segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Lelouch e a arte que simplifica o complicado

Diretor francês, homenageado da Mostra, fala de vida, cinema, atores e de seu novo filme, o ótimo Crimes de Autor

Luiz Carlos Merten

Em 47 anos de carreira, Claude Lelouch realizou 41 filmes, praticamente um por ano. O primeiro, Le Propre de l'Homme, é de 1966, mas foi com o sexto, em 1966, que ele recebeu dois dos mais cobiçados prêmios do mundo (os mais?) - a Palma de Ouro do Festival de Cannes e o Oscar de melhor filme estrangeiro da Academia de Hollywood, outorgados a Um Homem, Uma Mulher. Desde então, Lelouch virou um grande nome do cinema mundial, mas não uma unanimidade. A crítica francesa colou-lhe um rótulo - o de 'industrial do amadorismo'. Cahiers du Cinéma despreza seu cinema. Ele retribui - diz que a revista e a nouvelle vague (com as exceções de François Truffaut e Jacques Demy) fizeram muito mal ao cinema francês.

Mostra Lelouch é um sujeito muito simpático, que está completando 70 anos em 2007. Na sexta, ele concedeu a entrevista que você vai ler, no bar do Hotel Crowne Plaza. No sábado pela manhã, foi passear na Av. Paulista. À tarde, após a sessão de seu novo filme, Roman de Gare - que recebeu o título de Crimes de Autor -, participou de um bate-papo na Faap. Havia muita gente para ver (e ouvir) Lelouch, mas havia ainda mais gente à espera do filme de Gael García Bernal, que também discutiu sua estréia na direção, com Déficit, exibido horas mais tarde.

Crimes de Autor é um 'polar', como dizem os franceses - um policial. Mas talvez não se deva defini-lo somente assim, porque tem momentos de romance, de comédia, de musical. Lelouch adora a mélange (mistura) de gêneros. Deve ser um de seus problemas com os críticos, ele acha - 'Eles não gostam.' Crimes de Autor começa como um flash-back. Fanny Ardant é esta famosa autora de best-sellers policiais que está sendo acusada de haver matado seu 'ghost writer', o cara que realmente escrevia seus livros. A trama dá muitas reviravoltas, é cheia de pistas falsas. 'Foi um dos roteiros mais trabalhosos que escrevi', admite o diretor. Crimes de Autor começou a ser gestado há 15 anos, quando Lelouch teve a primeira idéia. Ele a maturou durante muito tempo. A feitura do filme, propriamente dita, foi rápida - um ano para tudo, roteiro (o período mais longo), realização e montagem.

Quase 50 anos de carreira, 41 filmes, muitos prêmios. O que Lelouch aprendeu sobre a vida neste período? 'Aprendi que a vida é feita de alegrias e tristezas, de bons e maus momentos, e que se deve simplificar as coisas complicadas.' Ele está falando da vida, mas está dando uma definição de cinema - o seu cinema. 'Cada um desses 41 filmes me dá a impressão de haver sido o primeiro. Fazer um filme é como ir à escola. Aprendo sempre. Sou o contrário de um intelectual, que ama complicar as coisas simples.' Desde que fez Um Homem, Uma Mulher, ele acredita em milagres. 'O próprio filme foi um milagre. Fiz sem dinheiro, em condições precárias, apoiado no entusiasmo da equipe. Além dos prêmios que recebeu, Um Homem, Uma Mulher estourou em todo o mundo.' Quando terminaram a filmagem do original, os atores Jean-Louis Trintignant e Anouk Aimée e ele combinaram - se estivessem vivos dali a 20 anos, voltariam aos personagens, para saber o que havia ocorrido com eles.' Em 1986, fizeram Um Homem, Uma Mulher - 20 Anos Depois, mas a repercussão, desta vez, foi mínima.

O amor é o tema dominante da obra de Claude Chabrol, mas ele fez filmes como Retratos da Vida, que cobrem décadas da vida de seus personagens, atravessando a guerra. 'Foi um filme que fiz inspirado nas histórias que meus pais me contavam sobre a Resistência. Em todos os meus filmes, falo sempre de pessoas que conheci, ou com quem cruzei', confessa. Por que o 'polar'? 'Porque é um gênero muito rico e popular. Porque a idéia do crime perfeito é atraente. Quem nunca pensou em matar alguém?' Sobre crime perfeito, ele acrescenta - 'O maior serial killer de todos é Deus, que vive cometendo o crime perfeito.'

A partir do chabadá romântico de Um Homem, Uma Mulher, a música é sempre importante no cinema de Lelouch. 'Trato-a como se fosse uma personagem', ele explica. Quase sempre a música é composta antes e ele já trabalha as cenas com os atores tendo a música de fundo. Por que Gilbert Bécaud em Crimes de Autor? 'Porque é um dos grandes da música francesa e, infelizmente, está um pouco esquecido.' Crimes de Autor repete, no fim, até certo, a mais bela cena do cinema de Lelouch. No desfecho de Viver por Viver, de 1967, Annie Girardot espera a chegada de um avião. Ela não sabe se Yves Montand virá nele. O que se passa no rosto da atriz é algo notável. Annie, a Nádia de Rocco e Seus Irmãos, é uma grande atriz, mas Lelouch fez sua parte - ele nunca lhe disse se Montand desceria ou não daquele avião. Brincar de Deus, jogando com as emoções humanas (e dos atores), também é uma das atribuições do diretor. Ah, sim. Por que ele escolheu Fanny Ardant para Crimes de Autor? 'Porque precisava de uma atriz carismática para fazer uma mulher que não é simpática.'

Nenhum comentário: