segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Zumbis atacam no Multiplex

Planeta Terror relembra velhos filmes de horror – e a experiência de vê-los num cinema ruim

Isabela Boscov

Mortos nos anos 80, primeiro pelo videocassete e depois pelos multiplex, os grindhouses, aqueles velhos cinemas pulguentos de centro da cidade que exibiam filmes sem parar (ótimos para se esconder da chuva, fazer hora ou ver o sexo e o sangue que os estúdios então não mostravam), deixaram pelo menos dois órfãos – Quentin Tarantino e Robert Rodriguez. Desde o início da carreira, quando se tornaram amigos, os diretores vêm tentando recriar em seus filmes as emoções lúbricas que, em garotos, viviam quando se refugiavam nessas salas decrépitas para ver produções baratíssimas sobre gangues de kung fu, ataques de zumbis, assassinos de garotas ou perseguições de carros. Há pouco mais de um ano, eles decidiram que o que faltava às recriações era o seu dado mais básico: a experiência do pulgueiro. O resultado foi Grindhouse, um conjunto de dois filmes, um a cargo de cada diretor, mais trailers de títulos fictícios (como o de Mulheres Lobisomem da S.S.) e um bocado de manipulação da película – que já vem riscada, mastigada e até com rolos faltando, substituídos por um acanhado "aviso da gerência". Lançado nos Estados Unidos como programa duplo, Grindhouse passou longe do sucesso que se esperava. Desde então, a dobradinha foi desmembrada (termo mais do que apropriado, considerando-se o conteúdo dos filmes). Planeta Terror (Planet Terror, Estados Unidos, 2007), o filme de Rodriguez, estréia nesta sexta-feira no país, precedido de só um dos trailers falsos. Prova de Morte, de Tarantino, deve chegar aqui apenas em março.

Planeta Terror é uma clássica fita de quinta categoria sobre zumbis. Um gás letal escapa de uma instalação militar, cobrindo todos nas imediações com pústulas borbulhantes e dando-lhes um insaciável apetite canibal. Convidados especiais como Bruce Willis, Naveen Andrews (o Sayid de Lost) e Michael Biehn (do primeiro Exterminador do Futuro) comparecem com as atuações mais pétreas de que são capazes. Os verdadeiros heróis são interpretados por Freddy Rodríguez, como um sujeito de pontaria infalível, e pela muito interessante Rose McGowan, como uma go-go dancer que, ao ter a perna arrancada por um zumbi, trata de substituí-la por uma metralhadora. Perneteando para lá e para cá e atirando no inimigo com seu cotoco, ela vai encarnar uma personagem atávica do gênero: a da "última garota", a quem caberá não apenas purgar o horror, como reiniciar a humanidade. Por limitações reais e fictícias de orçamento, o planeta do título é a Terra mesmo. Ou melhor, uma porção insignificante dela, em algum cafundó do Texas. Prova de Morte segue a mesma linha: Kurt Russell faz um dublê que usa um carro com motor V-8 para perseguir garotas indefesas. Ou isso pelo menos é o que ele pensa.

Com filmes como Pulp Fiction e a série Spy Kids, Tarantino e Rodriguez fizeram quase que sozinhos a fortuna dos irmãos Harvey e Bob Weinstein, quando estes comandavam a produtora Miramax e sua divisão B, a Dimension. Desde que romperam com sua empresa-mãe, a Disney, os irmãos ainda não conseguiram emplacar nenhuma produção que se comparasse em renda ou em prestígio com as suas investidas anteriores. Grindhouse era sua melhor aposta para este ano. Novamente, não é o caso de julgar o filme pela bilheteria. Pela primeira parte do programa, pode-se imaginar quanto se divertiram os sortudos que o viram na íntegra.

O que, afinal, é grindhouse

Esse é o apelido que se dava às salas de baixa categoria (como drive-ins e pulgueiros) que exibiam filmes sem parar

Por extensão, grindhouse designa também as produções baratíssimas exibidas nesses locais

Um grindhouse legítimo pertence ao gênero exploitation. Ou seja, tem de explorar de forma exagerada temas como sexo, horror, escatologia, zumbis, ninjas ou fetiches variados

As pornochanchadas brasileiras dos anos 70 são um ótimo exemplo de grindhouse, pelo tema e também pela técnica tosca

DE DAR SUSTOS TAMBÉM EM QUEM FAZ

Gênero que mais se recicla, por ser barato e ter público certo nos adolescentes, o terror é também o mais volúvel dos segmentos. Às vezes, parece ter morrido de vez; logo desponta de novo como favorito. O desafio é adivinhar qual dos seus subgêneros estará em voga na próxima maré cheia. Até alguns dias atrás, dava-se como esgotado o filão do sangue e vísceras. O Albergue fora um imenso sucesso. Sua continuação, lançada em junho, morreu na praia. Os apostadores do setor já haviam recolhido suas fichas quando, na segunda-feira, amanheceram com uma notícia inesperada. Jogos Mortais 4, da série que é a grande rival em mau gosto de O Albergue, fez quase 32 milhões de dólares na estréia. Em três anos, a franquia já acumulou 464 milhões, contra um total de 30 milhões gastos na sua confecção. Ou seja, ainda não é hora de aposentar os instrumentos cortantes.

Três coisas podem complicar a carreira de um filme de terror. Planeta Terror ilustra uma delas. Em vez de abraçar sua natureza, o filme trilha uma linha sutil entre a paródia e a homenagem – e a platéia moderna abomina a sutileza. As outras duas falhas estão exemplificadas por 1408, em cartaz no país. Estrelado por John Cusack, o filme junta terror psicológico, fantasmas e mutilações, para ninguém se sentir deixado de fora. Ou seja, não informa ao aficionado de cada corrente se aquela história é para ele ou não. Com 100 milhões de dólares de renda, seria possível imaginar que 1408 não é um fiasco. Isso até que se olhe seu orçamento, de 25 milhões. É aí que ele trai o primeiro mandamento do gênero: na relação custo-benefício, que é um pavor.

Fonte: Revista Veja - http://www.veja.com.br/

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