segunda-feira, 26 de novembro de 2007

O éden sem classes

Lady Chatterley, uma bela adaptação do romance de D.H. Lawrence, resgata uma heroína libertária

Isabela Boscov

Escrito e reescrito pelo inglês D.H. Lawrence (1885-1930) nos últimos anos de vida, numa espécie de febre contra os males de seu tempo, o romance O Amante de Lady Chatterley foi um dos maiores escândalos da história da literatura, comparável ao criado por Gustave Flaubert no século XIX com Madame Bovary. Apenas em 1960, mais de três décadas após sua publicação, ganhou uma versão sem cortes na Inglaterra – onde continuou a ser tachado de pornográfico, doentio ou imoral. A protagonista, a jovem Constance Chatterley, mora com o marido, Clifford, numa propriedade cuja riqueza é mantida pelas minas de carvão adjacentes. Clifford voltou paraplégico da I Guerra, e o contato físico entre ele e a mulher se resume aos cuidados que ela lhe dispensa (e há indícios de que mesmo antes esse contato não era lá grande coisa). Constance está fenecendo, assim como esse mundo de distinções sociais e riqueza ociosa à volta dela. A certa altura, porém, ela começa um caso com Oliver Parkin, o guarda-caça da propriedade, e desabrocha. Lawrence confronta um punhado de tabus: o veterano de guerra impotente, a insatisfação sexual feminina, o adultério – e entre classes sociais diferentes –, as muitas cenas explícitas de sexo e a linguagem franca. Nada disso, porém, poderia ser considerado subversivo nos dias de hoje, e a inteligência com que a diretora Pascale Ferran encontra outro cerne no romance é o trunfo de Lady Chatterley (França/Inglaterra, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país.

O centro do filme, baseado em John Thomas and Lady Jane, a segunda e menos verbosa versão escrita por Law-rence, é o erotismo. Não apenas o do despertar sexual de Constance e Oliver (Marina Hands e Jean-Louis Coul-loc’h), que criam na floresta onde se encontram um éden sem classes: quanto mais a protagonista estreita sua relação com a natureza e com seu próprio desejo, mais essa sensualidade adquire um efeito contagiante. A diretora fotografa de forma inspirada esse lento florescimento, sublinhando os sons da natureza, a mudança das estações e fazendo com que até a fisionomia de Constance pareça cada vez mais limpa e aberta. Ler Lawrence hoje pode ser mais uma tarefa do que um prazer. Mas Lady Chatterley recupera o achado verdadeiramente inovador e transgressivo do autor – a heroína que, em vez de ser punida pelo adultério, como a pobre Emma Bovary, dá as costas a toda convenção e insiste no júbilo que sua paixão lhe proporciona.

Fonte: Revista Veja - www.veja.com.br - Acesso em: 26/11/07

A metamorfose do mal

No magistral A Vida dos Outros, um espião da Alemanha Oriental descobre a beleza

Isabela Boscov

Sentado à frente da máquina de escrever, com fones de ouvido que filtram a conversa vinda do andar de baixo, Gerd Wiesler, cinqüentão, espião zeloso da Stasi, a horrenda polícia secreta da Alemanha Oriental, é o rosto de um estado que se transformou inteiro numa máquina de vigiar e corromper. Um rosto cinzento que, muito apropriadamente, não tem expressão nem inflexão – de um homem cuja existência ninguém registra, mas que vive de registrar a existência alheia. No início do magnífico A Vida dos Outros (Das Leben der Anderen, Alemanha, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país, Wiesler dá a um grupo de futuros espiões aulas sobre técnicas científicas de interrogatório; na cena seguinte, na platéia de um teatro, reage não com a objetividade que prega, mas por instinto. A questão é que espécie de instinto, se profissional ou pessoal. Wiesler olha a figura de Georg Dreyman (Sebastian Koch), bonito, autoconfiante e o único dramaturgo leal ao Partido que também é lido no Ocidente, e se convence de que ninguém pode ser tão perfeito assim. Ou talvez Wiesler tenha se perturbado com o beijo que flagrou, nos bastidores, entre Georg e sua atriz, a bela Christa-Maria (Martina Gedeck). Sejam quais forem seus motivos, no dia seguinte Georg terá deixado de ser o único artista do país livre da vigilância estatal. Wiesler entra em seu apartamento durante sua ausência, esconde microfones por toda parte e, do andar de cima, se transformará no vírus que vai infectar a intimidade de Georg e Christa. No meio do caminho, porém, algo acontece: o espião ouve, em vez de uma conspiração, uma música que o emociona; e, principalmente, escuta nas pequenas interações do casal algo que não conhece, mas que reconhece de imediato como precioso – amor, alegria, atração, beleza, calor. Para sua surpresa e também para seu imenso risco pessoal, ele se reconfigura então de delator em protetor.

Ganhador do Oscar de produção estrangeira deste ano, A Vida dos Outros se passa em 1984, cinco anos antes da queda do Muro de Berlim, quando a Stasi tinha algo como 100.000 agentes a seu serviço, além de uns 170.000 informantes. Mais metódica e paranóica ainda que a KGB russa, a organização mantinha registros de cada uma das máquinas de escrever do país – o que tornava impossível escrever um texto anônimo – e preservava até amostras do cheiro de seus suspeitos, caso fosse necessário procurá-los com cães. A australiana Anna Funder, autora do premiado livro Stasiland, objetou com veemência ao filme: segundo ela, não há, em todos os registros da Stasi, um único indício de que alguma vez um espião tenha protegido seus vigiados. Essa licença poética, porém, é a única que o diretor estreante Florian Henckel von Donnersmarck toma com a história. Em um roteiro primoroso, ele combina os fatos da vida na Alemanha comunista à trajetória de seus personagens de forma indivisível. Cada detalhe factual corresponde a um ponto dramático do enredo. No cinema recente, de qualquer nacionalidade, é difícil pensar num outro filme que atinja essa fusão entre o ficcional e o histórico de forma tão completa; e, no cinema alemão em particular, esse é um exemplar único na sua recusa em romantizar ou relativizar a crueldade que prevalecia do lado de lá do Muro, como o fazia Adeus, Lênin!. Aqui, a supressão do íntimo e do pessoal é absoluta – um pesadelo orwelliano dentro do qual gerações tiveram de viver, dia após dia.

Se A Vida dos Outros é verdadeiramente superlativo, porém, a razão está em Ulrich Mühe, que foi um dos grandes nomes do teatro alemão-oriental, esteve ele próprio sob vigilância da Stasi e submeteu o diretor a duas sabatinas antes de se confiar a ele. Mühe constrói o impassível Wiesler sem nenhum dos recursos práticos de um ator – olhares, gestos, tons de voz. Mais do que encarnar o personagem e sua metamorfose, ele os irradia para a platéia. E, com sua frase final – um simples "É para mim" –, ele demole até a última justificativa possível para a existência de algo como a Alemanha Oriental. Mühe morreu em julho passado, aos 54 anos, de câncer do estômago. Deixou uma carreira não mais do que breve no cinema. Mas, nem que fosse feita unicamente deste filme, ela já seria colossal.

Fonte: Revista Veja - www.veja.com.br - Acesso em: 26/11/07

Épico ou cômico?

Com Beowulf, Robert Zemeckis fez uma piada ruim – e interminável

Isabela Boscov

Está batendo na porta errada quem pensa encontrar em A Lenda de Beowulf (Beowulf, Estados Unidos, 2007) qualquer coisa que explique ou justifique por que esse poema épico, uma das peças fundadoras da língua e da literatura inglesas, resistiu aos últimos 1.500 anos. Em comum com a saga do guerreiro que livra um reino escandinavo de monstros como o medonho Grendel e um dragão, o filme que estréia nesta sexta-feira no país tem os nomes dos personagens e, vá lá, uma ou outra situação. Umas poucas coincidências, enfim, complementadas por quantidades imoderadas de tolice, chatice e humor involuntário. Como já fizera em O Expresso Polar, o diretor Robert Zemeckis se vale aqui da performance capture, técnica que costuma ser usada tão-somente como auxiliar na feitura de um filme, e que só ele entende como sua principal razão de ser.

Em linhas gerais, o que a performance capture faz é pegar atores como Anthony Hopkins, Robin Wright-Penn e John Malkovich, vesti-los em macacões cheios de sensores para que as coordenadas de seus movimentos e expressões sejam transmitidas ao computador, e então transformá-los em desenho animado – processo ao fim do qual todos eles ficam mais esquisitos e canastrões, com cara de algo que sobrou de Shrek. O inglês Ray Winstone, que é um grande ator mas tem uma bela barriga de cerveja, ilustra o máximo de sucesso que Zemeckis conseguiu atingir: no papel de Beowulf, ele aparece malhadésimo (o melhor momento é a cara de ai-jesus que a rainha faz quando ele deixa cair a túnica), mas drenado de qualquer talento – uma espécie de Patrick Swayze viking. Já Angelina Jolie, como a bruxa que seduz os guerreiros, demonstra o que acontece quando se tenta retocar o irretocável.

Como agravante, A Lenda de Beowulf foi feito para ser exibido em 3D nas salas que dispõem do sistema. Toda a energia que poderia ter sido empregada na confecção do roteiro – algum roteiro – foi despendida em bolar situações em que objetos e pessoas são arremessados perpendicularmente à tela. Some-se a isso a apelação que Zemeckis confunde com sexo e violência, mais uma variedade extensa de sotaques bizarros, pretensamente arcaicos, e o que se tem não é mais uma epopéia. É uma piada, ruim e interminável.

Fonte: Revista Veja - www.veja.com.br - Acesso em: 26/11/07

Diretor de "Tropa de Elite" é tema de reportagem no "NYT"

DA REPORTAGEM LOCAL

O cineasta José Padilha, diretor do filme "Tropa de Elite", foi tema de longa reportagem na edição de sábado do jornal "The New York Times". Escrito pelo correspondente Alexei Barrionuevo, o texto foi publicado na seção fixa de perfis do diário.

Sob o título "Um cineasta e um desafiador da consciência do Brasil", a reportagem narra a trajetória de Padilha no cinema, a partir do documentário "Os Carvoeiros", de 1999, até o debate em torno da atuação da polícia suscitado por "Tropa de Elite".

O filme, que estréia nos EUA no dia 25 de janeiro, já havia sido tema de reportagem no "New York Times". Em 14 de outubro, dois dias depois da estréia no Brasil, o jornal publicou matéria sobre o longa, tratando inclusive da pirataria do filme."

Eu não sei o que isso significa, mas nunca esperei criar este grande fenômeno social", afirmou Padilha na reportagem de anteontem.O diretor disse ainda que o filme foi "grosseiramente mal-entendido por alguns, especialmente no Brasil".

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - www.folha.uol.com.br - Acesso em: 26/11/07

Filme de Cao Hamburguer leva prêmio em Huelva

"O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", longa que representa o Brasil na disputa por uma vaga ao Oscar de filme estrangeiro, recebeu o prêmio especial do júri no Festival de Cinema Ibero-Americano de Huelva, na Espanha. O grande vencedor da 33ª edição foi "Luz Silenciosa" (México), de Carlos Reygadas. Leonardo Medeiros foi eleito o melhor ator por "Não por Acaso".

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - www.folha.uol.com.br - Acesso em: 26/11/07