Luiz Carlos Merten, Cannes

Alguns dos melhores filmes desta edição do Festival de Cannes estão passando em outras mostras que não a competitiva. A Quinzena dos Realizadores, por exemplo, abriga uma seleção muito atraente. Além de Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes, a Quinzena também mostrou Le Genou d?Artemide, de Jean-Marie Straub; El Cant des Ocells, de Albert Serra; e Cztery Noce Z Anna (Quatro Noites Com Ana), de Jerzy Skolimowski. A Quinzena pode não ter selecionado os filmes desse jeito, mas está fazendo um arco desde os anos 60 até os 2000.

Mais informações no blog do Merten

Straub surgiu no novo cinema alemão, ao qual legou um de seus mais belos títulos (o melhor?) - A Crônica de Ana Madalena Bach. Depois, em outros países - na Itália, principalmente -, ele desenvolveu em parceria com Danièle Huillet uma obra cujo rigor nunca será suficientemente exaltado - Sicília! é um exemplo perfeito. Após a morte de Danièle, Straub assina seu primeiro filme sozinho. O Joelho de Artemide retoma a cultura erudita num cinema que radicaliza o experimento sem perder a fascinação da humanidade.

Jean-Marie Straub trabalha os mitos. Skolimowski, o ex-enfant terrible do cinema polonês, que os críticos comparavam a Jean-Luc Godard, fala de sua geração e da própria linguagem - do que e como ela mudou nos últimos anos.

Albert Serra, o mais jovem de todos, é outro que adora revisar os mitos. Há dois ou três anos, ele já veio a Cannes - e concorreu à Palma de Ouro com Honor de Caballeria, uma revisão do mito de Dom Quixote, de uma dureza, mas também de uma beleza, de cortar o fôlego. Serra é de Barcelona. Músico, fotógrafo, cenógrafo, roteirista e romancista, diretor, é um multiartista, mais do que um artista multimídia. El Cant des Ocells, ou O Canto dos Pássaros, recria outra história clássica, a dos Três Reis Magos. Como no filme anterior, no qual não temos todo o Quixote, mas um fragmento magnificamente filmado (e com um impressionante uso do som), O Canto dos Pássaros também retoma a história bíblica para discutir os temas da busca e da descoberta - do conhecimento. Os cinéfilos de carteirinha vão amar.

CDs perdem espaço no Reino Unido

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 23/05/08

Pela primeira vez na história, os músicos britânicos faturaram mais com a execução de suas músicas em rádios e na TV do que com a venda de CDs, anunciou a MCPS-PRS, entidade de direitos autorais musicais no Reino Unido. Segundo dados da entidade, foram movimentados no ano passado 562 milhões de libras pelo setor, no total. Desses, 155,5 milhões de libras são resultado de vendas a rádios, TVs e internet. A venda de produtos físicos - CDs e DVDs - representa 151,8 milhões de libras do total, 1% menos que no ano anterior. O restante dos rendimentos veio de execuções em lugares públicos e vendas para o exterior.

Edward Mãos de Tesoura revela simpatia de Burton por excluídos

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 23/05/08

Ubiratan Brasil

Criado por um inventor, que morre sem completar sua obra, Edward é um ser que tem o rosto branco e mãos de lâminas de tesoura. Apesar de habilidoso na escultura, ele não pode tocar nenhum ser vivo sem feri-lo - a não ser para aparar pêlos e cabelos. Ele vive sozinho no castelo gótico de seu inventor até ser descoberto por uma vendedora de produtos Avon, que resolve levá-lo para casa. Lá, Edward tanto se apaixona pela filha da mulher como acaba acusado de crime pela população local.

Os fãs do cinema de Tim Burton já sabem que se trata de Edward Mãos de Tesoura, um de seus mais adoráveis trabalhos que será exibido pelo Telecine Cult, às 22 horas. Cineasta dos excluídos, Burton conseguiu com esta fábula uma de suas melhores produções sobre as dificuldades em se aceitar o que é diferente. Desde a interpretação do elenco (com Johnny Depp à frente vivendo uma espécie de doce Frankenstein) até a música de Danny Elfman, o filme é uma agradável opção.

Sua estética de fábula contrasta com a secura de Sweeney Tod, mais recente filme de Burton, um musical sanguinolento que foi pouco compreendido, mas que revela, novamente, sua preferência pelos excluídos e oprimidos.

Che, resistência sem perder a ternura

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 23/05/08

Mesmo com quase 4h30 de duração, obra de Steven Soderbergh sobre o guerrilheiro atraiu e seduziu um público enorme

Luiz Carlos Merten, CANNES

Steven Soderbergh trouxe um historiador, Jon Lee Anderson - biógrafo de Ernesto Che Guevara -, para a coletiva de seu filme sobre o mítico guerrilheiro cubano-argentino. Che divide-se em duas partes. Na primeira, é selada a aliança de Che e Fidel Castro, começa a campanha que, a partir de Sierra Maestra, conduz a Havana e ao triunfo da revolução contra Fulgencio Batista, entremeada de cenas em preto-e-branco que simulam um documentário sobre o Che na assembléia-geral das Nações Unidas (e defendendo a revolução junto a intelectuais norte-americanos). A segunda parte concentra-se na campanha boliviana. A primeira é épica, a segunda, centrada no fracasso, acentua as crises de asma que consumiam a figura real. Por detrás do mito, Soderbergh busca o homem.

Anderson disse que existem vários Ches Guevaras. Para os países ricos, do chamado Primeiro Mundo, ele é um item de consumo, uma t-shirt que os jovens, principalmente, consomem como a de qualquer outro ídolo da cultura de massas. Para os países do Terceiro Mundo, e especialmente os da América Latina, Che é um ícone da luta revolucionária e da resistência à opressão imperialista. O Che não sai de moda, assinala Anderson, e ele acha que sua importância não fica diminuída - pelo contrário - pelo fato de os representantes das classes oprimidas estejam chegando ao poder democraticamente, pelas eleições, sem derramamento de sangue. Ele poderia citar Luiz Inácio Lula da Silva no Brasil e Evo Morales, mas não o fez. Generalizou.

Soderbergh citou Morales. Che foi um precursor, pregando, há 40 anos, uma luta que os camponeses e índios bolivianos não apoiaram porque, de certa forma, ainda não tinham consciência de sua força. É uma frase do filme - quase no fim da segunda parte, o Che, derrotado, faz sua autocrítica, mas também diz que, quem sabe, no futuro, as massas bolivianas não se levantarão em nome de mudanças radicais? O futuro, na coletiva, ele deixa subentendido que chegou, o que relativiza a crônica do fracasso na segunda metade de seu filme. Che termina, aliás, com um plano enigmático que é bom não antecipar, mas com certeza terá de ser objeto de análise na estréia do filme.

Havia gente pelo ladrão para ver Benício del Toro - impressionante - na pele do Che, na quarta-feira à noite. Simultaneamente à sessão de imprensa, realizava-se, no Palais, a de gala, com direito a tapete vermelho. Che tem exatamente 268 minutos, quase 4h30 de duração. Passou em duas partes, e no meio a empresa produtora - a Warner França, que concordou em financiar o filme falado em espanhol - distribuiu sanduíches e água aos jornalistas de todo o mundo. O filme deixa uma impressão estranha. A primeira parte, a épica, é para cima e tem cenas de um western em que os mocinhos ganham. A segunda, a do fracasso - mesmo que relativo -, é para baixo e o herói trágico, demasiadamente humano, morre por seus erros, mas sem transigir com sua dignidade. Soderbergh disse uma coisa interessante - que não é preciso compartilhar as idéias do Che para reconhecê-lo como um dos grandes personagens do século 20 e o seu idealismo, a sua luta pela melhoria do ''outro'', como um marco da consciência humana.

Narrado quase como um documentário reconstituído, sem outras cenas íntimas que não aquelas que se referem ao personagem político - Che faz cinco filhos, mas não existe uma cena ''romântica'' -, o filme desconcerta justamente na segunda parte, que parece burocrática (como narrativa), mas que é a melhor, segundo Soderbergh. Ele não fez um filme respeitoso com o mito (ponto a seu favor). Soderbergh admira o personagem, mas falta alguma coisa - o quê? A paixão? Rodrigo Santoro, rapidamente entrevistado pelo Estado - ele faz o hoje presidente Raúl Castro -, amou a humanidade do Che de Soderbergh e disse que compartilhar da equipe montada pelo diretor, formada por técnicos e artistas de todo o mundo, foi como compartilhar o sonho universalista do Che.