sábado, 17 de maio de 2008

Dramas familiares entram na competição

Fonte: Folha de São Paulo - 17/05/08

61º Festival de Cannes

Apesar da temática comum, filmes de Desplechin e Ceylan têm formatos opostos Catherine Deneuve e Chiara Mastroianni atuam em "Un Conte de Noël", de Arnaud Desplechin, esperança francesa pela Palma de Ouro

SILVANA ARANTES

Dois dramas familiares, similares na densidade emocional, mas radicalmente diferentes na forma, estrearam ontem na competição pela Palma de Ouro no 61º Festival de Cannes.

O francês "Un Conte de Noël" (um conto de natal), de Arnaud Desplechin, tem na enfermidade -dois casos de câncer de medula e um de esquizofrenia- a detonadora das desavenças, mas também a ocasião da reunião da família Vuillard, cuja matriarca é interpretada por Catherine Deneuve.Já o turco "Üç Maymun" (três macacos), de Nuri Bilge Ceylan, usa o desvio e a culpa como elementos de ligação e afastamento da família -por dinheiro, o marido assume um delito que não cometeu; a mulher o trai, quando se apaixona por outro; o filho comete um crime, por vingança.Enquanto "Un Conte de Noël" -no qual a crítica francesa deposita as esperanças de que o país quebre o jejum de 21 anos sem vencer a Palma de Ouro- é palavroso e toma códigos do melodrama, "Üç Maymun", cujo diretor tem histórico de prêmios em Cannes, dispõe do silêncio e da inação para revelar os conflitos internos dos personagens.Os principais fatos do filme, como os crimes e a traição, não são mostrados. "Em primeiro lugar, gasta-se muito dinheiro para filmar realisticamente um acidente", diz Ceylan, adepto da produção artesanal, com equipe e recursos mínimos. "Mas eu realmente gosto mais de não mostrar [esses fatos], porque talvez na imaginação você crie melhor [as cenas]", acrescenta.

O diretor turco diz que compreende "a arte como um modo de exprimir as nossas incertezas". Nas vidas dos personagens de seu filme, o conflito em relação aos próprios sentimentos e atitudes são elementos cotidianos.Afetos e ódiosNo longa de Arnaud Desplechin, os afetos e ódios entre familiares não ficam represados por muito tempo. Eclodem em diálogos sinceros, como em um no qual mãe e filho declaram não amar um ao outro. "Gosto dessa cena, porque esse é um tipo de coisa que é proibido de dizer", afirma a atriz Catherine Deneuve."Muito liberador" é como a atriz Chiara Mastroianni classifica o longa. Filha de Deneuve com Marcello Mastroianni, Chiara interpreta no filme a nora de quem a sogra (Deneuve) não gosta. Ela, porém, é objeto do amor não apenas de seu marido como também de um primo dele.