segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Ligeiramente virgens

Fonte: Revista Veja - 22/10/07

Judd Apatow e Seth Rogen, de Ligeiramente Grávidos, invertem os sinais da comédia adolescente em Superbad

Isabela Boscov

Três adolescentes, a duas semanas de terminar o 2º grau, compreensivelmente começam a se desesperar com a perspectiva de chegar invictos ao fim de seu último ano letivo. Dois deles têm em vista candidatas com as quais gostariam de inaugurar sua vida sexual; o terceiro acaba de fazer uma carteira de identidade falsa. Se ela passar pelo crivo dos balconistas de lojas de conveniência, eles terão acesso a vodca e cerveja. Tem-se então uma equação perfeita: se na festa daquela noite (a primeira, em toda a sua carreira escolar, para a qual foram convidados) eles conseguirem embebedar as meninas, é possível que, com a visão turvada pelo álcool, elas acabem na cama com eles. "Mulheres embriagadas erram. Nós podemos ser esse erro!", sonha o rechonchudo Seth (Jonah Hill), tentando persuadir seu melhor amigo, o certinho Evan (Michael Cera), a sonhar junto com ele. Seth, Evan e Fogell – que na carteira falsa aparece com o patético nome de McLovin – embarcam, então, naquela saga de tantas outras comédias estudantis americanas. Como nelas todas, o périplo dos personagens de Superbad – É Hoje (Superbad, Estados Unidos, 2007), desde sexta-feira em cartaz no país, começa em função do desespero, e de miragens de bebida e sexo. Mas termina no extremo oposto do habitual no gênero.

Todas as razões pelas quais Superbad é tão igual e tão diferente convergem nos seus realizadores – Judd Apatow e Seth Rogen, diretor e ator de Ligeiramente Grávidos, que aqui ocupam as funções de produtor e co-roteirista. (Rogen, além disso, interpreta um policial que só conseguiria esse posto em caso de extinção, por doença ou hecatombe, de todos os homens em idade de recrutamento.) De novo mesclando obscenidade e meiguice de maneiras improváveis, eles expõem em detalhes excruciantes o assanhamento de seus personagens. Seth, em especial, é incapaz de dizer uma única frase ou fazer um único gesto que não contenha uma baixaria – quase sempre são muitas ao mesmo tempo. Mas Apatow e Rogen são também homens o bastante para assumir sem nenhuma reserva que, se os hormônios ditam, os sentimentos é que inspiram. Nenhum dos três protagonistas recusaria um avanço de um espécime feminino qualquer. Mas trabalham, no limite de seus recursos, para que esse avanço venha das meninas em que fixaram sua atenção – as quais, além dos atrativos óbvios, têm outros mais intangíveis e decisivos. Por exemplo, vivacidade, generosidade e perspicácia para compreender que, embora Seth e Evan às vezes ajam como maníacos, não pode haver nada de tão errado assim com dois sujeitos que são amigos tão leais um para com o outro.

Esse, enfim, é o ponto a que Apatow e Rogen querem chegar. Na primeira cena do filme, Seth e Evan reviram os olhos e falam grosso para disfarçar seu constrangimento intenso quando alguém sugere que eles sentirão falta um do outro, por estarem indo para faculdades diferentes. Na cena final, eles se dão conta de que, sejam quais forem os ganhos da noite anterior, eles cobrarão uma perda: a de uma amizade indivisível e incondicional, como só na adolescência se experimenta. Qualquer pessoa do ramo sabe que não há negócio mais traiçoeiro do que o humor; de um dia para outro pode-se passar de rei da comédia a piada de mau gosto – e os irmãos Farrelly, que dominaram o território por anos depois de Quem Vai Ficar com Mary?, acabam de atestar essa máxima com o fiasco de Antes Só do que Mal Casado. Não é impossível que, daqui a dois ou três filmes, Apatow e sua trupe se vejam em situação semelhante de desfavor. Mas, neste momento, eles estão em completa sintonia com seu público. Porque são engraçados, sem dúvida. Mas mais ainda pela clareza e pelo desarme de sua visão.

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