segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Zumbis atacam no Multiplex

Planeta Terror relembra velhos filmes de horror – e a experiência de vê-los num cinema ruim

Isabela Boscov

Mortos nos anos 80, primeiro pelo videocassete e depois pelos multiplex, os grindhouses, aqueles velhos cinemas pulguentos de centro da cidade que exibiam filmes sem parar (ótimos para se esconder da chuva, fazer hora ou ver o sexo e o sangue que os estúdios então não mostravam), deixaram pelo menos dois órfãos – Quentin Tarantino e Robert Rodriguez. Desde o início da carreira, quando se tornaram amigos, os diretores vêm tentando recriar em seus filmes as emoções lúbricas que, em garotos, viviam quando se refugiavam nessas salas decrépitas para ver produções baratíssimas sobre gangues de kung fu, ataques de zumbis, assassinos de garotas ou perseguições de carros. Há pouco mais de um ano, eles decidiram que o que faltava às recriações era o seu dado mais básico: a experiência do pulgueiro. O resultado foi Grindhouse, um conjunto de dois filmes, um a cargo de cada diretor, mais trailers de títulos fictícios (como o de Mulheres Lobisomem da S.S.) e um bocado de manipulação da película – que já vem riscada, mastigada e até com rolos faltando, substituídos por um acanhado "aviso da gerência". Lançado nos Estados Unidos como programa duplo, Grindhouse passou longe do sucesso que se esperava. Desde então, a dobradinha foi desmembrada (termo mais do que apropriado, considerando-se o conteúdo dos filmes). Planeta Terror (Planet Terror, Estados Unidos, 2007), o filme de Rodriguez, estréia nesta sexta-feira no país, precedido de só um dos trailers falsos. Prova de Morte, de Tarantino, deve chegar aqui apenas em março.

Planeta Terror é uma clássica fita de quinta categoria sobre zumbis. Um gás letal escapa de uma instalação militar, cobrindo todos nas imediações com pústulas borbulhantes e dando-lhes um insaciável apetite canibal. Convidados especiais como Bruce Willis, Naveen Andrews (o Sayid de Lost) e Michael Biehn (do primeiro Exterminador do Futuro) comparecem com as atuações mais pétreas de que são capazes. Os verdadeiros heróis são interpretados por Freddy Rodríguez, como um sujeito de pontaria infalível, e pela muito interessante Rose McGowan, como uma go-go dancer que, ao ter a perna arrancada por um zumbi, trata de substituí-la por uma metralhadora. Perneteando para lá e para cá e atirando no inimigo com seu cotoco, ela vai encarnar uma personagem atávica do gênero: a da "última garota", a quem caberá não apenas purgar o horror, como reiniciar a humanidade. Por limitações reais e fictícias de orçamento, o planeta do título é a Terra mesmo. Ou melhor, uma porção insignificante dela, em algum cafundó do Texas. Prova de Morte segue a mesma linha: Kurt Russell faz um dublê que usa um carro com motor V-8 para perseguir garotas indefesas. Ou isso pelo menos é o que ele pensa.

Com filmes como Pulp Fiction e a série Spy Kids, Tarantino e Rodriguez fizeram quase que sozinhos a fortuna dos irmãos Harvey e Bob Weinstein, quando estes comandavam a produtora Miramax e sua divisão B, a Dimension. Desde que romperam com sua empresa-mãe, a Disney, os irmãos ainda não conseguiram emplacar nenhuma produção que se comparasse em renda ou em prestígio com as suas investidas anteriores. Grindhouse era sua melhor aposta para este ano. Novamente, não é o caso de julgar o filme pela bilheteria. Pela primeira parte do programa, pode-se imaginar quanto se divertiram os sortudos que o viram na íntegra.

O que, afinal, é grindhouse

Esse é o apelido que se dava às salas de baixa categoria (como drive-ins e pulgueiros) que exibiam filmes sem parar

Por extensão, grindhouse designa também as produções baratíssimas exibidas nesses locais

Um grindhouse legítimo pertence ao gênero exploitation. Ou seja, tem de explorar de forma exagerada temas como sexo, horror, escatologia, zumbis, ninjas ou fetiches variados

As pornochanchadas brasileiras dos anos 70 são um ótimo exemplo de grindhouse, pelo tema e também pela técnica tosca

DE DAR SUSTOS TAMBÉM EM QUEM FAZ

Gênero que mais se recicla, por ser barato e ter público certo nos adolescentes, o terror é também o mais volúvel dos segmentos. Às vezes, parece ter morrido de vez; logo desponta de novo como favorito. O desafio é adivinhar qual dos seus subgêneros estará em voga na próxima maré cheia. Até alguns dias atrás, dava-se como esgotado o filão do sangue e vísceras. O Albergue fora um imenso sucesso. Sua continuação, lançada em junho, morreu na praia. Os apostadores do setor já haviam recolhido suas fichas quando, na segunda-feira, amanheceram com uma notícia inesperada. Jogos Mortais 4, da série que é a grande rival em mau gosto de O Albergue, fez quase 32 milhões de dólares na estréia. Em três anos, a franquia já acumulou 464 milhões, contra um total de 30 milhões gastos na sua confecção. Ou seja, ainda não é hora de aposentar os instrumentos cortantes.

Três coisas podem complicar a carreira de um filme de terror. Planeta Terror ilustra uma delas. Em vez de abraçar sua natureza, o filme trilha uma linha sutil entre a paródia e a homenagem – e a platéia moderna abomina a sutileza. As outras duas falhas estão exemplificadas por 1408, em cartaz no país. Estrelado por John Cusack, o filme junta terror psicológico, fantasmas e mutilações, para ninguém se sentir deixado de fora. Ou seja, não informa ao aficionado de cada corrente se aquela história é para ele ou não. Com 100 milhões de dólares de renda, seria possível imaginar que 1408 não é um fiasco. Isso até que se olhe seu orçamento, de 25 milhões. É aí que ele trai o primeiro mandamento do gênero: na relação custo-benefício, que é um pavor.

Fonte: Revista Veja - http://www.veja.com.br/

Pane no sistema

Nova série da Rede Globo incentiva a improvisação e o absurdo das situações

FRANCISCO ALVES FILHO

SEM NADA O fonoaudiólogo vivido por Selton Mello fica sem cartão e CPF

O noites de sexta-feira da Rede Globo com O sistema, que estréia no dia 2. Desde o fim de Os normais, exibido entre 2001 e 2003, existiram várias tentativas de reabilitar o horário. Depois de Os aspones, Carga pesada, Minha nada mole vida e Antonia, a emissora faz agora mais uma tentativa com a série escrita pelo casal Alexandre Machado e Fernanda Young e estrelada por Selton Mello. O experimentalismo é a marca do programa, que chega com uma aura de inovação. Tanto assim que os atores nem sequer conseguem defini- lo. “Nunca fiz um trabalho tão difícil de explicar”, diz Mello. Ele interpreta o fonoaudiólogo Matias, que, após discutir com uma atendente de telemarketing, descobre não ter mais CPF, cartão de crédito, linha de celular ou direito a energia elétrica. Ou seja, está excluído do sistema do título, contra o qual passa a lutar.

O roteiro absurdo dá inédita liberdade aos atores, pois um terço do programa é improvisado. “Fica uma ‘sujeira’, uma certa espontaneidade, que seria mais difícil de alcançar se não tivesse em prática o jogo da improvisação”, avalia o diretor José Lavigne. O time de atores, completado por Graziella Moreto, Ney Latorraca, Betty Gofman e Maria Alice Vergueiro, que foi hit no You Tube com o vídeo Tapa na pantera, é fera nesse quesito. “O programa é de ação e comédia, tem suspense e também nonsense”, explica a roteirista Fernanda Young. “O humor é usado para falar de assuntos duros.”

Segundo o roteirista Alexandre Machado, a trama de O sistema mistura ficção científica e maluquice

O parceiro Alexandre Machado vai mais longe: “A temática mistura ficção científica com maluquice pura”. Alexandre reconhece que é uma ousadia fazer algo novo num veículo que exige altos índices de audiência. “Repetir o que sempre já foi feito, mudando apenas umas coisinhas é sempre menos arriscado”, diz. Cautelosa, a emissora preferiu testar primeiro os resultados de O sistema: a série será exibida numa temporada de seis episódios.

Fonte: Revista Isto é - http://www.istoe.com.br/

Entrevista: Juliette Lewis

Ela trocou Hollywood pelo rock

A famosa atriz revela por que prefere a música ao cinema e mostra no Brasil a força de sua banda
Por NATÁLIA RANGEL

Juliette Lewis, 34 anos, vem ao Brasil na próxima semana para mostrar o seu lado roqueiro. Ela e sua banda Juliette and the Licks se apresentarão no País depois de cinco anos de estrada. A americana Juliette, "nascida e criada em Los Angeles", é mais conhecida do público como atriz. Atuou em diversos filmes importantes nos quais trabalhou com prestigiados cineastas - ficou famosa, por exemplo, a cena em que, ainda adolescente, é seduzida por Robert De Niro no aterrorizante Cabo do medo, de Martin Scorsese. Ela também estrelou, ao lado de Brad Pitt, o thriller Assassinos por natureza, de Oliver Stone. Juliette, por sinal, teve um longo namoro com Brad, hoje marido de Angelina Jolie. A atriz não se arrepende do tempo dedicado ao cinema mas deixa claro que gosta mesmo é de música. E de rock. Acaba de lançar o álbum Four on for floor (gravadora ST2) que tem a participação do baterista Dave Grohl, líder do Foo Fighters e ex-Nirvana. De Los Angeles, durante uma folga em sua longa turnê, Juliette falou, por telefone, a
ISTOÉ:

ISTOÉ - Há quanto tempo está em turnê?
Juliette Lewis - Estamos na estrada há um ano e dois meses, viajamos pela Europa, pelos EUA e agora faremos alguns países da América Latina. Mas hoje (quarta-feira 17) estou de folga em Los Angeles, minha cidade. Nasci e me criei por aqui.

ISTOÉ - E foi por aí também que começou logo cedo no cinema?
Juliette - É verdade. Fiz testes e comecei fazendo uns seriados meio trash. Mas logo consegui bons papéis e me deslumbrei com o mundo do cinema. Antes eu já fazia música e sabia que voltaria a trabalhar com isso.

ISTOÉ - E como é trabalhar em Hollywood?
Juliette - Eu adoro cinema. Quando estou escrevendo música, cenas de grandes filmes me vêm à cabeça o tempo todo. Mas você fica um pouco refém da indústria cinematográfica quando trabalha como atriz. Não consegue mais organizar a sua própria agenda e fica encastelada em sets de filmagem. Eu adoro o contato com o público, me traz uma energia poderosa.

ISTOÉ - E como surgiu a banda?
Juliette - Eu tinha medo de montar a minha banda. Sabia que quando começasse a montá-la, isso me tomaria por completo. Desperdicei muito tempo fazendo bobagens antes de tomar a decisão.

ISTOÉ - Que tipo de bobagens?
Juliette - Exagerando no álcool, em drogas em geral, badalando muito. Mas sobrevivi. Acho que aprendi a colocar a minha energia nas coisas certas: a música que fazemos é urgente, perigosa e se propõe a divertir.

ISTOÉ - Foi difícil tomar a decisão de criar o grupo Juliette and the Licks?
Juliette - Eu fiquei muito intimidada no início. Não tinha ainda um ponto de vista do que eu queria. Não sou a guitarrista da banda e era minha responsabilidade achar os músicos, nos inspirarmos mutuamente para começar um trabalho juntos com uma identidade musical. E eu acho que quatro anos depois a gente chegou lá e eu gosto do resultado.

ISTOÉ - O que você acha da decisão do Radiohead de colocar o seu novo CD, In rainbows, diretamente à venda na internet na forma de download e dar a opção aos fãs de pagar o quanto quiserem?
Juliette - Eu estou muito ansiosa em saber como as pessoas vão reagir a isso. É uma experiência muito interessante e moderna. E que só pode ser feita por uma banda que já tem diversos discos lançados, dinheiro e muito sucesso. Eu não acho que uma banda iniciante possa fazer isso. Na verdade, não estou certa. Talvez funcione. Eu sou uma pessoa que compra CDs. Não gosto de ouvir músicas no computador.

ISTOÉ - Onde você guarda as suas músicas favoritas?
Juliette - Eu tenho um iPod, mas até hoje não passei as músicas para ele. Viajei toda a turnê com diversos cases cheios de CDs. A verdade é que computadores dão pau, uma ou outra vez isso acontece. E eu não quero correr o risco de perder todas as minhas músicas.

ISTOÉ - Você toca guitarra?
Juliette - Toco mal. A guitarra me assusta. Os dedos se prendem nas cordas, eu me enrolo toda. Sou muito impaciente. Eu toco piano desde criança e, nesse inverno, quando teremos um tempo livre, vou compor para o nosso próximo disco.

ISTOÉ - No seu novo disco você está pintada e vestida com trajes indígenas. Qual a idéia?
Juliette - Não é nada político, não estou engajada na defesa das populações indígenas. Na verdade, eu admiro a cultura dos bravos guerreiros indígenas e sou fisicamente tão pequena que gosto de me imaginar uma brava guerreira. E a cultura dos povos indígenas é marcada pelo espírito de liberdade, o que acho que me acompanha a vida inteira, especialmente nessa minha decisão de seguir a jornada musical.

"Brad Pitt já foi meu marido, trabalhamos juntos em Assassinos por natureza. Ele é um dos atores que apóiam meu lado musical"

ISTOÉ - E o público? Tem sido receptivo com o seu trabalho?
Juliette - Sinto que sim. Em Londres, há três anos, nós tocávamos para 100 pessoas em pequenos clubes, e hoje voltamos e reunimos 25 mil num estádio. É uma experiência poderosa. Escrever uma música, tocar e sentir pessoalmente isso tudo. É muito poderoso, sinto que achei o lugar certo para estar na vida.

ISTOÉ - Você sente que há algum preconceito pelo fato de você ter vindo do cinema?
Juliette - Entre os músicos não sinto tanto, recebi e ainda recebo a colaboração de muitas pessoas. Mas sei que há críticos que não darão o devido valor ao meu disco por esse motivo.

ISTOÉ - E quais artistas colaboraram na sua carreira musical?
Juliette - O Dave Grohl, do Foo Fighters, toca bateria em todas as faixas do meu novo CD. A P.J. Harvey me emprestou uma canção e eu fiz uma regravação dela (Hardly wait) no meu disco anterior. E sabe como eu aproximo o cinema da música? Eu já gravei trilhas sonoras de cinema. É o caso dessa música. Faz parte da trilha do filme Estranhos prazeres. Mas muitas pessoas colaboraram, inclusive pessoas do cinema, Martin Scorsese, Brad Pitt, muitas pessoas me deram apoio, já foram aos shows.

ISTOÉ - O que você imagina do futuro da música na era digital?
Juliette - Acho que com a internet e as gravadoras perdendo o poder que tinham, o caminho serão os shows. Eu acho que caminha para isso. Sair sempre em turnê e ter uma conexão maior com as pessoas. Muitas pessoas, talvez, não vão dar o valor que mereço por eu ter vindo do cinema, ser uma estranha aqui. Mas essa é a realidade.

ISTOÉ - O que você ouve e admira?
Juliette - Eu adoro os experimentalismos feitos por Nico e John Cage nas décadas de 60 e 70. Nico é inspiradora. Na cena atual, amo Björk, Queen of the Stone Age, Foo Fighters. Acho que são pessoas que estão criando outros sons, investigando e trazendo novidades para a cena musical. Amo tudo que emocione, crie uma imagem ou deixe a mente livre.

ISTOÉ - Musicalmente, o que você ouviu recentemente que mais a impressionou?
Juliette - Talvez uma jam session informal de John Frusciante, do Red Hot Chilli Peppers. Ele estava deitado enquanto fazia milhares de experimentalismos, produzindo sons barulhentos com guitarras. A ponto de deixar qualquer pessoa enlouquecida. E na seqüência, ele mandava outro som, realmente bonito. Quando você assiste ao show, percebe como essa alternância de sons e ritmos é poderosa.

ISTOÉ - Você está feliz?
Juliette - Eu tenho 34 anos, sou uma mulher de verdade agora. Às vezes não acredito que cresci.

ISTOÉ - Por quê?
Juliette - Comecei a trabalhar tão criança, era sempre a mais nova, precoce. E, de repente, virei protagonista. Minha geração já está sendo superada por outras que estão chegando por aí.

ISTOÉ - Você pensa em voltar ao cinema?
Juliette - Sei que farei um filme algum dia. Mas não sinto necessidade de fazer um filme só para fazer um filme. Quero trabalhar com pessoas que estejam tentando quebrar regras e fazendo algo novo em cinema. Gosto do Lars Von Trier, do Dogma (movimento cinematográfico que prega a desglamourização), de Quentin Tarantino.

ISTOÉ - Você é casada?
Juliette - Não. Fui casada até cinco anos atrás e hoje somos ótimos amigos. Eu quero alguém que me mantenha aquecida durante a noite. Mas não agora.
"Adoro as experiências musicais feitas por Nico nos anos 60 e 70. É nela que eu continuo me inspirando"

ISTOÉ - Vai passar muitos dias no Brasil?
Juliette - Não teremos tempo este ano. É uma pena porque seria incrível encontrar músicos brasileiros depois do show. Tocar instrumentos e cantar. É incrível como é possível aproximar as pessoas através da música. Não precisa do idioma, nada, porque já existe uma linguagem.

ISTOÉ - O que você mais gosta nesse disco?
Juliette - Eu adoro a mistura de estilos que ele faz. As canções são muito diferentes entre si. Adoro Inside the cage, é uma das minhas favoritas. Estou orgulhosa desse CD.

ISTOÉ - Como o cinema interfere na sua música e vice-versa?
Juliette - Quando estou compondo sempre me lembro de uma cena, de rostos e lugares onde fui para realizar as filmagens. E é muito bom poder trabalhar com ambas as artes, duas áreas criativas. Eu gosto de misturar linguagens estrangeiras. Também participei de videoclipes, como Come to my window, de Melissa Etheridge.

ISTOÉ - Conhece alguma coisa da cultura brasileira?
Juliette - O Carnaval. Sei que tem algumas partes do País em que há bastante misticismo e diversidade musical. E que tem muito sol. Já ouvi tanta gente dizer que o Brasil tem a melhor música do mundo que estou ansiosa para conhecer mais. Quero conhecer a Bahia, pesquisar sons e percussão.

ISTOÉ - O que espera do show por aqui?
Juliette - É lindo que eu esteja indo para aí nesse momento. Quando decidir formar a banda há quatro anos, logo quis sair em turnê. E o meu empresário, organizando a primeira agenda de shows nos EUA, ainda não tinha nem um disco, e ele me perguntou que cidades eu gostaria de incluir. Eu, para mostrar que tinha grandes planos para a banda e que queria ir realmente longe com ela, disse para ele, coloque aí o Brasil, não sei qual cidade, mas quero ir ao Brasil. O seu país veio à minha cabeça do nada, eu jamais o tinha visitado. Bom, demorou um pouco, mas na semana que vem estarei aí.

Ligeiramente virgens

Fonte: Revista Veja - 22/10/07

Judd Apatow e Seth Rogen, de Ligeiramente Grávidos, invertem os sinais da comédia adolescente em Superbad

Isabela Boscov

Três adolescentes, a duas semanas de terminar o 2º grau, compreensivelmente começam a se desesperar com a perspectiva de chegar invictos ao fim de seu último ano letivo. Dois deles têm em vista candidatas com as quais gostariam de inaugurar sua vida sexual; o terceiro acaba de fazer uma carteira de identidade falsa. Se ela passar pelo crivo dos balconistas de lojas de conveniência, eles terão acesso a vodca e cerveja. Tem-se então uma equação perfeita: se na festa daquela noite (a primeira, em toda a sua carreira escolar, para a qual foram convidados) eles conseguirem embebedar as meninas, é possível que, com a visão turvada pelo álcool, elas acabem na cama com eles. "Mulheres embriagadas erram. Nós podemos ser esse erro!", sonha o rechonchudo Seth (Jonah Hill), tentando persuadir seu melhor amigo, o certinho Evan (Michael Cera), a sonhar junto com ele. Seth, Evan e Fogell – que na carteira falsa aparece com o patético nome de McLovin – embarcam, então, naquela saga de tantas outras comédias estudantis americanas. Como nelas todas, o périplo dos personagens de Superbad – É Hoje (Superbad, Estados Unidos, 2007), desde sexta-feira em cartaz no país, começa em função do desespero, e de miragens de bebida e sexo. Mas termina no extremo oposto do habitual no gênero.

Todas as razões pelas quais Superbad é tão igual e tão diferente convergem nos seus realizadores – Judd Apatow e Seth Rogen, diretor e ator de Ligeiramente Grávidos, que aqui ocupam as funções de produtor e co-roteirista. (Rogen, além disso, interpreta um policial que só conseguiria esse posto em caso de extinção, por doença ou hecatombe, de todos os homens em idade de recrutamento.) De novo mesclando obscenidade e meiguice de maneiras improváveis, eles expõem em detalhes excruciantes o assanhamento de seus personagens. Seth, em especial, é incapaz de dizer uma única frase ou fazer um único gesto que não contenha uma baixaria – quase sempre são muitas ao mesmo tempo. Mas Apatow e Rogen são também homens o bastante para assumir sem nenhuma reserva que, se os hormônios ditam, os sentimentos é que inspiram. Nenhum dos três protagonistas recusaria um avanço de um espécime feminino qualquer. Mas trabalham, no limite de seus recursos, para que esse avanço venha das meninas em que fixaram sua atenção – as quais, além dos atrativos óbvios, têm outros mais intangíveis e decisivos. Por exemplo, vivacidade, generosidade e perspicácia para compreender que, embora Seth e Evan às vezes ajam como maníacos, não pode haver nada de tão errado assim com dois sujeitos que são amigos tão leais um para com o outro.

Esse, enfim, é o ponto a que Apatow e Rogen querem chegar. Na primeira cena do filme, Seth e Evan reviram os olhos e falam grosso para disfarçar seu constrangimento intenso quando alguém sugere que eles sentirão falta um do outro, por estarem indo para faculdades diferentes. Na cena final, eles se dão conta de que, sejam quais forem os ganhos da noite anterior, eles cobrarão uma perda: a de uma amizade indivisível e incondicional, como só na adolescência se experimenta. Qualquer pessoa do ramo sabe que não há negócio mais traiçoeiro do que o humor; de um dia para outro pode-se passar de rei da comédia a piada de mau gosto – e os irmãos Farrelly, que dominaram o território por anos depois de Quem Vai Ficar com Mary?, acabam de atestar essa máxima com o fiasco de Antes Só do que Mal Casado. Não é impossível que, daqui a dois ou três filmes, Apatow e sua trupe se vejam em situação semelhante de desfavor. Mas, neste momento, eles estão em completa sintonia com seu público. Porque são engraçados, sem dúvida. Mas mais ainda pela clareza e pelo desarme de sua visão.

As mulheres de Babenco

Fonte: Revista Isto é - 22/10/07

O cineasta Hector Babenco abandona a miséria e a violência urbana e aborda o universo feminino em O passado, uma de suas obras mais pessoais

IVAN CLAUDIO

MATRIARCADO Para Babenco, o argentino quer ter a mãe no poder político e gosta de santificá-la

O cineasta Hector Babenco não suporta mais a violência no País. Dia desses, a caminho da estréia da peça Salmo 91, baseada no mesmo livro de Drauzio Varella que deu origem ao filme Carandiru, ele teve um ataque de pânico e largou o carro no túnel do Anhangabaú, no centro de São Paulo. O diretor de Lúcio Flávio, o passageiro da agonia e Pixote, a lei do mais fraco não quer mais abordar assuntos desse gênero: “Estou há 20 anos mergulhado nesse universo, não consigo mais visitá-lo. É como alguém que teve intoxicação comendo um peixe podre e não consegue mais ver peixe na sua frente.” Seu mais recente filme, O passado, que estréia no Brasil no dia 26, volta as costas para a violência urbana. Fala, no entanto, de outra violência: a das relações amorosas.

Baseado no romance homônimo do argentino Alan Pauls, O passado acompanha a trajetória de Rimini (Gael García Bernal), um jovem tradutor que entra em crise depois de romances devastadores com três mulheres. Também pudera: as mulheres dos filmes de Babenco estão sempre alguns graus fora da normalidade. A primeira delas é Sofia (Analía Couceyro), com quem Rimini fica casado por 12 anos. Quando se separam, ela aceita civilizadamente a perda, mas continua presa ao ex-marido de forma obsessiva. A segunda é Vera (Moro Anghileri), uma modelo belíssima, mas ciumenta em igual medida. Numa das cenas, ao ver Rimini falar com uma menina, o agride imaginando o seu envolvimento em sedução e pedofilia.

A mais estável delas é Carmen (Ana Celentano), tradutora como Rimini, com quem ele tem um filho. A felicidade de Rimini dura pouco porque, à distância, Sofia não suporta ser esquecida. Vera acaba sendo atropelada e morre. Recuperado da perda, Rimini está agora com Carmen, mas Sofia, num surto psicótico, seqüestra o filho do casal, causando a separação. É um golpe fatal na frágil estrutura emocional do personagem. “Sofia não é louca, ela simplesmente enlouquece. É uma Medéia, o arquétipo máximo da mulher que é fiel ao seu amor até o fim”, diz Babenco, referindo-se à personagem da tragédia grega.

A tese de O passado é que as pessoas não se separam, se abandonam. E que o amor não acaba, ele continua reverberando na vida dos ex-amantes: “Fui casado três vezes, cada relação durou 15 anos. Esquecer uma mulher que te deu um filho é impossível. Só se você for um patife.” A princípio, o cineasta pensou em filmar essa história em São Paulo, mas chegou à conclusão de que não daria certo – não pelo clima de violência, mas porque os personagens não se aclimatavam bem ao País. Quanto mais mergulhava na história, mais se via na Argentina de sua adolescência. Decidiu então rodar o filme em Buenos Aires, facilitado pela entrada de capital portenho na produção.

Babenco garante que o filme não tem nada de autobiográfico. “Minha única relação de amor na Argentina foi com aquela maluquinha mostrada em Coração iluminado, que me deixou marcado por toda a vida”, afirma ele. “Isso sem falar do amor que temos pela mãe, que é muito controverso.” Ele descobriu o livro de Alan Pauls justamente numa viagem a Buenos Aires para visitar a mãe doente, mas ainda não se deu conta se a presença dela pairou sobre a história dessas mulheres hiperpossessivas. Sobre o matriarcado argentino que une Evita, Isabelita e agora Cristina Kirchner, ele arrisca uma psicanálise: “Só mesmo a falta da figura materna explica essa desejo do argentino de querer ter a mãe no poder. É uma vocação esquisita, de adorar a mulher como se fosse uma santa.” A Argentina também é um amor que não acaba na sua carreira de dez filmes: Babenco recorreu a três escritores daquele país para criar suas histórias.

Lelouch e a arte que simplifica o complicado

Diretor francês, homenageado da Mostra, fala de vida, cinema, atores e de seu novo filme, o ótimo Crimes de Autor

Luiz Carlos Merten

Em 47 anos de carreira, Claude Lelouch realizou 41 filmes, praticamente um por ano. O primeiro, Le Propre de l'Homme, é de 1966, mas foi com o sexto, em 1966, que ele recebeu dois dos mais cobiçados prêmios do mundo (os mais?) - a Palma de Ouro do Festival de Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro da Academia de Hollywood, outorgados a Um Homem, Uma Mulher. Desde então, Lelouch virou um grande nome do cinema mundial, mas não uma unanimidade. A crítica francesa colou-lhe um rótulo - o de 'industrial do amadorismo'. Cahiers du Cinéma despreza seu cinema. Ele retribui - diz que a revista e a nouvelle vague (com as exceções de François Truffaut e Jacques Demy) fizeram muito mal ao cinema francês.

Mostra Lelouch é um sujeito muito simpático, que está completando 70 anos em 2007. Na sexta, ele concedeu a entrevista que você vai ler, no bar do Hotel Crowne Plaza. No sábado pela manhã, foi passear na Av. Paulista. À tarde, após a sessão de seu novo filme, Roman de Gare - que recebeu o título de Crimes de Autor -, participou de um bate-papo na Faap. Havia muita gente para ver (e ouvir) Lelouch, mas havia ainda mais gente à espera do filme de Gael García Bernal, que também discutiu sua estréia na direção, com Déficit, exibido horas mais tarde.

Crimes de Autor é um 'polar', como dizem os franceses - um policial. Mas talvez não se deva defini-lo somente assim, porque tem momentos de romance, de comédia, de musical. Lelouch adora a mélange (mistura) de gêneros. Deve ser um de seus problemas com os críticos, ele acha - 'Eles não gostam.' Crimes de Autor começa como um flash-back. Fanny Ardant é esta famosa autora de best-sellers policiais que está sendo acusada de haver matado seu 'ghost writer', o cara que realmente escrevia seus livros. A trama dá muitas reviravoltas, é cheia de pistas falsas. 'Foi um dos roteiros mais trabalhosos que escrevi', admite o diretor. Crimes de Autor começou a ser gestado há 15 anos, quando Lelouch teve a primeira idéia. Ele a maturou durante muito tempo. A feitura do filme, propriamente dita, foi rápida - um ano para tudo, roteiro (o período mais longo), realização e montagem.

Quase 50 anos de carreira, 41 filmes, muitos prêmios. O que Lelouch aprendeu sobre a vida neste período? 'Aprendi que a vida é feita de alegrias e tristezas, de bons e maus momentos, e que se deve simplificar as coisas complicadas.' Ele está falando da vida, mas está dando uma definição de cinema - o seu cinema. 'Cada um desses 41 filmes me dá a impressão de haver sido o primeiro. Fazer um filme é como ir à escola. Aprendo sempre. Sou o contrário de um intelectual, que ama complicar as coisas simples.' Desde que fez Um Homem, Uma Mulher, ele acredita em milagres. 'O próprio filme foi um milagre. Fiz sem dinheiro, em condições precárias, apoiado no entusiasmo da equipe. Além dos prêmios que recebeu, Um Homem, Uma Mulher estourou em todo o mundo.' Quando terminaram a filmagem do original, os atores Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée e ele combinaram - se estivessem vivos dali a 20 anos, voltariam aos personagens, para saber o que havia ocorrido com eles.' Em 1986, fizeram Um Homem, Uma Mulher - 20 Anos Depois, mas a repercussão, desta vez, foi mínima.

O amor é o tema dominante da obra de Claude Chabrol, mas ele fez filmes como Retratos da Vida, que cobrem décadas da vida de seus personagens, atravessando a guerra. 'Foi um filme que fiz inspirado nas histórias que meus pais me contavam sobre a Resistência. Em todos os meus filmes, falo sempre de pessoas que conheci, ou com quem cruzei', confessa. Por que o 'polar'? 'Porque é um gênero muito rico e popular. Porque a idéia do crime perfeito é atraente. Quem nunca pensou em matar alguém?' Sobre crime perfeito, ele acrescenta - 'O maior serial killer de todos é Deus, que vive cometendo o crime perfeito.'

A partir do chabadá romântico de Um Homem, Uma Mulher, a música é sempre importante no cinema de Lelouch. 'Trato-a como se fosse uma personagem', ele explica. Quase sempre a música é composta antes e ele já trabalha as cenas com os atores tendo a música de fundo. Por que Gilbert Bécaud em Crimes de Autor? 'Porque é um dos grandes da música francesa e, infelizmente, está um pouco esquecido.' Crimes de Autor repete, no fim, até certo, a mais bela cena do cinema de Lelouch. No desfecho de Viver por Viver, de 1967, Annie Girardot espera a chegada de um avião. Ela não sabe se Yves Montand virá nele. O que se passa no rosto da atriz é algo notável. Annie, a Nádia de Rocco e Seus Irmãos, é uma grande atriz, mas Lelouch fez sua parte - ele nunca lhe disse se Montand desceria ou não daquele avião. Brincar de Deus, jogando com as emoções humanas (e dos atores), também é uma das atribuições do diretor. Ah, sim. Por que ele escolheu Fanny Ardant para Crimes de Autor? 'Porque precisava de uma atriz carismática para fazer uma mulher que não é simpática.'

O sonho acordado de David Lynch

Cineasta propõe viagem sensorial e deixa que o arranjo de sentidos seja construído pelo próprio espectador

Luiz Zanin Oricchio

Hoje é a última chance para ver Império dos Sonhos, de David Lynch. A recomendação tem de vir acompanhada de um aviso: não se trata de filme para todos os gostos. À parte a obviedade dessa observação, deve-se lembrar que Lynch é um experimentador. Joga com a narrativa, com as relações lógicas entre acontecimentos e personagens, e também com a textura do filme. Muitos fãs de Lynch estranham que Império dos Sonhos tenha sido feito em digital, o que limita a possibilidade da paleta de cores possível com uma película de 35 milímetros. Mas, vamos nos recordar que esse tipo de pesquisa com vídeo começou lá atrás, em 1980, com o Antonioni de O Mistério de Oberwald. Não chega a ser novidade. Nem chega a ser nova a constatação de que o trabalho com o digital fecha algumas possibilidades e abre outras. São opções. Tanto assim que o próprio Lynch já declarou que não pretende mais filmar com película, tamanha a liberdade que experimentou com o digital.

Dito isso, e o filme? Bem, o que se pode antecipar é que Lynch propõe uma viagem sensorial, na qual importa o sentido (quer dizer, a direção) mas nem tanto o significado. Isso quer dizer que será virtualmente impossível se comportar diante desse 'objeto' como fazemos quando alguém nos pede para dizer de que determinado filme 'fala' e então nos pomos a contar uma historinha: aconteceu tal e tal coisa, este personagem se apaixona por outro e entra em antagonismo com um terceiro, etc. Nada disso. O filme é como uma instalação; ele nos propõe coisas, e ao contrário das artes visuais, é diacrônico, caminha em determinada direção, mas deixa que o arranjo dos sentidos possíveis seja construído pelo próprio espectador. Essa é a proposta. Tanto assim que, nas entrevistas concedidas no Festival de Veneza, no ano passado, Lynch se mostrou muito lacônico. Se alguém lhe propunha uma interpretação, qualquer uma, ele dizia que estava certa. Se outra pessoa levantava hipótese contrária, ele respondia que também era possível. Nesse momento, o autor desaparece como intérprete da própria obra.

Cabe a nós, portanto, decifrá-la. E, sobretudo, deixarmo-nos levar, nessa viagem fascinante de três horas, por labirintos que são os do sonho ou do próprio inconsciente. Visto sem as amarras da razão, isto é, de nossas expectativas prévias, ele pode ser estimulante, engraçado, irônico, inteligente e, sobretudo, surpreendente - como um objeto surrealista. Sabemos que há uma atriz (Laura Dern), que deve fazer um filme (Império dos Sonhos é também metacinema), mas que esse é um projeto maldito. O que se sugere de Hollywood, esse império interior, é bastante corrosivo. E o que significam esses personagens com máscaras de coelhos que surgem num palco a cada instante? O que você quiser, caro espectador.

Se, apesar de tudo o que se disse de Lynch, a sua praia for outra, dá para recomendar o muito mais linear A Arte das Lágrimas, do dinamarquês Peter Schonau (Memorial da América Latina, 20h40). É um filme que começa como comédia e vai sutilmente mudando de rumo no meio do caminho até se transformar em drama familiar dos mais cabeludos. Como só os nórdicos parecem ter coragem de fazer.

Serviço Unibanco Arteplex 1: Hoje, 20h10. Cotação: Ótimo

Joe Wright reinventa o desejo de reparação de Ian McEwan

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 22/10/07

Filme com a musa do diretor, Keyra Knightley, acrescenta à discussão sobre literatura uma outra, sobre o próprio cinema

Joe Wright acaba de dirigir um comercial milionário da marca Chanel. Keira Knightley é a estrela. Está linda, num longo de seda que mapeia seu corpo. Keira está em Desejo e Reparação, que Wright adaptou do romance de Ian McEwan - editado no Brasil somente como Reparação -, e também em Orgulho e Preconceito, que ele havia adaptado de Jane Austen. Prepare-se para um dos choques desta Mostra, como O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford, de Andrew Dominik, e Sombras de Goya, de Milos Forman. Os três tratam da ambivalência humana e discutem arte e vida. A literatura e o cinema em Desejo; o teatro, no Assassinato: e a pintura em Goya.

Pode-se gostar do filme de Joe Wright exatamente pelo que muitos críticos contestam nele - o excesso. Na sessão para a imprensa, sábado de manhã, havia gente reclamando, gente que em geral leu o livro e acha que o diretor carrega nos excessos melodramáticos na segunda parte. A chave para se entender Desejo e Reparação está naquela praia, durante a guerra. O diretor constrói um plano-seqüência que parece puro virtuosismo técnico, mas propõe algo mais. Sua idéia é que a guerra é este limite, não apenas para os indivíduos, mas para as sociedades.

A sociedade britânica de Desejo e Reparação parece aquela filmada por Joseph Losey - baseia-se no embate entre as classes sociais. Muito da tragédia que ocorre no filme - uma menina de 13 anos interpreta mal o que viu e, baseada nos seus preconceitos (e eles também são ditados pelo desejo ), condena um homem num caso de estupro. Este homem ocorre ser de uma classe inferior e também de ser o amado de sua irmã. Ele sofre o Diabo. Na cena da praia, devorado pela febre, o herói busca água e vai parar num cinema, reduzido a um nada diante da tela gigante que mostra Michèle Morgan e Jean Gabin em Cais das Sombras, de Marcel Carné, de 1938.

Será a arte, o cinema, maior que a vida? É esta a idéia que está em discussão em Desejo e Reparação. No livro, é a literatura, e Joe Wright mantém a discussão, com a entrada em cena de Vanessa Redgrave, para uma participação memorável, que só uma atriz como ela pode proporcionar. Mas à discussão sobre literatura, que é a do livro, ele soma essa outra sobre o cinema. Van Gogh disse, num carta ao irmão Theo, que pintava para consolar. Esse consolo tem aqui outro nome, reparação. Desejo e reparação. Desejo DE reparação. Keira, não é preciso nem dizer, é maravilhosa.

(SERVIÇO)
Serviço Cinemark ShoppingEldorado, sala 7: Hoje, 22 horas. IG Cine: quarta, dia 24, 19 horas. Reserva Cultural, dia 1.º, 16h10.Cotação: Ótimo