domingo, 18 de maio de 2008

Walter Salles estréia aplaudido em Cannes

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 18/05/08

"Linha de Passe", terceira parceria com Daniela Thomas, teve primeira projeção na competição do festival ontem

Filme é sobre "gente que se salva", segundo diretor, que salientou condição bastarda da família retratada na obra como metáfora do Brasil

SILVANA ARANTES

Começou sob chuva forte e terminou em aplausos e lágrimas a sessão do filme "Linha de Passe", de Walter Salles e Daniela Thomas, em competição pela Palma de Ouro no 61º Festival de Cannes, ontem à noite.

Aplaudidos por nove minutos, os quatro atores principais do filme -todos estreantes em cinema, exceto Vinicius Oliveira ("Central do Brasil")- choraram, ao lado dos diretores, que os abraçaram, um a um.A platéia aumentou a intensidade das palmas quando Salles cumprimentou o ator Kaique de Jesus Santos, 14, que vive Reginaldo, o irmão mais novo e único negro na família-tema. Reginaldo tem a obsessão de descobrir quem é seu pai, a respeito do qual sabe apenas a profissão: motorista de ônibus.

Na história, os quatro filhos da empregada doméstica Cleuza (Sandra Corveloni) têm pais diferentes -todos ausentes. A condição de orfandade paterna no filme coincide com a "histórica" ausência da figura do pai no Brasil, conforme disse Salles, em entrevista coletiva, na manhã de ontem, em Cannes."O nome Brasil nos foi dado pelos portugueses, e o ato seguinte à nomeação foi levar para Portugal todo o pau-brasil da nossa costa. Fomos batizados por um padrasto que nos abandonou em ato contínuo", disse.

Na personagem da matriarca, ele identifica um traço de "mãe-coragem" e uma espécie de "resistência ética que representa muito o Brasil contemporâneo". Cleuza tenta fazer com que os filhos tenham a decência como padrão de conduta.O diretor observa que a violência surge no filme "interna à família" e também "esbarrando nos personagens" pelas bordas.Embora a intenção de "Linha de Passe", segundo Salles, fosse abordar "personagens que não optam pela violência", tipos "raramente mostrados no cinema brasileiro", seria "impossível" contar uma história ambientada "nesse universo [da exclusão social] sem que a violência o rodeasse".

Daniela Thomas, que é também co-roteirista (com George Moura e a colaboração de Bráulio Mantovani), afirmou que São Paulo "é um sexto personagem". "São Paulo é uma cidade sem paisagem. No Rio, você tem a paisagem e [com ela] um certo sentido de redenção."Em "Linha de Passe", os três irmãos mais velhos de Reginaldo também lidam cotidianamente com sonhos e frustrações. Dario (Vinicius de Oliveira) sonha com uma carreira no futebol. Tenta ultrapassar as "peneiras" nas quais os clubes selecionam novos talentos, mas luta também contra o tempo. Está prestes a completar a idade-limite de 18 anos.

Dênis (João Baldasserini) é motoboy. Tem a dívida da moto a saldar e sente a pressão da ex-namorada, com quem teve um filho, para contribuir nas despesas com o bebê. Depois de testemunhar a ação de colegas que roubam motoristas, sente-se tentado a fazer o mesmo.Dinho (José Geraldo Rodrigues) é o que trabalha como frentista. Convertido à fé evangélica, auxilia nos trabalhos religiosos e administrativos da igreja e testemunha a luta do pastor para manter os fiéis (e suas contribuições financeiras), frente ao surgimento de novas agremiações religiosas."[O filme] É um pouco a imagem de um Brasil que tenta se reinventar, mas sem romantismo. É impossível romantizar a realidade social brasileira", afirmou Salles.

Na hora da sessão de ontem, um temporal obrigou os convidados a usar guarda-chuvas até a porta do Grande Teatro Lumière. Ainda assim, muitos molharam o traje de gala exigido para a ocasião. O aguaceiro retirou um pouco do tom solene do tapete vermelho.

Gaúcha ensaia carreira em Bollywood

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 18/05/08

Modelo Bruna Abdalah, 21, começa a chamar atenção na forte indústria cinematográfica indiana; idioma ainda é barreira

Brasileira fez uma ponta em superprodução, apresentou programa de TV e já virou alvo da imprensa de fofocas: "Tiro o telefone do gancho, não dá"

LUCAS NEVESDA

Na cobertura de um arranha-céu futurista, uma bela morena em frugais trajes vermelhos sacoleja enquanto entoa "Rehem Kare", circundada por uma dezena de dançarinas vestidas à la Liza Minnelli em "Cabaret". Depois do refrão, entra um rapper indiano cabeludo pedindo "have mercy, girl, have mercy" (tenha misericórdia, garota...).A cena é de um dos números musicais do filme "Cash" (veja digitando "bruna abdalah" + "cash" no YouTube), e a Britney Spears indiana é a gaúcha Bruna Abdalah, 21, modelo que tenta a sorte em Bollywood, a forte indústria cinematográfica daquele país. A ponta na fita policial ("Todo mundo é bandido no filme, mas não posso falar direito; nem eu assisti") é seu début na tela grande. "A letra da canção é sobre "worshipping a god" [adorar um deus]", explica, num português sem sotaque, mas, como se vê, hesitante.Antes de "Cash", ela estrelou um clipe da estrela local Shekhar Suman. No início deste ano, apresentou, num canal de TV aberta, o concurso "India's Hottest", em que, "de vestidinho curto, coladinho", buscava o casal mais bonito do país -que levou US$ 10 mil (cerca de R$ 16.500).Foi esse programa que a tornou conhecida do grande público indiano -e, por tabela, alvo preferencial da imprensa de fofocas. Já andaram até apontando-a como pivô da separação de um casal de estrelas (Salman Khan e Katrina Kaif). Além de Britney, seria ela uma Angelina Jolie indiana?"Fiquei no jornal e na televisão por duas semanas. Que adianta? Se você dá entrevista, eles não escrevem o que tu fala. Se não dá, eles escrevem do mesmo jeito! Encontrei o Salman [Khan] duas vezes. Ele me aconselhou e me deu o nome de uma agência", diz ela.Aqui no Brasil, onde passa férias, Abdalah também parece algo incomodada com o interesse da mídia por sua carreira. "Não sei o que aconteceu. Out of the blue [de repente], todo mundo começou a ligar e perguntar de "Cash". Tiro o meu telefone do gancho. Não dá."

Modelo fashion?

Antes de começar a deixar o telefone mudo, ela trabalhou, na adolescência, numa agência da Caixa Econômica Federal. "Adoro matemática, números. Sempre quis fazer economia ou comércio exterior. Pensei que trabalhar no banco iria ajudar."Em 2001, aos 15 anos, quiçá entediada com a numeralha, inscreveu-se no concurso Garota Verão de sua cidade, Guaíba. Numa das seletivas, foi "descoberta" por um olheiro da Ford Models, que logo a indicou a um agente japonês. Seguiram-se três anos de viagens por Japão, Tailândia, Malásia, Indonésia, China e Filipinas. Até que colegas a convenceram a fixar residência na Índia."Acho que sou parecida com as meninas de lá. Não sou modelo fashion, assim, sabe? Não sou muito alta, tenho mais corpão, não sou muito seca. Acho que eles não gostam muito de modelo fashion. Aí dei sorte", sugere, para explicar o sucesso.Agora, ela estuda o idioma hindi para poder assumir papéis de peso. "Já tive vários convites, mas não quero fazer dublagem. Quero falar fluente, saber me expressar. Tem um monte de gente que me chama de louca [por recusar ofertas]."Enquanto isso, ela decora fonemas para declamar em anúncios. "Acabei de gravar um da pasta de dente Colgate. Vou ser a garota Colgate 2008. Sou muito orgulhosa de falar isso: simplesmente todas as mulheres da Índia fizeram teste, e eu consegui. Eu dou mesmo para comercial, não adianta."