sábado, 20 de outubro de 2007

E a pequena Miss Sunshine ficou mais velha

Filme completa um ano em cartaz neste fim de semana

Luiz Carlos Merten

Embora o fato não seja novo, ocorre cada vez com menos freqüência. A rotatividade dos lançamentos e a sobrevida que muitos títulos ganham no mercado de DVD praticamente eliminam as chances de que um filme permaneça muito tempo em cartaz. O último caso recente havia sido 2046, de Wong Kar-wai, que ficou um tempão no HSBC Belas Artes. No mesmo espaço, outro filme completa um ano em cartaz neste fim de semana. É A Pequena Miss Sunshine, de Jonathan Dayton e Valerie Faris. Parabéns!

Mais do que assinalar o fato como algo pouco freqüente no mercado brasileiro (e até internacional), pode-se procurar entender os motivos que fizeram com que Miss Sunshine virasse o que os norte-americanos chamam de ‘sleeper’, um filme cujo sucesso colhe todo mundo de surpresa. Os críticos gostaram de Miss Sunshine - os adjetivos variaram de ‘simpático’ à classificação ‘excelente’ -, mas foi o público, com o boca a boca, que selou a consagração. Claro que ajudou a indicação do filme para o Oscar da Academia de Hollywood. É verdade que os acadêmicos preferiram premiar o Martin Scorsese de Os Infiltrados - mais cinemão, é impossível -, mas a exposição que esse filme pequeno, independente, ganhou na mídia bastou para que todo mundo soubesse da existência de Miss Sunshine.

Dayton e Valerie são estreantes. Vieram da TV, onde faziam comerciais. Nada mais na contramão do consumismo do que esta história sobre uma família disfuncional que cai na estrada. De perto, ninguém é normal, mas a família reunida na van de Miss Sunshine parece sob medida para compor um pequeno retrato do bestiário da classe média dos EUA. O pai, a mãe, os filhos, o avô, o tio enrustido - cada um tem seu problema especifico, mas todos estão a bordo, coexistindo como grupo e unidos em torno do mesmo objetivo. A Miss Sunshine do título é essa menina de 7 anos, sem gracinha - mas a atriz Abigail Breslin é graciosíssima -, que sonha vencer um concurso de beleza para crianças. A família atravessa os EUA, da Califórnia à Flórida. Quando chegam ao local do concurso, a menina não se enquadra no modelito das demais concorrentes. Impulsionada pelo avô, ela põe para quebrar.

Um pouco antes de Miss Sunshine, o diretor argentino Pablo Trapero havia feito outro filme legal, sobre outra família disfuncional na estrada, mas o público nem de longe fez de Família Rodante um grande sucesso. O segredo de Jonathan Dayton e Valerie Faris está na empatia que eles conseguiram estabelecer com as platéias - no plural, já que o filme fez aquilo que se chama de ‘cross-over’, agradando a diversas faixas de espectadores. A viagem é transformadora para todos os personagens, o elenco (Greg Kinnear, Toni Collette, Steve Carrell, Alan Arkin)é perfeito, o desfecho é, como se diz, ‘ultrajante’, além de muito divertido. Miss Sunshine ganhou dois Oscars - melhor roteiro original, do estreante Michael Arndt, e melhor coadjuvante (Arkin). Um jovem e um veterano. Diferentes gerações, celebrando um filme também diferente.

(SERVIÇO)Pequena Miss Sunshine (Little Miss Sunshine, EUA/ 2006, 101 min.) - Dir. Jonathan Dayton e Valerie Faris. 14 anos. HSBC Belas Artes 6 - 14h30. Cotação: Ótimo

'Capitão Fábio' abre boteco em Perdizes

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 20/10/07

Ator de ‘Tropa de Elite’, Milhem Cortaz aproveita popularidade

Sérgio Duran

Ninguém sabe direito qual é o destino final do capitão Fábio no filme Tropa de Elite, de José Padilha, depois do “pede pra sair”. Pois bem, ele virou dono de boteco e inaugura hoje uma modesta casa em Perdizes, na zona oeste de São Paulo. Brincadeiras à parte, o ator Milhem Cortaz, de 34 anos, diz nunca ter gozado de tamanha popularidade quanto agora, com o filme em cartaz. “O Tropa foi, para mim, uma espécie de novela das oito da Globo.”

Cortaz discorda das críticas de que o filme seja fascista, de que defenda o Estado policial ou ainda que seja uma narrativa do ponto de vista dos policiais. “É um dos filmes mais sinceros e cidadãos que eu já fiz”, afirma. “Faz a gente ver o nosso ridículo. Quem não encontra um preto na rua à noite e muda de calçada? Bem lá no fundo, todo mundo é reacionário. É bom que as coisas estão ficando mais claras nessa discussão.”

Para o ator, a formação de documentarista de Padilha colaborou para a construção de “um filme vital” para o Brasil neste momento. “De repente tudo conspirou a favor, até o assalto ao Luciano Huck”, considera. “O que escreveram depois, me desculpe, foi nada a ver. Só porque o cidadão ganhou dinheiro na vida passou a merecer ser assaltado?”, questiona.

Cortaz é um ator produtivo no cinema. Antes do capitão Fábio, interpretou o matador Peixeira em Carandiru, de Hector Babenco, papel que rendeu, em suas palavras, o respeito da classe artística. “Mas foi o capitão Fábio que me deu popularidade”, conta. Em sua opinião, o militar que interpretou é um homem “do bem”, apesar de cobrar propina para proteger comércios e de explorar a prostituição em Copacabana (zona sul do Rio), entre outras atividades paralelas. “Esses esquemas são completamente naturais para ele”, explica. “Porém quando os outros dois companheiros pegam o dinheiro do jogo do bicho e deixam o comandante furioso, ele não entrega os amigos. Ele assume a culpa”, analisa.

Tropa é o 31º filme da carreira de Cortaz. Há pelo menos outras três produções para estrear, entre as quais Encarnação do Demônio, de José Mojica Marins, no qual figura até José Celso Martinez Corrêa.

O Cortás Pastéis - Espetos (Avenida Professor Alfonso Bovero, 584), conta, é um projeto familiar. Ele montou o negócio, na verdade, para o pai, Milhem Cortás Neto, de 65 anos, comerciante aposentado que durante décadas foi proprietário de uma lanchonete, ao lado da Estação Vergueiro do Metrô. Chamava-se Tinho e tinha como quitute mais famoso do cardápio o pão de queijo. No boteco que inauguram hoje, eles investirão em espetinho, pastel de feira e cachaça. “Será um boteco tradicional mesmo. Eu sempre adorei boteco, desses bem toscos, simples mesmo. Também sempre adorei cachaça. Não bebo cerveja”, conta Cortaz, que tem ascendência árabe e italiana, estudou no Teatro Piccolo de Milão na década de 80 e é um velho conhecido dos palcos paulistanos.
A todos os amigos ele pediu que levem um prato de casa para a inauguração do bar. No futuro, quando o cliente se tornar assíduo, terá direito a deixar um prato no boteco e a pedi-lo toda vez em que visitá-lo. Será uma forma de fazer com que todos se sintam em casa quando estiverem no boteco. “Aqui será um espaço da minha família, de amigos e parceiros”, diz. “Essa foi a maior vantagem de abrir esse bar. Nos últimos seis meses, conversei mais com o meu pai do que nos últimos seis anos. Montei isso aqui para ficar mais perto dele.”

Quatro vezes o talento de Gael

Data: 20/10/07

Ator, diretor e produtor fala sobre filmes, diretores, mulheres e amor

Luiz Carlos Merten

Quem leu, anteontem, a entrevista de Hector Babenco na abertura da 31ª Mostra Internacional de Cinema talvez se surpreenda ao saber que Gael García Bernal desmente seu diretor em O Passado. Babenco disse que após a filmagem, ao levar Gael para o aeroporto, perguntou-lhe por que quis fazer o papel. Gael teria respondido que era filho de pais separados, não falava (nem via) o pai há anos quando ele ressurgiu em sua vida e o levou ao cinema. O filme era Pixote. “Hector não me levou ao aeroporto. E eu vi Pixote em Londres, quando lá estudava, aos 16 anos”, ele conta. A pergunta vem, inevitável - se não foi como Babenco conta, por que ele quis fazer O Passado? “Em primeiro lugar porque tinha muita vontade (ganas) de trabalhar com Hector. E gostei do roteiro, que despertou em mim a vontade de fazer um filme de amor, coisa que não fazia há tempos.” A versão do diretor é tão bonita - apesar da sinceridade de Gael - que dá vontade de lembrar John Ford. Print the Legend, dizia o mestre no desfecho de O Homem Que Matou o Facínora, um dos grandes westerns crepusculares do cinema. Quando a versão é melhor, imprima-se a versão.

Gael chegou a São Paulo na quinta-feira, para uma curtíssima estada. Veio prestigiar a exibição de O Passado e falar um pouco sobre outros três filmes aos quais está ligado, no evento deste ano. Gael García Bernal pode virar o ‘muso’ da 31ª Mostra. Além de O Passado, é ator e diretor (sua estréia) em Déficit, atua em Sonhando Acordado, de Michel Gondry, e produz - por meio da empresa Canana, que fundou em parceria com outro astro mexicano, Diego Luna - Cochochi, de Laura Amélia Guzmán e Israel Cárdenas. Ele se admira - achava que eram só três. O filme de Gondry é do ano passado. Gael adora o diretor. “É muito inventivo.”

Houve outro motivo para que Gael quisesse fazer O Passado. “Queria voltar à Argentina”, ele conta, e o filme é muito argentino, com esse personagem de jovem-velho (como o define o diretor) que é tipicamente portenho. “Rimini é diferente dos outros personagens que tenho criado. Ele é dependente. É um personagem cujas mulheres e as palavras o guiam do princípio ao fim. Rimini tem uma relação distinta com cada uma delas. São as mulheres que o conduzem até onde deve chegar.” É curioso que Gael cite as palavras, porque uma das características marcantes do filme é que, nos 10 ou 15 minutos finais, Rimini quase não fala. Deve dizer duas ou três palavras, uma frase. Gael atua muito mais com o físico, o olhar, os gestos do que propriamente com a palavra. É difícil?
“Havia muita coisa difícil neste filme, mas por isso ele era estimulante. O amor é uma vertigem física vivida pelos personagens. Eles, principalmente as mulheres, se jogam na paixão”, ele diz. Embora a citação a Adèle H, de François Truffaut, não se refira exatamente a isso - o filme entra para dar a (des)medida das mulheres que amam demais -, Babenco compartilha, com o autor francês, dessa certeza de que ele (e seus personagens) vivem o amor como embate entre o gesto impulsivo e a palavra consciente. Além do roteiro, sobre o qual trabalhou, Gael leu, naturalmente, o livro de Alan Pauls em que Babenco se baseou. O filme elimina partes inteiras do livro. Há uma parte sobre um pintor, que culmina com o roubo de um quadro, que deve ocupar umas 50 páginas. Babenco tirou tudo.

“Não senti falta. Creio que a história do pintor era outra história, paralela à de Rimini e suas mulheres.” Ele não contesta as escolhas do diretor. “Não - porque ele é quem tem o filme na cabeça. O prazer de participar de um filme como este é se entregar à batuta de um maestro como Hector.” Ele desmente insinuações, que saíram na imprensa internacional, de que teria brigado com o diretor, como brigou com Pedro Almodóvar, durante a realização de Má Educação. “É o tipo do boato maldoso que certas pessoas gostam de difundir.” Babenco contou que Gael ajudou no processo de seleção das atrizes - Analía Couceyro, Moro Anghileri e Ana Celentano. “Foi muito rico trabalhar com elas, mas tem de ser assim. Se não houver interação, não há prazer.”

Quando iniciou a filmagem de O Passado, Gael estava em pleno processo de montagem do filme que assinala sua estréia como diretor - Déficit. É a história do filho de um político corrupto (e influente). Durante um fim de semana numa casa da família, fora da Cidade do México, Cristóbal - é o nome do personagem - estabelece um jogo de poder com as mulheres e os amigos, mas o tema do filme é a sua crise, a vontade de ser ele mesmo. “O que me atraiu foi essa idéia de trabalhar sobre um personagem da classe alta, coisa que nunca havia feito antes. Ele carrega o peso dos atos do pai e a idéia é justamente discutir a responsabilidade individual. Não precisamos seguir com os erros que nos são impostos.”

Ele não pensou em outro ator para fazer o papel? “Pensei, sim. Até por ser minha estréia, queria ficar mais livre, para me dedicar só à direção. Ocorre que chegamos em cima da rodagem sem um ator definido e, a esta altura, já estava tão envolvido com o personagem que decidi fazê-lo eu mesmo.” Foi um filme experimental feito em digital, com baixíssimo orçamento. “A idéia era justamente viabilizar uma produção de baixo custo, sem nenhuma ajuda. Não podemos ficar nos queixando de que falta apoio, que falta isso ou aquilo. É preciso fazer. Formávamos uma equipe jovem - todo mundo na faixa de 30 anos, ou menos. Como trabalhávamos com vídeo, podíamos repetir bastante. Foi assim que, embora tivéssemos um roteiro-guia, pudemos improvisar bastante. Duas ou três cenas, inclusive, foram acrescentadas ao roteiro em função do que descobríamos na filmagem.”

Haver-se transformado, ele próprio, em diretor mudou alguma coisa na maneira de Gael atuar, ou entender o cinema? “Com certeza, sim”, ele diz. “Entendo agora melhor o ponto de vista do diretor.” Por falar em diretores, Gael trabalhou com Alejandro González Iñárritu (Amores Brutos e Babel) e Alfonso Cuarón (E Tua Mamãe Também), que constroem hoje uma carreira internacional, consagrados em Hollywood. Isso o surpreende? “Não, pois são muito inteligentes e dominam sua linguagem. E os dois são generosos. Não se preocupam só com eles. Gostam de apoiar. Ambos têm um lado paternal muito forte. Considero-os meus mentores.” Em matéria de diretores, ele dedica um carinho todo especial a Walter Salles, com quem fez Diários de Motocicleta. Embora tenha convivido com filhos de exilados políticos, quando garoto, no México, ele diz que foi Walter quem lhe permitiu descobrir o Brasil. E Carlos Reygadas, que ganhou o prêmio da crítica no Festival do Rio, com Luz Silenciosa? “Carlos é um amigo muito exigente. Gostaria de trabalhar com ele, mas não dá. Carlos só utiliza atores não profissionais.” Sobre a empresa que criou - Canana -, esclarece. “Não queremos, nem Diego nem eu, viabilizar só nossos projetos. Cochochi nos chegou, nos apaixonamos pela idéia. Resultou num filme maravilhoso.”

(SERVIÇO)
Cochochi, de Israel Cárdenas, Laura Guzmán. Cinesesc: Hoje, 20h10. Unibanco Arteplex 1: Dia 25, 18h50. HSBC Belas Artes 2: Dia 28, 16h30. Cotação: Ótimo
Déficit, de Gael García Bernal. Faap: Hoje, 19h30. Cinesesc: Dia 22, 15h10. Cinemateca. Dia 26, 15h10. Cotação: Regular
O Passado, de Hector Babenco. Cinesesc: Dia 24, 22h10. Cine Bombril 1: Dia, 26, 18h10. Cinemark Eldorado: Dia 28, 19 h. Cotação: Bom
Sonhando Acordado, de Michel Gondry. Cinemateca: Hoje, 19 h. Cinesesc: Dom., 13h30. Cotação: Regular