segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Desordem na Tropa de Elite

Filme sobre a polícia teve até seqüestro da equipe durante filmagens

AINA PINTO

ESCOLA Cena em que Moura ensina Junqueira e Ramiro reproduz treinamento com a polícia

Tropa de elite, filme de José Padilha sobre as entranhas de um batalhão da polícia militar, antes mesmo de estrear já é o maior da história do cinema nacional em dois quesitos: custo de produção (R$ 10,5 milhões) e pirataria. Nunca um filme foi tão copiado ilegalmente antes de ir ara a tela. “Queríamos levantar várias questões sobre violência, sobre o usuário de drogas que financia o tráfico. E surgiu também a discussão sobre a pirataria”, diz o produtor Marcos Prado. Mesmo que centenas de pessoas já tenham visto uma das muitas cópias que circulam pelas ruas e pela internet, ele acredita que o filme ainda possa obter um terceiro recorde: bilheteria de 5,3 milhões de espectadores, número só alcançado por 2 filhos de Francisco.

Quando as cópias piratas começaram a circular, surgiram comentários de que se tratava de uma ação de divulgação. “Seria um marketing burro. Ninguém divulgaria um filme a um mês do lançamento”, explica Prado, admitindo que houve, sim, uma divulgação involuntária. Três envolvidos no vazamento das imagens, funcionários da Drei Marc (empresa de legendagem) estão sendo investigados. Houve até boatos de que o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, tivesse visto uma cópia pirata. “Fizemos uma exibição privada para o governador para que ele pudesse falar sobre o filme”, diz o produtor.

A primeira exibição pública oficial será na abertura do Festival do Rio, na quinta-feira 20, e ele só entra em cartaz em 12 de outubro. A história se passa em 1997, quando Nascimento (Wagner Moura), capitão da tropa de elite da polícia, decide deixar o trabalho perigoso para cuidar do filho, mas, antes, tem de encontrar um substituto. O roteiro, baseado em depoimentos reais, foi comprado por R$ 3,9 milhões pela produtora americana Weinstein.

PRODUÇÃO Filme custou R$ 10,5 milhões

Mesmo com o aporte financeiro, os problemas não foram poucos durante as filmagens. Uma equipe técnica chegou a ser seqüestrada no morro Chapéu Mangueira. Todos voltaram ilesos, mas as armas usadas pelos atores sumiram. Depois disso, ficou difícil encontrar outra locação, porque os “donos” de outros morros temiam a presença da polícia. Patrocinadores também desistiram de financiar o filme ao saber do roteiro.

Além dos perigos nas locações, os atores tiveram treinamento com policiais do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais) – e sofreram. “Alguns globais não agüentaram e foram substituídos”, conta Prado. O elenco final é formado por Caio Junqueira, André Ramiro e Fernanda Machado, além de Wagner Moura. Quando todos os empecilhos pareciam terminados, apareceu outro. Alguns policiais ainda tentam impedir o lançamento porque querem identificar quem deu depoimentos ao diretor. “O filme é uma obra artística. É uma ficção baseada em fatos reais. Temos nossos advogados para explicar isso”, avisa Prado.

A vitória do homem comum

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br

Filmes fazem sucesso com atores que estão longe dos padrões de beleza de Hollywood

MARIANE MORISAWA
ROMANCE APROVADO

O gordinho Seth Rogen engravida a loiraça Katherine Heigl em Ligeiramente grávidos

Um ruivo gordinho que não trabalha e vive numa república falando besteira com os amigos conquista uma das loiras mais quentes do momento. Impossível? Pois muita gente achou que Seth Rogen, ator principal de Ligeiramente grávidos, podia se dar bem com Katherine Heigl, a doutora Izzie da bem-sucedida série Grey’s anatomy. Tanto que a comédia custou apenas US$ 30 milhões e arrecadou assombrosos US$ 148 milhões nos EUA, mesmo tendo estreado em meio aos tubarões do verão americano. Deixou para trás filmes como Treze homens e um novo segredo, recheado de bonitões. “É engraçado que existam mais homens do que mulheres que não acreditam nisso”, disse Rogen em entrevista recente. “Olho para o Ben, um perdedor total, sem dinheiro. Mas as mulheres dizem que é possível. Katie Heigl fica indignada quando as pessoas perguntam isso a ela.”

Cera, Mintz-Plasse e Hill, os astros de Superbad.

Ligeiramente grávidos, dirigido pelo mesmo Judd Apatow do sucesso O virgem de 40 anos, não está sozinho ao mostrar que os homens comuns, desses que se vêem nas ruas e não apenas nas telas de cinema, ganharam prestígio em Hollywood. Superbad – é hoje, que estréia em 19 de outubro no Brasil e foi escrito pelo mesmo Rogen em parceria com Evan Goldberg, também virou fenômeno com três garotos desconhecidos e caras de nerd como protagonistas. A produção, que custou US$ 20 milhões e já fez US$ 103 milhões de bilheteria, alçou ao estrelato Jonah Hill, 23 anos, Michael Cera, 19, e Christopher Mintz-Plasse, 18, ao exibir suas tentativas de conseguir bebida e, assim, impressionar garotas. Nada que outros adolescentes não tenham feito na vida, e aí está o segredo dessa comédia adolescente recheada de piadas impróprias para menores. No último Comic Con, a maior feira de quadrinhos do mundo, Hill, Cera e Mintz-Plasse foram bastante assediados por garotas – uma, inclusive, chegou a pedir que um deles autografasse seu peito.

Homer, típico americano da classe média

É só olhar o resto da lista das maiores bilheterias do ano para ver que os três atores são apenas os exemplos mais recentes dessa onda. Outra grande revelação de 2007 é o ator Shia LaBeouf, que caiu nas graças de Steven Spielberg e protagoniza a terceira maior renda de 2007, Transformers (US$ 311 milhões nos EUA). O ator de 21 anos, que está filmando a quarta aventura de Indiana Jones, não pode ser considerado exatamente um galã: é bonitinho apenas. Poderia ser o menino do apartamento ao lado. E, no entanto, é a maior aposta da indústria cinematográfica no momento.

GENTE COMO A GENTE
Shrek é um ogro. Como tantos homens que existem por aí, é rude, mas tem bom coração.

Mesmo os personagens que não são interpretados por gente de carne e osso expõem a preferência de Hollywood e do público pelos homens comuns. Shrek é um ogro, mas foi construído sobre bases humanas: é um sujeito que apenas deseja viver ao lado da mulher amada em seu tranqüilo pântano. E Homer Simpson foi criado à imagem e semelhança de grande parte dos chefes de família da classe média americana.

Shia LaBeouf, de Transformers, é a grande aposta de Hollywood

Nem os heróis são mais os mesmos. O elenco do seriado Heroes é povoado de gente bonita e sarada – só que o personagem de maior sucesso é o Hiro de Masi Oka, que passa longe do estereótipo do galã. A tendência tomou força a partir do Homem-Aranha de Tobey Maguire. Os estúdios têm apostado mais em gente como a gente para viver seus super-heróis. Depois do fortão Eric Bana, quem vai encarar o Hulk é Edward Norton – um grande ator, mas um cara comum. Robert Downey Jr. vai vestir o uniforme do Homem de Ferro. E Seth Rogen, ele de novo, está cotado para ser o Besouro Verde.

Entrevista: Rodrigo Pimentel

Sociedade aceita tortura policial, diz ex-PM que inspirou filme

Rodrigo Pimentel, co-autor do roteiro de "Tropa de Elite" e inspiração para o personagem de Wagner Moura, diz que prática, "lamentavelmente, funciona"

RAPHAEL GOMIDEDA
SUCURSAL DO RIO

Co-autor do livro "Elite da Tropa" e do roteiro do filme de "Tropa de Elite", o ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) Rodrigo Pimentel, que inspirou o personagem de Wagner Moura no longa, diz que a PM do Rio é violenta porque, "lamentavelmente, a tortura funciona". Aos 36 anos, é coordenador de segurança de um banco privado. Ontem, um grupo de 23 oficiais da PM anunciou que entrará hoje na Justiça com um pedido de proibição do filme "Tropa de Elite". Os policiais afirmam que a obra põe em risco a integridade física dos policiais do Bope, além de ser ofensiva à corporação. Planejam ainda uma segunda ação judicial, em que pedirão indenizações por danos morais.

FOLHA - A sociedade aceita a violência e a tortura da polícia?
RODRIGO PIMENTEL - Há no Rio um pacto velado de ignorar os direitos humanos e a tortura. Dezenas de professores, jornalistas, policiais e promotores que viram o filme me ligam, mas ninguém comenta as cenas de tortura. Passam despercebidas. Imaginei que fosse um tratado sobre a tortura e as pessoas a ignoram. O foco passa a ser corrupção policial e tráfico. Cito a morte de João Hélio e a capa de jornais de Rio reproduzindo a foto dos bandidos presos, algemados, e os policiais enforcando os presos, apertando o gogó. Aquela cena por si só já define tortura. Não sou solidário com aqueles bandidos pelo que fizeram, mas não se viu no Rio voz contra isso. A operação do Alemão, por exemplo, acho legítima e gostei do resultado, de 19 mortos.

FOLHA - Gostou?
PIMENTEL - Foi um marco da polícia, que ali saiu da passividade para a atividade, com investimento em inteligência.

FOLHA - Na sua opinião, houve assassinatos no Alemão?
PIMENTEL - É bem provável e razoável [supor] que possa ter havido algum tipo de execução. A OAB, que tradicionalmente tem compromisso com a legalidade, exonerou o presidente da comissão de Direitos Humanos [João Tancredo] que tentou investigar o caso.

FOLHA - Os assassinatos fazem parte do modus operandi da polícia?
PIMENTEL - Boa parte das mortes "em confronto" com a polícia são execuções.

FOLHA - Por que a tortura é usada?
PIMENTEL - Lamentavelmente, a tortura funciona, e o filme deixa isso bem claro. O PM chega ao assassino de um colega com muita rapidez. É eficiente, embora não seja ética nem legal.

FOLHA - E como ocorre na PM?
PIMENTEL - No Bope nunca se pregou a tortura. Nunca um comandante reuniu a tropa e ensinou a torturar, oficialmente. Fiquei sete anos lá -entrei 2º tenente e saí capitão- e nunca vi pregação contra a tortura. Mas nunca vi um comandante dizer: "Não quero, não aceito e vou prender quem fizer".

FOLHA - Em que situações a tortura acontece?
PIMENTEL - Tem uma situação típica da ação policial: o marginal é preso com uma pistola. O PM vai "trabalhar o marginal", esse é o termo, interrogar onde estão os comparsas, as armas, o pó. "Trabalhar" virou sinônimo de tortura. Acredito que o marginal não vá dar tudo isso de mão beijada, até porque terá de prestar contas por isso.

FOLHA - O Capitão Nascimento do "Tropa de Elite" é o senhor?
PIMENTEL - Não, é o Wagner Moura (ri). Na verdade, nasceu de quatro ou cinco capitães.

FOLHA - Como começou seu envolvimento com cinema e seu afastamento da PM?
PIMENTEL - Quando João Salles e Kátia Lund filmaram "Notícias de uma Guerra Particular", fui designado para acompanhá-los no Bope, como uma espécie de censor: ficar ao lado dos soldados, para que falassem só o que deviam. Comecei a lhes contar meus dissabores e decepções. Assinei a autorização para o filme, e meu comandante falou: "Ficou meio esquisito".

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 10/09/07

Ritmo de seriado

Novelas brasileiras ganham soluções mais rápidas para conflitos e muitas cenas de ação
MARIANE MORISAWA

PARAÍSO ACELERADO Novela de Gilberto Braga está quase como o seriado 24 horas: impossível perder um capítulo

Aguinaldo Silva afirmou recentemente que estudou o seriado Deadwood para escrever a novela Duas caras, que substitui Paraíso tropical a partir do dia 1º de outubro, além de sempre rever A família Soprano, que considera uma aula de roteiro. Aguinaldo não é o único. A maior parte dos folhetins que estão no ar na tevê brasileira deve algo aos seriados americanos, que atravessam uma fase de criatividade sem precedentes.

Paraíso tropical, por exemplo. O refinado Gilberto Braga é fã confesso dos clássicos de Hollywood. Sua novela, que entra na reta final, reúne clichês do folhetim, como a gêmea boa e a gêmea má, os ricos decadentes e muita gente mau-caráter. Apesar do talento do autor, que sabe escrever um texto de novela como quase ninguém, Paraíso tropical começou em marcha lentíssima. O resultado: a audiência despencou para desastrosos 37 pontos. A recuperação veio graças à habilidade de Gilberto e do co-autor Ricardo Linhares em rechear a trama de acontecimentos com soluções rápidas, acelerando bastante o ritmo normal de uma novela. A troca das gêmeas, por exemplo, que em outro folhetim seria enrolada até o capítulo final, resolveu-se em poucos dias. É inevitável pensar em seriados como 24 horas e Lost, que provocam nó nos neurônios do espectador que perder um único episódio.

Na Record, a relação é mais evidente. De olho no público masculino, a emissora aposta em muitas cenas de ação. Luz do sol, a novela das oito, promove perseguições de carro pela Barra da Tijuca. Vidas opostas, encerrada no dia 27, tinha picos de audiência com seus tiroteios na favela e em túneis. Caminhos do coração, que acaba de estrear, iniciou com seqüência em que o policial Marcelo (Leonardo Vieira) parecia Jack Bauer, numa operação que envolvia helicópteros e a explosão de um carro. A trama de Tiago Santiago ainda inclui mutantes, astros da série de maior sucesso na tevê por assinatura brasileira, Heroes.

Até a divisão entre bem e mal anda cada vez mais nebulosa. O público não aceita mais as mocinhas sofredoras e passivas. E os vilões ganharam um coração – um dos motivos do sucesso do inescrupuloso Olavo (Wagner Moura), apaixonado pela prostituta Bebel em Paraíso tropical, e do sanguinário Jacson (Heitor Martinez), que amava a mocinha Joana em Vidas opostas. Mais um crédito para os seriados, que colocam um mafioso no divã (A família Soprano) ou, pior ainda, gente que é mocinha numa situação e vilã em outra, como em Lost. Mudanças desse tipo sacodem e renovam a velha estrutura do folhetim.

Fonte: Revista Isto é - 10/09/07

Um roteiro de sucesso

A história do Grupo Severiano Ribeiro traduz a evolução do cinema no Brasil do glamour à era digital

ELIANE LOBATO

Não tinha pipoca. Nem refrigerante. Homens e mulheres usavam chapéus – o que devia atrapalhar bastante o espectador da fila de trás. Mas o ambiente refinado permitia, ou melhor, exigia o requinte. Cheiro de tabaco e perfume francês eram aromas comuns entre as centenas de pessoas que formavam a platéia de filmes como Acorrentada, com Clark Gable e Joan Crawford – primeiro filme sonoro exibido no Rio de Janeiro –, na década de 30.

O luxo era tanto que o porteiro e os lanterninhas vestiam uniformes de acordo com o enredo do filme. Cinema era a melhor diversão, como ainda é hoje. Mas havia uma solenidade que, definitivamente, o vento levou. Será lançado em meados deste mês o livro 90 anos de cinema (Record), com texto de Toninho Vaz e pesquisa de Vinícius Chiappeta Braga, que relata a trajetória das nove décadas do Grupo Severiano Ribeiro, do cinema mudo à tecnologia digital, enquanto rememora clássicos cinematográficos internacionais e da chanchada brasileira.

PIONEIRISMO

Acorrentada foi o primeiro filme sonoro exibido no Rio, na sala do Cine Palácio
A obra ganhou uma versão capa dura distribuída para amigos e familiares de Luiz Severiano Ribeiro (1885-1974), o fundador do império. Mas será comercializada apenas em forma de brochura. As fotos, do acervo da Atlântida, mostram o esplendor dos templos de cinema e os ídolos da telona. Entre as imagens raras, há o incêndio do Cine Majestic, na década de 60, em Fortaleza, que ardeu em chamas como se fosse um efeito especial. A foto tem como legenda a frase certa: “Até o incêndio no Cine Majestic foi espetacular.” Através das salas da cadeia Severiano, os filmes é que incendiavam a cabeça dos telespectadores. Quem foi platéia na década de 40 não escapou do frisson gerado pela tensão do mestre Alfred Hitchcock em O sabotador, ou deixou de se encantar com clássicos do neo-realismo italiano como Roma, cidade aberta, dirigido por Roberto Rossellini. Severiano Ribeiro disputava o mercado com um de seus primeiros fortes concorrentes, o Janja, um empresário que entrou e saiu rapidamente do mercado. “Guerra é guerra”, dizia o patriarca. Bons tempos em que a competição refletia a busca de filmes de qualidade.

Foi no Nordeste que Severiano Ribeiro nasceu e deu início à cadeia no ramo do entretenimento. Mas a distribuição de filmes estrangeiros para a região sempre atrasava. Ele, então, criou uma empresa para a locação de filmes internacionais e, ao mesmo tempo, partiu para a expansão dos negócios na capital federal, o Rio de Janeiro. Foi hostilizado. “Luiz Severiano Ribeiro é apenas o ‘Lampeão’ do Norte que vive amarrado a exhibir films (sic) velhos. No Rio, o perigo é do seu bando. ‘Corisco’ e outros”, escreveu a revista Cinearte, na década de 20. Quanto mais o empresário avançava – associando-se a gigantes como a americana Metro e mantendo contato com gente importante como o magnata das comunicações Assis Chateaubriand –, mais irritava os concorrentes. O trust criado no Nordeste com ameaça de monopólio elevava sua imagem à de um competidor selvagem. O biógrafo Toninho Vaz resume diferente: “Severiano Ribeiro foi um batalhador voltado para o progresso, mas acompanhava seus negócios como um típico dono de botequim.”

Atualmente, o grupo Severiano Ribeiro possui 207 salas de cinema em 14 cidades do País, entre os quais o charmoso Roxy, em Copacabana, no Rio. Ou, ainda, as luxuosas salas com a marca Kinoplex, em São Paulo, ou na Praia da Costa, no Espírito Santo. Além da história no livro, está previsto o lançamento de filmes do acervo da Atlântida em DVDs. Está chegando às lojas o documentário Esse é Carlos Manga”, diretor da Atlântida que lembra de apenas uma restrição imposta na época: “Estávamos proibidos de namorar qualquer atriz.” Outros tempos.

Parceria de berço

Os irmãos Caio e Fabiano Gullane estão entre os produtores mais ativos do país

MARIANE MORISAWA

REALIDADE Querô, que estréia dia 14, trata da tragédia dos menores abandonados

Quase dez anos atrás, o diretor Carlos Cortez conseguiu autorização de Plínio Marcos para adaptar seu romance Querô - uma reportagem maldita. Apesar de ter sido escrito na década de 70, o livro não poderia ser mais atual: seu protagonista é um adolescente pobre, órfão e filho de prostituta, que vagueia pelo porto da cidade paulista de Santos da polícia, da Febem e dos traficantes de drogas. No dia 14 deste mês, o vigoroso Querô, primeiro filme de ficção de Cortez, chega aos cinemas com troféus conquistados em Brasília e no Ceará. Em novembro, bate nas telas de todo o Brasil O magnata, pelas mãos do estreante Johnny Araújo. A produção é baseada num argumento de Chorão, vocalista da banda Charlie Brown Jr. Por trás de Querô e de O magnata está a mesma dupla: os irmãos Caio, 34 anos, e Fabiano Gullane, 36, sócios da Gullane Filmes.

Hoje, eles estão entre os produtores mais ativos do Brasil. Querô e O magnata são seu segundo e terceiro lançamentos de 2007 - o primeiro foi o documentário O mundo em duas voltas, de David Schürmann, sobre as viagens de sua família num veleiro. A produção foi vista por 60 mil pessoas, boa marca para o gênero. "Uma coisa de que gosto dos 'bros' (como são conhecidos pelos diretores) é a dedicação na produção e montagem. Fabiano e Caio não desistiram até que o filme estivesse bom", afirma David. Esse é um dos princípios da Gullane Filmes: "Estamos interessados em produções que se aprofundem", diz Fabiano. Não quer dizer que longas estejam descartados. "Mas é preciso ter elaboração, conteúdo, proposta", afirma Caio.

TELEVISÃO A Gullane Filmes está gravando a minissérie Alice, para a HBO, canal conhecido por apostar na ousadia

Os Gullane começaram ainda adolescentes. Fabiano tinha 13 anos, e Caio, 11, quando seu pai, professor da Universidade de São Paulo, morreu. "O Caio costuma dizer que a gente é daquela geração que veio sem herança e sem poupança. A gente teve que construir nossa vida", diz Fabiano, que sempre foi apaixonado por cinema. Ele comprou um aparelho de som e de luz para festas até ser convidado para um estágio num estúdio de som. Caio, que se vestia de palhaço ou de caipira para animar eventos, passou a mexer com vídeo. Daí foi um pulo para os videoclipes, vídeos institucionais e curtas. "A gente foi percebendo que tinha o maior jeito para a coisa e que funcionávamos bem juntos", lembra Fabiano. Naqueles tempos incertos após o fim da Embrafilme, o sonho de fazer um longa parecia impossível. Em meados daquela década, no entanto, Caio foi chamado para Os matadores, de Beto Brant, e Fabiano, para Kenoma, de Eliane Caffé. Eles mergulharam de vez na produção de filmes: Castelo rá-tim-bum, de Cao Hamburger, Através da janela, de Tata Amaral, Dois córregos, de Carlos Reichenbach, entre outros.

ROCK'N'ROLL Paulinho Vilhena é o protagonista de O magnata, baseado em argumento de Chorão, do Charlie Brown Jr., que chega aos cinemas em novembro

A primeira grande virada dos irmãos foi Bicho de sete cabeças, sucesso de público e crítica. "Foi ali que a gente passou de bons profissionais do mercado para produtores efetivos", diz Fabiano. A segunda aconteceu quando Hector Babenco chamou-os para coproduzir Carandiru. O longa, exibido no Festival de Cannes e com mais de cinco milhões de espectadores no Brasil, só fez a dupla prestar mais atenção no mercado externo. "Cinema é uma arte globalizada. Fazer filmes que só funcionam no Brasil não é o nosso objetivo", diz Fabiano. Depois, veio a busca pelo crescimento, e O ano em que meus pais saíram de férias (2006), de Cao Hamburger, que competiu em Berlim e foi vendido para 20 países, coroou essa busca, tornando-se o terceiro grande momento dos Gullane.

OS GULLANE Fabiano (à esq.) cuida do levantamento de recursos para as produções e Caio é responsável por fiscalizar o uso do dinheiro

O lançamento de O mundo em duas voltas, Querô e O magnata não encerra o ano da produtora, que está gravando a série Alice para a HBO - só a O2 e a Conspiração trabalharam com o canal americano. Paralelamente, rodam dois filmes internacionais: Birdwatchers, coprodução com a Itália dirigida por Marco Bechis, e Plastic city, co-produção com a China sob o comando de Yu Li Wai. Como sempre, eles continuam dividindo o trabalho. Fabiano fica com a captação dos recursos e Caio fiscaliza como eles são utilizados na produção. No primeiro semestre de 2008, lançam duas co-produções brasileiras: Chega de saudade, de Laís Bodansky, e Encarnação do demônio, de Zé do Caixão. Mas eles dizem não quer crescer demais. "A gente nunca vai deixar que o volume de projetos atrapalhe a qualidade", afirma Fabiano.

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 10/09/07