domingo, 4 de maio de 2008

Jean Rouch e Morin expandiram um gênero

Fonte: Folha de São Paulo - www.folha.uol.com.br
Acesso em: 04/05/08

COLUNISTA DA FOLHA

Jean Rouch (1917-2004) chegou ao cinema a partir da etnologia, marca evidente de alguns de seus documentários mais célebres, como "Eu, um Negro" (1958) e "Jaguar" (1967).

Mas não foi com seus filmes africanos, e sim com o parisiense "Crônica de um Verão" (1960), que ele solidificou as bases do chamado "cinema verdade", nome infeliz para uma estimulante expansão dos limites do documentário.

Co-dirigido pelo sociólogo Edgar Morin, "Crônica" realiza um triplo movimento. Primeiro, colhe, no verão de 1960 em Paris, depoimentos de pessoas comuns sobre suas vidas, suas aspirações, suas idéias de felicidade. Em seguida, coloca em contato alguns desses personagens, fazendo-os entrevistar-se mutuamente. Por fim, Rouch e Morin exibem o material filmado para os próprios entrevistados, ensejando uma calorosa discussão sobre o documentário e os temas abordados.

O racismo, a imigração, as dificuldades de emprego, os choques culturais, as transformações morais, tudo isso vem à tona de modo vivo, em ato. Os próprios diretores aparecem em cena, conversando com seus entrevistados e sendo questionados por eles. Suas idéias iniciais vão se transformando ao longo das filmagens.

Uma das cenas mais surpreendentes é justamente uma conversa entre Rouch e Morin sobre os rumos que o filme vinha tomando. Tudo tem muita leveza e frescor.

Não é difícil perceber, retrospectivamente, a influência exercida por Rouch e seu "metadocumentário" sobre cineastas posteriores, como Eduardo Coutinho, João Moreira Salles e Evaldo Mocarzel. Em todos eles, a despeito das enormes diferenças que os separam, há essa disposição de "ver o outro" e deixar que ele se expresse e se construa diante da câmera.

Depois de Rouch, que soube tirar proveito dos equipamentos mais ágeis de captação de som e imagem surgidos nos anos 50, o documentário perdeu definitivamente a inocência e aprofundou seu duplo caráter de investigação e de arte. (JOSÉ GERALDO COUTO)

CRÔNICA DE UM VERÃO
Direção: Jean Rouch
Distribuição: VideoFilmes
Quanto: R$ 64,90 (em média)
Avaliação: ótimo

Autor usa cinema para explicar novelas

Fonte: Folha de São Paulo - http://www.folha.uol.com.br/
Acesso em: 04/05/08

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

O que cinema e novela têm em comum, além de narrar histórias em linguagem audiovisual? Responder a questão é o esforço de José Roberto Sadek em "Telenovela - Um Olhar do Cinema".

Com origem em tese de doutorado defendida na USP e texto ligeiramente adaptado para publicação, o livro guarda interesse para quem pesquisa ou trabalha com ficções de TV e para o público que consome com voracidade as narrativas que se impuseram há décadas com a força da "vida como ela é".

Uma das vantagens do trabalho de Sadek é priorizar o exame das estruturas, em vez de se ater aos simbolismos, aos significados ou ao estudo dos conteúdos, como os poucos bons estudos até agora já publicados.

Com esse objetivo, o autor recorre ao paradigma do que se convencionou denominar "cinema clássico", um modelo de contar histórias tornado predominante graças à sua adoção em escala industrial, o que implica ser inteligível pelo maior número e diversidade de espectadores. Como o cinema industrial, a TV obedece a princípios que se norteiam pela lógica de mercado e, portanto, buscou na matriz clássica as condições para o consumo de suas ficções na maior escala possível.

A trama linear, a estrutura dramática que toma por base relações de causa e efeito e a distinção nítida de protagonistas e antagonistas são algumas das características do "cinema clássico". A novela parte desses pressupostos, mas os altera por vezes radicalmente, por um conjunto de fatores: a forma seriada que se estende por meses, a duração irregular dos capítulos, a flutuação de ênfase e de audiência nos focos dramáticos, a intromissão de marketing que interrompe seu fluxo.

Ora, como demonstra o autor, tais alterações acabam configurando para a novela uma linguagem de teor e articulações específicas. Sua astúcia é investigar a novela com o olhar do cinema sem pretender tingi-la com aspectos supostamente mais nobres deste modo de expressão. Nem, ao contrário, elevar a novela a um patamar de popularidade que a imponha como modelo para o cinema copiar no esforço da sedução.

TELENOVELA - UM OLHAR DO CINEMA
Autor: José Roberto Sadek
Editora: Summus Editorial
Quanto: R$ 31 (152 págs.)
Avaliação: bom