segunda-feira, 26 de novembro de 2007

O éden sem classes

Lady Chatterley, uma bela adaptação do romance de D.H. Lawrence, resgata uma heroína libertária

Isabela Boscov

Escrito e reescrito pelo inglês D.H. Lawrence (1885-1930) nos últimos anos de vida, numa espécie de febre contra os males de seu tempo, o romance O Amante de Lady Chatterley foi um dos maiores escândalos da história da literatura, comparável ao criado por Gustave Flaubert no século XIX com Madame Bovary. Apenas em 1960, mais de três décadas após sua publicação, ganhou uma versão sem cortes na Inglaterra – onde continuou a ser tachado de pornográfico, doentio ou imoral. A protagonista, a jovem Constance Chatterley, mora com o marido, Clifford, numa propriedade cuja riqueza é mantida pelas minas de carvão adjacentes. Clifford voltou paraplégico da I Guerra, e o contato físico entre ele e a mulher se resume aos cuidados que ela lhe dispensa (e há indícios de que mesmo antes esse contato não era lá grande coisa). Constance está fenecendo, assim como esse mundo de distinções sociais e riqueza ociosa à volta dela. A certa altura, porém, ela começa um caso com Oliver Parkin, o guarda-caça da propriedade, e desabrocha. Lawrence confronta um punhado de tabus: o veterano de guerra impotente, a insatisfação sexual feminina, o adultério – e entre classes sociais diferentes –, as muitas cenas explícitas de sexo e a linguagem franca. Nada disso, porém, poderia ser considerado subversivo nos dias de hoje, e a inteligência com que a diretora Pascale Ferran encontra outro cerne no romance é o trunfo de Lady Chatterley (França/Inglaterra, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país.

O centro do filme, baseado em John Thomas and Lady Jane, a segunda e menos verbosa versão escrita por Law-rence, é o erotismo. Não apenas o do despertar sexual de Constance e Oliver (Marina Hands e Jean-Louis Coul-loc’h), que criam na floresta onde se encontram um éden sem classes: quanto mais a protagonista estreita sua relação com a natureza e com seu próprio desejo, mais essa sensualidade adquire um efeito contagiante. A diretora fotografa de forma inspirada esse lento florescimento, sublinhando os sons da natureza, a mudança das estações e fazendo com que até a fisionomia de Constance pareça cada vez mais limpa e aberta. Ler Lawrence hoje pode ser mais uma tarefa do que um prazer. Mas Lady Chatterley recupera o achado verdadeiramente inovador e transgressivo do autor – a heroína que, em vez de ser punida pelo adultério, como a pobre Emma Bovary, dá as costas a toda convenção e insiste no júbilo que sua paixão lhe proporciona.

Fonte: Revista Veja - www.veja.com.br - Acesso em: 26/11/07

A metamorfose do mal

No magistral A Vida dos Outros, um espião da Alemanha Oriental descobre a beleza

Isabela Boscov

Sentado à frente da máquina de escrever, com fones de ouvido que filtram a conversa vinda do andar de baixo, Gerd Wiesler, cinqüentão, espião zeloso da Stasi, a horrenda polícia secreta da Alemanha Oriental, é o rosto de um estado que se transformou inteiro numa máquina de vigiar e corromper. Um rosto cinzento que, muito apropriadamente, não tem expressão nem inflexão – de um homem cuja existência ninguém registra, mas que vive de registrar a existência alheia. No início do magnífico A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen, Alemanha, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país, Wiesler dá a um grupo de futuros espiões aulas sobre técnicas científicas de interrogatório; na cena seguinte, na platéia de um teatro, reage não com a objetividade que prega, mas por instinto. A questão é que espécie de instinto, se profissional ou pessoal. Wiesler olha a figura de Georg Dreyman (Sebastian Koch), bonito, autoconfiante e o único dramaturgo leal ao Partido que também é lido no Ocidente, e se convence de que ninguém pode ser tão perfeito assim. Ou talvez Wiesler tenha se perturbado com o beijo que flagrou, nos bastidores, entre Georg e sua atriz, a bela Christa-Maria (Martina Gedeck). Sejam quais forem seus motivos, no dia seguinte Georg terá deixado de ser o único artista do país livre da vigilância estatal. Wiesler entra em seu apartamento durante sua ausência, esconde microfones por toda parte e, do andar de cima, se transformará no vírus que vai infectar a intimidade de Georg e Christa. No meio do caminho, porém, algo acontece: o espião ouve, em vez de uma conspiração, uma música que o emociona; e, principalmente, escuta nas pequenas interações do casal algo que não conhece, mas que reconhece de imediato como precioso – amor, alegria, atração, beleza, calor. Para sua surpresa e também para seu imenso risco pessoal, ele se reconfigura então de delator em protetor.

Ganhador do Oscar de produção estrangeira deste ano, A Vida dos Outros se passa em 1984, cinco anos antes da queda do Muro de Berlim, quando a Stasi tinha algo como 100.000 agentes a seu serviço, além de uns 170.000 informantes. Mais metódica e paranóica ainda que a KGB russa, a organização mantinha registros de cada uma das máquinas de escrever do país – o que tornava impossível escrever um texto anônimo – e preservava até amostras do cheiro de seus suspeitos, caso fosse necessário procurá-los com cães. A australiana Anna Funder, autora do premiado livro Stasiland, objetou com veemência ao filme: segundo ela, não há, em todos os registros da Stasi, um único indício de que alguma vez um espião tenha protegido seus vigiados. Essa licença poética, porém, é a única que o diretor estreante Florian Henckel von Donnersmarck toma com a história. Em um roteiro primoroso, ele combina os fatos da vida na Alemanha comunista à trajetória de seus personagens de forma indivisível. Cada detalhe factual corresponde a um ponto dramático do enredo. No cinema recente, de qualquer nacionalidade, é difícil pensar num outro filme que atinja essa fusão entre o ficcional e o histórico de forma tão completa; e, no cinema alemão em particular, esse é um exemplar único na sua recusa em romantizar ou relativizar a crueldade que prevalecia do lado de lá do Muro, como o fazia Adeus, Lênin!. Aqui, a supressão do íntimo e do pessoal é absoluta – um pesadelo orwelliano dentro do qual gerações tiveram de viver, dia após dia.

Se A Vida dos Outros é verdadeiramente superlativo, porém, a razão está em Ulrich Mühe, que foi um dos grandes nomes do teatro alemão-oriental, esteve ele próprio sob vigilância da Stasi e submeteu o diretor a duas sabatinas antes de se confiar a ele. Mühe constrói o impassível Wiesler sem nenhum dos recursos práticos de um ator – olhares, gestos, tons de voz. Mais do que encarnar o personagem e sua metamorfose, ele os irradia para a platéia. E, com sua frase final – um simples "É para mim" –, ele demole até a última justificativa possível para a existência de algo como a Alemanha Oriental. Mühe morreu em julho passado, aos 54 anos, de câncer do estômago. Deixou uma carreira não mais do que breve no cinema. Mas, nem que fosse feita unicamente deste filme, ela já seria colossal.

Fonte: Revista Veja - www.veja.com.br - Acesso em: 26/11/07

Épico ou cômico?

Com Beowulf, Robert Zemeckis fez uma piada ruim – e interminável

Isabela Boscov

Está batendo na porta errada quem pensa encontrar em A Lenda de Beowulf (Beowulf, Estados Unidos, 2007) qualquer coisa que explique ou justifique por que esse poema épico, uma das peças fundadoras da língua e da literatura inglesas, resistiu aos últimos 1.500 anos. Em comum com a saga do guerreiro que livra um reino escandinavo de monstros como o medonho Grendel e um dragão, o filme que estréia nesta sexta-feira no país tem os nomes dos personagens e, vá lá, uma ou outra situação. Umas poucas coincidências, enfim, complementadas por quantidades imoderadas de tolice, chatice e humor involuntário. Como já fizera em O Expresso Polar, o diretor Robert Zemeckis se vale aqui da performance capture, técnica que costuma ser usada tão-somente como auxiliar na feitura de um filme, e que só ele entende como sua principal razão de ser.

Em linhas gerais, o que a performance capture faz é pegar atores como Anthony Hopkins, Robin Wright-Penn e John Malkovich, vesti-los em macacões cheios de sensores para que as coordenadas de seus movimentos e expressões sejam transmitidas ao computador, e então transformá-los em desenho animado – processo ao fim do qual todos eles ficam mais esquisitos e canastrões, com cara de algo que sobrou de Shrek. O inglês Ray Winstone, que é um grande ator mas tem uma bela barriga de cerveja, ilustra o máximo de sucesso que Zemeckis conseguiu atingir: no papel de Beowulf, ele aparece malhadésimo (o melhor momento é a cara de ai-jesus que a rainha faz quando ele deixa cair a túnica), mas drenado de qualquer talento – uma espécie de Patrick Swayze viking. Já Angelina Jolie, como a bruxa que seduz os guerreiros, demonstra o que acontece quando se tenta retocar o irretocável.

Como agravante, A Lenda de Beowulf foi feito para ser exibido em 3D nas salas que dispõem do sistema. Toda a energia que poderia ter sido empregada na confecção do roteiro – algum roteiro – foi despendida em bolar situações em que objetos e pessoas são arremessados perpendicularmente à tela. Some-se a isso a apelação que Zemeckis confunde com sexo e violência, mais uma variedade extensa de sotaques bizarros, pretensamente arcaicos, e o que se tem não é mais uma epopéia. É uma piada, ruim e interminável.

Fonte: Revista Veja - www.veja.com.br - Acesso em: 26/11/07

Diretor de "Tropa de Elite" é tema de reportagem no "NYT"

DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta José Padilha, diretor do filme "Tropa de Elite", foi tema de longa reportagem na edição de sábado do jornal "The New York Times". Escrito pelo correspondente Alexei Barrionuevo, o texto foi publicado na seção fixa de perfis do diário.

Sob o título "Um cineasta e um desafiador da consciência do Brasil", a reportagem narra a trajetória de Padilha no cinema, a partir do documentário "Os Carvoeiros", de 1999, até o debate em torno da atuação da polícia suscitado por "Tropa de Elite".

O filme, que estréia nos EUA no dia 25 de janeiro, já havia sido tema de reportagem no "New York Times". Em 14 de outubro, dois dias depois da estréia no Brasil, o jornal publicou matéria sobre o longa, tratando inclusive da pirataria do filme."

Eu não sei o que isso significa, mas nunca esperei criar este grande fenômeno social", afirmou Padilha na reportagem de anteontem.O diretor disse ainda que o filme foi "grosseiramente mal-entendido por alguns, especialmente no Brasil".

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - www.folha.uol.com.br - Acesso em: 26/11/07

Filme de Cao Hamburguer leva prêmio em Huelva

"O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", longa que representa o Brasil na disputa por uma vaga ao Oscar de filme estrangeiro, recebeu o prêmio especial do júri no Festival de Cinema Ibero-Americano de Huelva, na Espanha. O grande vencedor da 33ª edição foi "Luz Silenciosa" (México), de Carlos Reygadas. Leonardo Medeiros foi eleito o melhor ator por "Não por Acaso".

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - www.folha.uol.com.br - Acesso em: 26/11/07

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

...e o vento voltou...

O livro... e o vento levou ganha uma continuação escrita por fazendeiro americano que detesta o original

NATÁLIA RANGEL

Está de volta ...E o vento levou, um dos mais famosos romances da literatura americana. Não se trata de uma reedição do livro clássico, escrito em 1936 por Margaret Mitchell, mas de sua continuação. Chama-se Rhett Butler's people (Editora St. Martin, 400 págs., ainda sem título em português) e seu autor é o ex-publicitário e hoje criador de ovelhas na Virginia Donald McCaig. A história original se passa durante a guerra civil americana e centra-se na relação amorosa entre uma filha de fazendeiros (Scarlett O'Hara) e um arrivista aventureiro (Rhett Butler) - mantendo-a sempre no primeiro plano. Com seus ingredientes épicos e melodramáticos, a obra foi levada ao cinema em 1939 e ganhou dez Oscar, entre eles o de melhor atriz (Vivien Leigh). Rhett Butler é vivido por Clark Gable.

Se no primeiro livro pouco se sabe sobre as origens de Butler, no novo a sua vida é mostrada em detalhes. Rhett Butler's people privilegia esse personagem e constrói a trama do ponto de vista dele. O leitor vai ficar sabendo que Butler cresceu numa plantação de arroz e tinha um pai muito violento, razão de sua fuga de casa. A amizade entre Butler e a prostituta Belle Watling, por sua vez, começou muito antes do encontro dele com Scarlett e continua no novo romance. A história original termina com Butler e Scarlett separados - ela lhe diz que vai morrer de amor e ele responde, numa antológica frase da literatura: "Querida, não estou nem aí." O livro-continuação os reaproxima, mostrando uma Scarlett bem menos impetuosa e determinada e um Butler sem mistérios e sem cinismo - é quase um pai de família padrão.

APOSTA A editora pagou US$ 4,5 milhões pelo direito de publicação

Com edição brasileira prevista para o início do ano que vem pela editora Rocco, o novo livro promete ser um negócio de milhões. Pelo menos essa parece ser a aposta da editora St. Martin, que pagou US$ 4,5 milhões adiantados para a família de Margaret Mitchell pelos direitos autorais, e colocou nas livrarias dos EUA uma tiragem de cerca de um milhão de cópias. A escolha de quem escreveria a continuação foi uma saga à parte que durou 12 anos: antes de McCaig, outros dois escritores foram contratados e logo demitidos: a escritora inglesa Emma Tennant chegou a terminar o romance (575 páginas), mas ele foi recusado. Na avaliação dos editores, a obra tinha uma sensibilidade muito britânica e poderia não satisfazer o gosto americano. No contrato, constava a exigência de não incluir na obra referências a incesto, miscigenação ou relações homossexuais.

Outro escritor, dessa vez americano, foi vetado antes mesmo de assinar o contrato. Pat Conroy, autor de O príncipe das marés, caiu em desgraça porque numa entrevista ironizou a suposta independência que teria no projeto, declarando que começaria o livro com a seguinte frase: "Depois de fazer amor, Rhett olhou para Ashley Wilkes e disse: 'Ashley, eu já lhe contei que minha avó era negra?'". Além da referência à raça negra, ficava mais que claro que retratava uma relação homossexual, já que, assim como Rhett, Ashley também é homem - o homem, aliás, por quem Scarlett acredita ser apaixonada. McCaig é então convidado a assumir a tarefa porque um dos representantes editoriais da família Mitchell leu o seu livro sobre a guerra civil americana e gostou. Escolhido, ele gastou seis anos só em pesquisas. McCaig conta que jamais lera o romance. "Eu caí de pára-quedas nessa história toda. Nunca tinha lido ...E o vento levou nem visto o filme. O livro da senhora Mitchell era para mim uma novela, e não um fenômeno", disse McCaig em entrevista à ISTOÉ.

"Scarlett O'Hara é a melhor personagem feminina da literatura americana. E a narrativa do livro, ainda que floreada, atrai o leitor para a história"

DONALD MCCAIG, autor de Rhett Butler's people

O autor escreveu o romance em sua fazenda de carneiros: "Trabalhei, provavelmente, uns 300 dias por ano." A narrativa se passa entre os anos de 1843 e 1874. McCaig gostou de dar vida nova aos tipos criados por Margaret: "Scarlett O'Hara é a melhor personagem feminina da literatura americana. E a narrativa do livro, ainda que floreada, atrai o leitor para a história." Mas é implacável com as mil e poucas páginas do romance original: "É muito longo e o enredo é, muitas vezes, inverossímil e enfadonho." Consigo é generoso: "Escrevi um bom livro. Não conheço muitos autores que pudessem ter feito isso dar certo."

CLÁSSICO No filme baseado no livro original, Clark Gable e Vivien Leigh imortalizaram Butler e Scarlett. Na nova obra, que também deverá ir para as telas, ela é menos impetuosa e ele, menos cínico

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br - Acesso em: 19/11/07

Cinema de artista

Artistas plásticos fazem trabalhos em vídeo tendo a linguagem do cinema clássico como referência. Mas a exibição é feita em museus

PAULA ALZUGARAY

CITAÇÃO Rodrigo Andrade inspirou-se na tela Office at night, do pintor americano Edward Hopper, para criar o enredo de Uma noite no escritório

Em entrevista a um talkshow da televisão italiana, a cineasta Ornella Castelli di Sabbia ataca a unanimidade da crítica especializada, que aclamou seu novo filme, Lost story, como "um reflexo da impossibilidade da narrativa tradicional no contexto pós-moderno e pós-estruturalista". Sob aplausos e assobios, ela diz nos primeiros minutos do mesmo Lost story, que pode ser visto até 2 de dezembro, no Sesc Pompéia, em São Paulo, na exposição CTRL_C + CTRL_V / Recortar e Colar, ou ainda na categoria "weird stuff" do MySpace.com e do YouTube.com: "Meu filme não é sobre a impossibilidade de se contar histórias, como dizem esses jornalistas dementes. Ele conta uma história; uma história perdida, é certo; mas nunca uma história impossível." A questão imposta à "prima-dona do cinema italiano contemporâneo" pode ser demente, mas não é nova. Ela vem sendo colocada aos cineastas de todo o mundo desde a entrada do vídeo no campo da criação audiovisual e desde que os filmes começaram a perder os enredos e as narrativas que estruturavam seu bom e velho "começo, meio e fim". Em 35 minutos de duração, Lost story - homenagem a Estrada perdida e Uma estória verdadeira, de David Lynch - tem cinco começos e cinco finais. O filme - assim como a cineasta - é uma criação coletiva da artista plástica Dora Longo Bahia e colaboradores que incluem a designer Priscila Farias e o fotógrafo Marcelo Arruda. Terceiro de uma série de filmes de diretores fictícios, forma, ao lado de trabalhos de Rodrigo Andrade, Wagner Morales e Nuno Ramos, uma safra de vídeos que se referem e parodiam as narrativas clássicas do cinema.

O mais recente lançamento do que pode ser identificado como um "novo cinema de artista" é Uma noite no escritório, definido pelos diretores Rodrigo Andrade e Wagner Morales como uma "experiência pictórico/cinematográfica". Autêntico filme B, ele mistura citações a David Cronenberg, Alfred Hitchcock, pornochanchada, Nelson Rodrigues, quadrinhos de Crumb e à pintura Office at night (1940), de Edward Hopper. Ao contrário da história aberta de Ornella di Sabbia, o argumento do artista plástico Rodrigo Andrade é bem delineado. Trata-se da breve história de uma noite na vida de um diretor de banco (interpretado pelo próprio Andrade) acometido por alucinações. As visões - grossas camadas de tinta a óleo em formas retangulares e circulares - partem das paredes do edifício da Caixa Econômica Federal, no centro de São Paulo (onde Andrade realizou a exposição As paredes da Caixa, em 2006) e se expandem para lugares tão incomuns quanto a testa do contínuo do banco ou os quadris da secretária, interpretada pela atriz pornô Morgana Dark. "Acho que a originalidade do filme está na junção do argumento insólito com a narrativa clássica", diz Andrade.

Por mais cinematográfico que se pretenda - o filme teve sua avant-première em sala de cinema e será exibido na Mostra do Audiovisual Paulista, no início de dezembro -, a obra pode ser vista como uma intervenção pictórica sobre filme. Se Andrade usa o cinema como suporte para a pintura, Wagner Morales utiliza- o como tema na série Vídeos de cinema que relê gêneros como o filme de guerra, de ficção científica, de horror e o road movie. "É o vídeo se fazendo passar por cinema", diz Morales, que estrutura seus trabalhos sempre a partir da trilha sonora. "Ocorre que o cinema clássico se vale do som para deixar a montagem cada vez mais 'invisível', colocando- o sempre a reboque da imagem e fazendo com que a narrativa corra macia aos olhos", diz Morales. "Tento fazer o contrário: enfatizar o som enquanto elemento estruturador ou perturbador da imagem." O mais recente deles, Film de cul, também prioriza o som. Realizado na França e falado em francês, é uma espécie de transa verborrágica entre um casal sentado em uma mesinha de bar. As referências possíveis aqui vão da nouvelle vague ao sexo em tempos de internet.

Film du cul foi exibido no 16º Festival Sesc Videobrasil (que teve a relação entre cinema e vídeo como tema), assim como Iluminai os terreiros, de Nuno Ramos, Eduardo Climashauska e Gustavo Moura. Da mesma forma que os dois filmes anteriores do trio, Luz negra e Casco, o vídeo fica na fronteira entre a documentação de intervenção artística e uma proposta narrativa que persegue o ilusionismo cinematográfico. Entre eles, Casco é o que busca o cinema de forma mais assumida, ao trabalhar com atores e texto. "Se quiser prosseguir com minha experiência com cinema, tenho que encarar este 'outro' que é o ator", diz Nuno Ramos. A idéia parece ser essa mesma, já que o longa- metragem Dádiva está a caminho. No livro Ensaio geral, que sai pela Editora Globo no final de novembro, Nuno Ramos publica uma prévia. "O pré-roteiro estará lá, caso alguém queira conferir."

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br Acesso em: 19/11/07

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

A nova trincheira da guerra

A presença americana no Iraque é o alvo de uma safrade filmes feitos "a quente", que condenam o conflito

Isabela Boscov

No devastador No Vale das Sombras (In the Valley of Elah, Estados Unidos, 2007), Tommy Lee Jones é um militar aposentado que procura pelo filho: em licença numa base americana depois de um período no Iraque, o rapaz não só deixou de se reapresentar ao pelotão, como parece ter sumido da face da Terra. Em alguns dias, será declarado desertor. O pai, Hank, conversa com os amigos e os superiores do filho, liga para velhos companheiros pedindo ajuda, vai à polícia – e encontra apenas evasivas ou desinteresse. Numa visita ao alojamento do desaparecido, surripia o celular deste, onde encontra fragmentos de imagens feitas durante ações. Tommy Lee Jones é um mestre da introversão e, quanto menos ele fala, mais o espectador se conecta ao seu pressentimento de que algo terrível aconteceu. Quão imensamente terrível, porém, é algo que só saberá ao final da investigação conduzida por Hank e pela detetive de polícia Emily (Charlize Theron, numa grande atuação). O novo filme do diretor Paul Haggis, que começa a ser exibido no país nesta sexta-feira, representa um colossal salto dramático em relação ao ultramanipulativo Crash. Haggis usa a forma do whodunit, em que se tenta identificar o autor de um crime, para chegar a um culpado bem mais incontrolável do que este ou aquele homem: a guerra. Não a guerra como entidade genérica, mas esta guerra, a do Iraque, com suas especificidades. No Vale das Sombras é um dos primeiros filmes a fazer tal indiciamento, mas não será um dos únicos. Num fenômeno sem precedentes no cinema americano, o conflito no Iraque começa a originar produções em número suficiente para constituir desde já um gênero

Entre 1939 e 1945, rodaram-se dezenas de filmes acerca da conflagração que se desenrolava na Europa e no Pacífico – mas eram feitos com o intuito de promover o esforço de guerra. Os enredos de contestação surgiram apenas com o envolvimento americano no Vietnã. Ou, bem entendido, depois que ele se encerrou. Enquanto os soldados ainda lutavam no Sudeste Asiático, apenas uma produção abordou diretamente o tema – a patriotada Os Boinas Verdes, com John Wayne. O que a ocupação iraquiana está criando, portanto, é uma criatura nova: filmes que a dissecam e, até agora, exclusivamente a condenam enquanto ela ainda está em curso. Existe aí uma ironia, ou talvez uma tentativa de compensação. No caso do Vietnã, a batalha pela opinião pública foi travada nos jornais e noticiários, que não se furtavam a mostrar as imagens mais horrendas do conflito e contribuíram assim para torná-lo politicamente insustentável. Desde que os Estados Unidos entraram no Iraque, entretanto, as cenas de massacres ou de caixões cobertos com a bandeira americana têm sido submetidas a uma pesada autocensura, em nome do combate ao terror e por medo das acusações de "antipatriotismo". Os cineastas se adiantaram para ocupar esse vácuo.

A primeira leva foi a dos documentários, de Gunner Palace, sobre o início da hostilidade iraquiana à força de ocupação, ao recente No End in Sight, que analisa os erros cometidos na aventura militar da gestão George W. Bush – e argumenta que eles são irremediáveis. Nos últimos tempos, porém, a opinião pública americana deu uma guinada decisiva. Nas últimas pesquisas, já são maioria os cidadãos que acham que a guerra está sendo mal conduzida, que o objetivo anunciado de "levar a democracia ao Iraque" não será atingido, e que as tropas deveriam ser trazidas de volta. Que pensam, enfim, que seu país se enfiou num atoleiro. Diante desse clima, a esmagadora maioria democrata da indústria do entretenimento passou a se sentir à vontade para falar a platéias mais amplas, com filmes de ficção estrelados por nomes famosos e bancados pelos grandes estúdios.

A safra que vem por aí contém de tudo – exceto filmes que endossem a intervenção. (O que chega mais perto dessa visão é O Reino, com Jamie Foxx, que vai bem até começar a tratar os "nativos" árabes como estúpidos ou como alvos anônimos para tiros.) São dramas em que as famílias pagam o ônus da perda (Grace Is Gone, com John Cusack) ou sofrem sob acusações infundadas (O Suspeito, com Reese Witherspoon e Jake Gyllenhaal); vistas dos bastidores de Washington (Leões e Cordeiros, em que o senador interpretado por Tom Cruise tenta jogar uma cortina de fumaça sobre o fiasco iraquiano); e, nos casos mais ousados, recriações de atrocidades cometidas por soldados americanos (Redacted, de Brian De Palma, e Battle for Haditha, do inglês Nick Broomfield). Estão em produção, ainda, roteiros sobre a dura volta para casa, como Stop Loss, em que Ryan Phillippe tenta desertar durante uma licença no Texas.

Nenhum desses filmes, porém, é tão cirúrgico quanto No Vale das Sombras. Das sugestões tanto de sofrimento quanto de sadismo contidas nas imagens do celular do soldado desaparecido à relutância do comando militar em que se apure o seu paradeiro – além da má vontade da polícia local, cansada dos problemas com combatentes em licença –, o cenário que o diretor e seus dois protagonistas desenham é perturbador: um cenário em que o travo de ilegitimidade que paira sobre essa guerra transforma a própria natureza dos homens que vão lutar nela, fazendo deles seres irreconhecíveis no front e pá-rias em casa. Hank, que lutou no Vietnã, não compreende como algo tão monstruoso possa ter acontecido a seu filho, e com ele. A conclusão a que No Vale das Sombras assoma, então, não é que o Iraque seria um novo Vietnã. É que pode estar sendo ainda pior do que ele.

VISÕES DA GUERRA
Como a nova safra de filmes sobre o Iraque e o terror abarca os diversos aspectos do conflito, da experiência do combate ao trauma das famílias

DE DENTRO DOS GABINETES Os embates travados na esfera dos políticose autoridades que controlam a guerra

O REINO O enredo: um time de agentes federais americanos, que inclui Jamie Foxx e Jennifer Garner, toma as rédeas da investigação de um massacre de ocidentais empregados por uma petrolífera na Arábia Saudita

LEÕES E CORDEIROS O enredo: na mais estimulante de três histórias que se entrelaçam, um senador republicano interpretado por Tom Cruise tenta "vender" a uma jornalista um novo plano de ataque para reconquistar a opinião pública para o Iraque

DE DENTRO DE CASA Os reflexos do conflito no dia-a-dia dos americanos comuns

O SUSPEITO O enredo: um engenheiro de origem árabe, morador de Chicago, é transportado pela CIA para outro território, para que possa ser preso sem acusação formal e torturado. Sua mulher (Reese Witherspoon) tenta em vão descobrir seu paradeiro

GRACE IS GONE O enredo: um pai, interpretado por John Cusack, tenta encontrar uma maneira de contar às suas duas filhas pequenas que a mãe delas acaba de ser morta em combate no Iraque

DA LINHA DE FRENTE As experiências freqüentemente monstruosas dos soldados em combate

REDACTED O enredo: o diretor Brian De Palma usa imagens feitas pelos combatentes e cenas de documentários e noticiários para ficcionalizar um episódio real, de uma garota iraquiana que foi estuprada e depois assassinada, junto com sua família, por soldados americanos

BATTLE FOR HADITHAO enredo: outra recriação de um caso tido como verídico – o massacre de 24 civis iraquianos, entre os quais mulheres e crianças, por um grupo de fuzileiros navais americanos, em retaliação pela morte de um companheiro

Fonte: Revista Veja - www.veja.com.br - 12/11/07

Vítima de doença grave, mulher escreve poesia com o movimento dos olhos

FABIANA REWALDDA REDAÇÃO

Falar e escrever exclusivamente a partir do movimento dos olhos. Foi essa a maneira que a paulista nascida em Franca (400 km de São Paulo) Leide Moreira, 59, encontrou para superar um enorme obstáculo: a perda, em apenas um ano, de todos os movimentos de seu corpo -com exceção dos relativos ao globo ocular.

Vítima de ELA (Esclerose Lateral Amiotrófica), uma grave doença degenerativa que mostrou os seus primeiros sinais no final de 2004, Leide teve de abandonar as corridas no parque Ibirapuera -na zona sul da capital paulista, onde ela vive hoje-, a maioria das brincadeiras com os netos e o trabalho com marketing cultural. No entanto, não deixou de lado sua maior paixão: escrever poesias.

Hoje, comunica-se com o mundo por meio de seus poemas e é um exemplo de mulher guerreira, que luta por uma melhor qualidade de vida e não abre mão de suas vontades. "

Ela falou, a água parou", conta rindo Leide Moreira Jacob, de 36 anos de idade e o mesmo nome da mãe. A filha diz que a família faz questão de respeitar as decisões da matriarca, que manteve a personalidade forte, mas se tornou uma pessoa mais paciente. " Agora ela tem que esperar por tudo."

Escrever as poesias, por exemplo, é um tanto trabalhoso. Leide usa uma tabela visual, que permite formar palavras a partir da composição das letras dispostas em linhas e colunas numeradas.

Com os olhos, ela "dita" os versos, em sua maioria marcados por mensagens de esperança.

No ano passado, eles foram reunidos no livro "Letras da Minha Emoção", distribuído principalmente aos amigos.

Às vezes, o poema "ditado" é um tanto melancólico, como o "Dilema": "Minha vida se esvaindo. / Não sei se vou chorando ou sorrindo. / Sorrindo pondo fim a uma agonia que não agüento mais. / Chorando por deixar para trás pessoas que amo demais".Mas o preferido da autora, "Meu Jardim", é bastante alto-astral: "Plantei flores no meu jardim, / Rosas vermelhas em meio a heras, / Violetas, cravos e jasmim, / Amor-perfeito, dálias, primaveras. / Colhi flores no meu jardim, / Margaridas, costela de Adão, / Lírios, um ramo de alecrim, / Muito cipreste e um coração. / Plantei e colhi flores no meu jardim, / Retirei as ervas daninhas, / Cultivá-lo faz bem para mim, / Nem acredito que as flores são minhas!".

Definido por Leide como "uma campanha pela vida", seu próximo desafio é estrelar um documentário sobre a sua vida. Nas palavras dela, o objetivo do filme é "divulgar a doença para mais investimentos em pesquisa objetivando a busca da cura".

Com 2.500 novos portadores por ano no Brasil, segundo a AbrELA (Associação Brasileira de ELA), a doença de Leide acometeu um dos homens mas inteligentes da atualidade, o físico inglês Stephen Hawking. Segundo a filha de Leide, ele topou dar um depoimento para o documentário. O filme ainda não foi produzido, pois depende de patrocínio. O diretor Ralph Peticov aguarda a posição de empresas já procuradas.

E para os portadores de ELA, qual é a dica de Leide? "Tenham fé e esperança. Vamos ser criativos."
Fonte: Jornal Folha de São Paulo - www.folha.uoo.com.br - 12/11/07

Quantas árvores você está DEVENDO?

Piloto troca combustível por árvore. Músico compra carbono. Funerária planta muda a cada enterro. Tudo para salvar a Terra.

Por Francisco Alves Filho
Colaborou Luciana Sgarbi

É preciso rever a antiga receita de realização pessoal que sugere a todo homem escrever um livro, ter um filho e plantar uma árvore – os dois primeiros itens continuam valendo, mas, para saldar nossa dívida ambiental com o planeta, semear apenas uma muda é atualmente quase nada. Essa constatação tem levado pessoas e empresas a uma eficaz iniciativa para amenizar o problema: é a chamada “neutralização”, que consiste em compensar a ação poluente do ser humano com o plantio de árvores, o mais equivalente possível à quantidade de dióxido de carbono (CO2) lançado na atmosfera – a vegetação absorve o carbono e a poluição é neutralizada. “Contribuímos para o aquecimento global quando usamos, por exemplo, materiais não degradáveis ou veículos movidos a combustível fóssil”, diz David Zee, professor de meio ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Para se ter uma idéia, uma família que consome 400 watts de energia elétrica por mês, locomove-se de carro diariamente por 20 quilômetros e produz 800 gramas de lixo por dia, precisa plantar anualmente 12 árvores para equilibrar sua ação poluidora. Um brasileiro vive em média 72 anos e, para compensar o CO2 emitido na atmosfera ao longo desse tempo, teria de reflorestar uma área equivalente a 2,5 campos de futebol (cerca de 19,5 mil m2). E você, já sabe quantas árvores está devendo?

“No ano passado coordenamos 20 projetos de neutralização de carbono. Em 2007 já chegamos a 100”, diz Eduardo Petit, sócio da empresa Max Ambiental. No início, apenas ativistas recorriam a esse expediente. O que se vê nos últimos tempos, emporém, é a determinação de grandes empresas, o entusiasmo de pequenos grupos e a adesão das chamadas pessoas comuns. Foi o que fizeram os cariocas Renato Barandier e Izabela Lentino, ambos arquitetos, que se casaram no dia 20 de outubro e decidiram neutralizar as sete toneladas de carbono emitidas na cerimônia. A mesma preocupação moveu o piloto de stock car Allam Khodair, da equipe Boettger, responsável pelo plantio de 59 árvores para absorver o CO2 das três últimas provas da temporada. O conjunto de samba Jeito Moleque tornou-se o primeiro do País a fazer shows “neutros em carbono” e, através da ONG Inciativa Verde, plantou mais de 500 mudas em 2007. Os organizadores do Carnaval baiano já anunciaram que vão neutralizar o carbono emitido pelos trios elétricos em 2008, o Paraná Clube planeja fazer o mesmo com as partidas de seu time e os empresários do último TIM Festival plantaram mudas compensando o gasto de energia no evento.

Cresce também a participação das empresas. Gigantes como a Bradesco Capitalização, Volkswagen e Petrobras, entre outros, começaram a cuidar para valer da natureza no ano passado. Mais: a Ipiranga investe R$ 6 milhões para compensar a poluição dos veículos e a HSBC Seguros lançou o Seguro Carbono Neutro com parte dos investimentos revertida para a preservação das florestas. “Estamos abertos à possibilidade de patrocinar o plantio”, diz Marcelo Teixeira, diretor executivo da seguradora. Mesmo as empresas médias estão agindo. A Tour House, agência de viagens corporativas, vai neutralizar o CO2 emitido nos deslocamentos aéreos. “O combate às emissões é exigência da sociedade”, diz o diretor comercial Mateus Passos. Vale a pergunta: esse plantio influi na diminuição do aquecimento ou apenas alivia as consciências? “A crescente participação das empresas e dos cidadãos pode pelo menos atenuar o problema”, diz Zee. Segundo Adauto Basílio, da Fundação SOS Mata Atlântica, os empresários não podem plantar pensando somente nos ganhos de imagem imediatos. “É preciso continuidade”, diz ele.

Continuidade, perseverança e empenho são palavras-chave nesse caso. Dá trabalho, mas vale a pena. É preciso acompanhar o crescimento da planta, principalmente durante os primeiros dois anos, cortar o capim a sua volta e evitar pragas. A desvantagem de cultivar uma árvore solitária é que, ao morrer, ela também libera carbono – quando está ao lado de espécimes iguais esse efeito é neutralizado. “Seria ótimo se o cidadão conseguisse envolver a família ou os vizinhos para plantar em quantidade”, diz o biólogo Roberto Strumpf, da Iniciativa Verde. Ou seja: a melhor solução é participar de ações coletivas através de entidades especializadas em reflorestamento, porque aí a pessoa paga pelo plantio das árvores em locais adequados, pode acompanhar o momento em que a muda é colocada na terra e recebe um certificado. Antes mesmo de qualquer redução no aquecimento global, essa mobilização tem o benefício de criar um contingente comprometido com a preservação. Gente que para ser feliz pode fazer uma releitura da velha máxima: vale escrever um livro (de preferência em papel reciclado), vale ter um filho (e educá-lo para cuidar da natureza) e vale, sobretudo, plantar não uma mas várias árvores vida afora.

PILOTO VERDE Preocupado com a emissão de carbono, o piloto paulista de stock car Allam Khodair pensou em usar combustível e pneus ecológicos. “Era impossível, todos os carros devem obedecer ao mesmo padrão”, diz ele. Chegou à conclusão de que o melhor seria reflorestar: “Levo em conta o combustível queimado, o transporte do carro para os Estados e outros detalhes.” A neutralização teve início na corrida do circuito gaúcho de Tarumã. Pelas três últimas provas do campeonato, Khodair autorizou a ONG Iniciativa Verde a plantar 59 árvores, sob sua responsabilidade, para compensar 11 toneladas de CO2 lançadas na atmosfera.

SAMBA ECOLÓGICO Os sambistas do grupo Jeito Moleque criaram uma espécie de banco de árvores onde depositam a quantia necessária para o plantio de mudas equivalente ao carbono emitido em suas apresentações. “Os especialistas escolhem locais adequados e depois fazem o acompanhamento da planta, para que ela cresça saudável”, diz Bruno Diegues, vocalista da banda. Isso começou em setembro e, desde então, mais de 500 árvores foram plantadas em diferentes pontos do Brasil. O próximo DVD será gravado na Amazônia no mês que vem. “Nossa idéia é conscientizar o público sem sermos chatos”, diz Diegues. Até o fim do ano, o Jeito Moleque terá patrocinado o plantio de mil árvores.

ÁRVORE DA FUNERÁRIA Desde o início de outubro, a Funerária Vaticano, uma das maiores de Curitiba, planta uma muda de árvore para cada pessoa morta cujos funerais ficam sob seus cuidados. “Podemos dar a muda aos parentes, mas preferimos fazer o plantio num bosque da cidade, onde a absorção de carbono é melhor”, diz Mylena Cooper, uma das diretoras da empresa. No primeiro mês foram semeadas 100 árvores com a participação de alunos da rede pública. “Esperamos que no futuro uma lei obrigue todas as funerárias a fazer o mesmo em todo o País.”

CASAMENTO SUSTENTÁVEL O casal carioca Izabela Lentino e Renato Barandier neutralizou toda emissão de carbono da cerimônia do seu casamento. No cálculo entraram o deslocamento dos 500 convidados, alguns vindos do Exterior, o caminhão que trouxe o vinho do Rio Grande do Sul e a energia elétrica. “Até nossa lua-de-mel foi contabilizada”, diz Izabela. Os técnicos concluíram que seria necessário plantar 36 árvores para compensar as sete toneladas de CO2 produzidas no evento – e assim foi feito. As mudas foram distribuídas numa floresta do Paraná. “Nossa contribuição não é tão grande, mas serve para conscientizar. E não é preciso casar para tomar essa providência”, brinca Renato.

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br - 12/11/07

África de Sebastião Salgado

O fotógrafo Brasileiro mais conhecido nomundo resume em duas centenas de imagens o seu trabalho dedicado à África

SOFRIMENTO Meninas somalis circuncidadas (2001)

Numa visita à aldeia de Sabbatum, na Somália, o fotógrafo Sebastião Salgado presenciou "uma das coisas mais cruéis já vistas na vida". A cena que o chocou, há seis anos, foi a de duas meninas que acabavam de ter seus clitóris arrancados e cujas pernas eram mantidas unidas por ataduras para não rasgar a cirurgia precária. "Elas não podiam se mexer, haviam acabado de perder a possibilidade de prazer no futuro", lembra Salgado. "A expressão dos seus rostos era de tristeza fatal. Naquele dia eu não consegui mais fotografar." Os retratos de Sitey Muse Mukhtar, na época com sete anos, e de Xalime Ali Sheik, de dez anos, fazem parte do extraordinário livro África (Taschen, 336 págs., R$ 199), no qual Salgado faz um apanhado de seu trabalho de 34 anos no continente africano. São 221 fotos selecionadas de 40 reportagens. Mas Salgado só identificou essas duas meninas somalis. E, claro, o líder etíope Hailé Sélassié, que lutou contra a dominação italiana, numa foto de 1974, publicada pela primeira vez.

TRABALHO Grupo dinka, do Sudão, conduz o gado ao final do dia no campo de Pagarau, no sul do país (2006)

Como aquela cena das circuncidadas, existem outras, inúmeras, que indignaram Salgado nessas três décadas de trabalho. E por isso foram documentadas e publicadas em revistas e jornais do mundo inteiro: como ele sempre lembra, seu trabalho de grande artista (palavra de que não gosta) é basicamente jornalístico. "Fotografo a realidade que está acontecendo. Não provoco aqueles fatos, eles fazem parte da nossa história", diz. São massacres, êxodo de populações desesperadas e famélicas, retratos de pessoas vítimas de cólera, malária ou hanseníase em flagrantes difíceis de se ver. Salgado poderia falar em detalhes de cada uma das imagens, porque não deixa de anotar o contexto de nenhuma delas e tem a memória viva de tudo o que aconteceu. Numa cena de grande impacto, uma mulher foge com a filha sob o fogo cerrado de um bombardeio aéreo, em 1985. Ela leva na cabeça a panela, como se fosse um capacete. "Isso aconteceu na província de Tigray, no norte da Etiópia, durante a guerra contra o governo. Eram refugiados abandonando o país em direção ao Sudão", diz ele.

CASTIGO Nômades atravessam o leito seco do lago Faguibine, no Mali (1985)

Essa foto pertence à parte mais dramática do livro, aquela dedicada à região do Sahel (África Subsaariana) - as outras duas cobrem a África Austral e os Grandes Lagos. "Em Sahel foi a própria natureza que castigou o homem", diz Salgado. Ao documentar o Lago Faguibine, no Mali, ele cruzou com um grupo de migrantes em pele e osso, cujas roupas negras contrastam com a luz escaldante refletida na areia. É como se entrassem num ponto cego da visão.

BELEZA Lago no vulcão Bisoke, em Ruanda (2004)

"Eles estão caminhando dentro do leito do lago que já foi o maior da África Ocidental." Num paralelo a tanta dor e miséria, Salgado selecionou também imagens mais aprazíveis, como a reportagem sobre o cultivo de chá em Ruanda, primeira região africana que conheceu, quando ainda era economista da Organização Internacional do Café, em 1971. Vinte anos depois ele voltou ao local e fez as fotos que estão no livro. Em 2004, realizou a série de paisagens com os vulcões e lagos da região, que também estarão nos volumes do projeto Genesis, previsto para 2011, sobre a parte "intocada" do planeta. Essas são as primeiras paisagens feitas por Salgado. Mas ele diz que a natureza sempre esteve presente em seu trabalho como contexto no qual se inseria o ser humano. "Não me tornei um fotógrafo de landscape", diz.

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br - 12/11/07

Brad Pitt é Jesse James

O ator americano interpreta o fora-da-lei nos últimos anos de vida num filme que ele produziu e que lhe deu o primeiro grande prêmio de atuação de sua carreira

IVAN CLAUDIO

CAIPIRA Brad Pitt cresceu em Springfield, a mesma cidade de Jesse James, e usou o sotaque da região no filme sobre o pistoleiro

De uns anos para cá, o astro Brad Pitt virou uma espécie de fora-da-lei de Hollywood: tem um dos maiores salários (mais de US$ 20 milhões por trabalho), nunca faz o que a indústria de filmes deseja e vive em fuga das lentes dos paparazzi. Em O assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford (The assassination of Jesse James by the coward Robert Ford, EUA, 2007), que estréia no Brasil no dia 23, Pitt dá vida literalmente a um fora-dalei, talvez o maior de toda a história do Velho Oeste americano. Trata-se do pistoleiro Jesse James, que já foi vivido anteriormente por Tyrone Power e Robert Wagner, entre outros, mas nunca com o carisma de um ator cuja condição de celebridade cai como uma luva para a situação do personagem retratado. É que esse Jesse James, dirigido com sobriedade e pretensões artísticas pelo neozelandês Andrew Dominik, coloca em evidência justamente a fama do bandido, àquela altura conhecido em todo o país por seus espetaculares roubos a bancos, trens e carruagens, e tema de inúmeras novelas baratas, as chamadas “dime novels” – algo como os livrinhos de cordel dedicados a Lampião. No lançamento do filme em Londres, terra dos tablóides sensacionalistas, Brad Pitt confirmou essa coincidência: “Quanto mais eu entrava na história de Jesse James, mais eu ficava surpreso em ver como esse tipo de imprensa já estava vivo e em pleno funcionamento naquela época. Já existia sensacionalismo e fabricação dos fatos. Foi muito curioso constatar que isso não mudou muito.”

É justamente um fanático leitor das histórias sobre Jesse James veiculadas nos jornais e nos livrinhos de bolso que divide a cena com o protagonista. Trata- se de Robert Ford (interpretado por Casey Affleck), um rapaz de 19 anos, irmão de um dos integrantes do bando de James (conhecido como James-Younger Gang), que tenta a todo custo ganhar a confiança do chefe e fazer parte do grupo. E é ele quem mata o bandido com um tiro nas costas (nenhuma surpresa, já que esse detalhe está no título do filme), coroando uma relação de admiração e ódio sob a qual muitos vêem uma enrustida paixão homossexual. Numa cena em que Ford, uma espécie de Mark Chapman do século XIX, observa James tomar banho, este pergunta a ele: “Você quer ser como eu ou você quer ser eu?” Na entrevista coletiva do Festival de Veneza, em setembro passado, Pitt (que ganhou o prêmio de melhor ator) comentou o assunto: “Não acho que exista uma conotação homoerótica na relação entre eles, mas, se causa prazer para alguns imaginar assim, não vejo problema. É até possível.”

Como raramente acontece, Pitt tem viajado muito para o lançamento do faroeste, sempre acompanhado de sua mulher, Angelina Jolie, e dos quatro filhos – os adotivos Maddox, seis anos, Pax, três, e Zahaara, dois, e Shiloh, de um ano. Seu interesse no filme é grande. Afinal, ele é o co-produtor da fita, orçada em US$ 30 milhões, por meio de sua empresa, a Plan B Entertainment, que colocou também de pé o mais recente trabalho de Angelina, O preço da coragem, ainda em cartaz. Jesse James estava previsto para estrear no ano passado, mas ficou um ano sendo remontado até chegar às 2h40 finais (a primeira versão durava quatro horas). Como se suspeita pela longa duração, trata-se de mais um daqueles faroestes crepusculares, a exemplo de Jeremiah Johnson e outros realizados nos anos 1970. Dessa vez, o foco foi lançado nos últimos anos de um pistoleiro, justamente naquele período em que, cansado da vida de crimes, ele decide levar uma vida anônima com a mulher e os filhos em alguma fazenda perdida no horizonte.

REBELDE James era visto como um Robin Hood

Foi exatamente isso o que aconteceu com o Jesse James da vida real, que foi morto em 1882, aos 35 anos. Considerado um mito pop como Elvis Presley ou James Dean, James foi homenageado por músicos como Bob Dylan, John Lee Hooker, Bruce Springsteen e Woody Guthrie, que o comparou a Robin Hood. A aura de rebelde veio da natureza de seus roubos: egresso das fileiras confederadas da Guerra da Secessão americana, ele justificava seu saque aos bancos como uma resposta à espoliação das terras sofrida pelos pequenos proprietários de terra sulistas, sua família incluída. Esse aspecto de sua biografia foi colocado em relevo pelo historiador inglês Eric Hobsbawn, no livro em que estuda o surgimento do banditismo social. Pitt aposta nesse mito e se diz até orgulhoso de aumentar-lhe o brilho com seus olhos azuis e cachos dourados – no filme, tingidos de preto. Segundo Pitt, 125 atores já interpretaram James, mas apenas ele tem uma conexão especial com o retratado: os dois cresceram na cidade de Springfield, no Estado de Missouri (Pitt nasceu em Oaklahoma, mas foi para aquela cidade ainda pequeno). “Eu não conhecia muito sua história, mas obviamente conheço bem sua região e sobretudo seu sotaque. Há muito tempo não podia falá-lo e foi um prazer tornar a fazê-lo nesse filme”, disse ele em Veneza. Na condição de astro, pode agora falar errado sem o risco de ser chamado de caipira, como aconteceu em Thelma & Louise, de 1991, o filme de Ridley Scott que o revelou e no qual interpretava um caubói às voltas com as duas mulheres entediadas com a vida.

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br - 12/11/07

sábado, 10 de novembro de 2007

"Homem-Aranha" de 5 anos entra em casa que pegava fogo e salva bebê

FELIPE BÄCHTOLDDA
AGÊNCIA FOLHA

Um menino de cinco anos, que estava vestido com a camisa do Homem-Aranha, salvou um bebê durante um incêndio na cidade de Palmeira (236 km a oeste de Florianópolis), de acordo com o Corpo de Bombeiros de Santa Catarina.

O menino chama-se Riquelme Wesley Maciel dos Santos, e brincava de super-herói no quintal de sua casa.O bebê, Andrieli dos Santos, tem um ano e dez meses, e é filha de uma vizinha, em um bairro de classe média baixa do município na tarde de quinta-feira.Segundo bombeiros da cidade de Otacílio Costa, que atenderam a ocorrência, a dona da casa, Lucilene dos Santos, 36, percebeu que a moradia estava pegando fogo e correu para a rua.Riquelme viu o desespero de Lucilene, que dizia que o bebê havia ficado em um dos quartos da casa. Ele decidiu, então, tentar salvar a criança. O garoto de cinco anos entrou na casa, tirou o bebê do berço e, com dificuldades, trouxe a menina para o pátio, longe do perigo.

Ninguém se feriu. Apenas Lucilene e o bebê estavam dentro do imóvel no momento do incêndio, segundo os bombeiros.

Sem medo
Aos bombeiros, conta o soldado Giovanni Cunha, o garoto Riquelme disse que não tinha medo "porque era o Homem-Aranha".O bombeiro afirma que, antes de entrar na casa, o menino tentou acalmar a mãe de Andrieli."Ele disse que não era para eu gritar, nem chorar, que ele salvaria Andriele", contou a mãe do bebê à RBS TV.

O Corpo de Bombeiros foi acionado logo após Riquelme ter resgatado a menina.O incêndio consumiu cerca de 80% da casa de Lucilene, que era de madeira e tinha cerca de 50 m2.Um curto-circuito foi a provável causa do fogo, segundo os bombeiros. A cidade de Palmeira tem 2.300 habitantes.

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - www.folha.uol.com.br - 10/11/07