segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Entrevista: Rodrigo Pimentel

Sociedade aceita tortura policial, diz ex-PM que inspirou filme

Rodrigo Pimentel, co-autor do roteiro de "Tropa de Elite" e inspiração para o personagem de Wagner Moura, diz que prática, "lamentavelmente, funciona"

RAPHAEL GOMIDEDA
SUCURSAL DO RIO

Co-autor do livro "Elite da Tropa" e do roteiro do filme de "Tropa de Elite", o ex-capitão do Bope (Batalhão de Operações Especiais) Rodrigo Pimentel, que inspirou o personagem de Wagner Moura no longa, diz que a PM do Rio é violenta porque, "lamentavelmente, a tortura funciona". Aos 36 anos, é coordenador de segurança de um banco privado. Ontem, um grupo de 23 oficiais da PM anunciou que entrará hoje na Justiça com um pedido de proibição do filme "Tropa de Elite". Os policiais afirmam que a obra põe em risco a integridade física dos policiais do Bope, além de ser ofensiva à corporação. Planejam ainda uma segunda ação judicial, em que pedirão indenizações por danos morais.

FOLHA - A sociedade aceita a violência e a tortura da polícia?
RODRIGO PIMENTEL - Há no Rio um pacto velado de ignorar os direitos humanos e a tortura. Dezenas de professores, jornalistas, policiais e promotores que viram o filme me ligam, mas ninguém comenta as cenas de tortura. Passam despercebidas. Imaginei que fosse um tratado sobre a tortura e as pessoas a ignoram. O foco passa a ser corrupção policial e tráfico. Cito a morte de João Hélio e a capa de jornais de Rio reproduzindo a foto dos bandidos presos, algemados, e os policiais enforcando os presos, apertando o gogó. Aquela cena por si só já define tortura. Não sou solidário com aqueles bandidos pelo que fizeram, mas não se viu no Rio voz contra isso. A operação do Alemão, por exemplo, acho legítima e gostei do resultado, de 19 mortos.

FOLHA - Gostou?
PIMENTEL - Foi um marco da polícia, que ali saiu da passividade para a atividade, com investimento em inteligência.

FOLHA - Na sua opinião, houve assassinatos no Alemão?
PIMENTEL - É bem provável e razoável [supor] que possa ter havido algum tipo de execução. A OAB, que tradicionalmente tem compromisso com a legalidade, exonerou o presidente da comissão de Direitos Humanos [João Tancredo] que tentou investigar o caso.

FOLHA - Os assassinatos fazem parte do modus operandi da polícia?
PIMENTEL - Boa parte das mortes "em confronto" com a polícia são execuções.

FOLHA - Por que a tortura é usada?
PIMENTEL - Lamentavelmente, a tortura funciona, e o filme deixa isso bem claro. O PM chega ao assassino de um colega com muita rapidez. É eficiente, embora não seja ética nem legal.

FOLHA - E como ocorre na PM?
PIMENTEL - No Bope nunca se pregou a tortura. Nunca um comandante reuniu a tropa e ensinou a torturar, oficialmente. Fiquei sete anos lá -entrei 2º tenente e saí capitão- e nunca vi pregação contra a tortura. Mas nunca vi um comandante dizer: "Não quero, não aceito e vou prender quem fizer".

FOLHA - Em que situações a tortura acontece?
PIMENTEL - Tem uma situação típica da ação policial: o marginal é preso com uma pistola. O PM vai "trabalhar o marginal", esse é o termo, interrogar onde estão os comparsas, as armas, o pó. "Trabalhar" virou sinônimo de tortura. Acredito que o marginal não vá dar tudo isso de mão beijada, até porque terá de prestar contas por isso.

FOLHA - O Capitão Nascimento do "Tropa de Elite" é o senhor?
PIMENTEL - Não, é o Wagner Moura (ri). Na verdade, nasceu de quatro ou cinco capitães.

FOLHA - Como começou seu envolvimento com cinema e seu afastamento da PM?
PIMENTEL - Quando João Salles e Kátia Lund filmaram "Notícias de uma Guerra Particular", fui designado para acompanhá-los no Bope, como uma espécie de censor: ficar ao lado dos soldados, para que falassem só o que deviam. Comecei a lhes contar meus dissabores e decepções. Assinei a autorização para o filme, e meu comandante falou: "Ficou meio esquisito".

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 10/09/07

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