sábado, 24 de maio de 2008

A estética de choque da Festa da Menina Morta, de Nachtergaele

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 24/05/08
Longa de estréia do ator retrata um mundo primitivo, de paixões intensas e violentas

Luiz Carlos Merten, Cannes
Matheus Nachtergaele estava feliz da vida após a exibição de A Festa da Menina Morta na quarta-feira à tarde. O filme foi bem recebido na mostra Un Certain Regard. Matheus concorre a dois prêmios, o da própria seção em que passa seu filme e também a Caméra d''Or, para o melhor filme de diretor estreante. O problema é que o repórter do Estado só conseguiu assistir à Menina Morta no fim da tarde de quinta-feira e, desde então, o diretor revelou-se incomunicável. Ora estava em Juan les Pins, ora em Nice, com o celular sempre desligado.Na entrevista que deu ao jornal, quando seu filme foi confirmado na seleção oficial, Matheus Nachtergaele disse que A Festa da Menina Morta era ''radical''. É um pouco mais do que isso. O filme nasceu do encontro de um desejo de Matheus com a comunidade que o diretor estreante descobriu, ao filmar na Amazônia. O culto da menina morta, ele já conhecia desde que filmou O Auto da Compadecida na Paraíba. Basicamente, a menina é morta e um cachorro leva na boca seu vestido, que deposita nas mãos do irmão da garota. Ele vira o ''santinho'', mas não é nada disso, e aí entrou o imaginário de Matheus, enquanto ''autor''. Amante do próprio pai, caprichoso, histérico, Santinho transforma-se no depositário das revelações da mártir, na festa que se realiza todo ano. O filme narra os preparativos e as conseqüências da festa, propriamente dita. Embora cronológica, a narrativa não é propriamente linear, no sentido clássico da causa e efeito. São cenas soltas, aqui e ali, e que vão traçando o retrato das personagens. Uma coisa é certa - a reaparição da mãe desestabiliza Santinho e o que deveria ser uma celebração religiosa detona os conflitos, que implodem o personagem.É muito curioso assistir a A Festa da Menina Morta e ver Daniel de Oliveira interpretar - como Santinho - o próprio diretor Matheus Nachtergaele. Seria um papel perfeito para ele. Estreante, Matheus preferiu concentrar-se na realização. Com a colaboração do diretor de fotografia Lula Carvalho, ele cria fragmentos de um filme que poderia ser grande - ou, pelo menos, melhor do que realmente é. O problema de A Festa da Menina Morta é que o filme é muito desequilibrado. O conceito de ''forte'' do diretor poderia muito bem ser definido como excessivo. Menina Morta propõe uma estética de choque que muitos críticos brasileiros, aqui em Cannes, compararam à de Cláudio Assis. A questão é: qual Cláudio Assis? Pois a verdade é que o diretor pernambucano evoluiu (ou amadureceu) extraordinariamente entre Amarelo Manga e O Baixio das Bestas. Embora o universo da Menina Morta pareça mais próximo do Baixio - um mundo primitivo, de paixões intensas e violentas -, Matheus ainda está no Amarelo Manga. Seu filme impressiona, desconcerta, mas é difícil fechar o arco para saber, afinal, o que ele quis - ou quer - dizer.O sexo entre pai e filho, a matança do porco - que não é vista, mas cujo som acompanha o espectador muito tempo após a projeção -, o descontrole do Santinho, a devoção religiosa, tudo fica no limite do excessivo. Mas há momentos redentores. Um dos mais belos é a dança, meio hip-hop, do mestiço índio Douglas, que Matheus descobriu na própria comunidade ribeirinha em que filmou. Toda a interpretação é visceral, misturando profissionais (Daniel de Oliveira, Dira Paes, Jackson Antunes, Cássia Kiss e Juliano Cazarré) com os locais. O próprio Daniel canta o tema e você é capaz de jurar que é Caetano Veloso.

O melodrama em Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 24/05/08

Ubiratan Brasil

Há uma tradição no cinema de que filmes de grande sucesso não rendem boas continuações - o original esgota o filão. Mas, como toda regra tem uma exceção, aqui os exemplos são vários. E um deles, Quarteto Fantástico e o Surfista Prateado, será exibido hoje pelo Telecine Premium, às 22 horas.O problema do primeiro da série estava na ingrata tarefa de apresentar os personagens, ou seja, mostrar como aquele grupo de quatro pesquisadores passa a desfrutar os superpoderes depois de um acidente que modifica seus cromossomos.Agora, com a chegada de um inimigo à altura (Surfista Prateado), o quarteto passa por uma provação adequada. Ele é o personagem que carrega uma carga melodramática por se sentir um fiel servidor de Galactus, o devorador de mundos que ameaça a Terra. Sua fraqueza, porém, se torna visível ao conhecer Sue Storm, a Mulher Invisível, que não apenas faz lembrar seu grande amor como provoca um conflito interno.É essa angústia que humaniza o filme, recheado de efeitos especiais. O filme também é mais relaxado que o primeiro da série, justamente por trazer mais piadas, especialmente entre os membros do quarteto, que se provocam.

"McCann" Documentário suaviza polêmicas

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 24/05/08

CLARA FAGUNDES

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Um ano após o desaparecimento de Madeleine McCann, os pais da garotinha inglesa recebem a GNT. Parecem sóbrios, anestesiados, prontos para gravar mais um capítulo da campanha incessante para encontrar a menina, vista pela última vez em Portugal, dias antes de completar 4 anos. Em casa, os médicos Gerry e Kate McCann acumulam caixas de cartas sobre o caso: doidas, cruéis, boas idéias. Nenhuma levou à menina. A busca por Madeleine tornou-se uma luta feroz entre a polícia, a imprensa e os pais, suspeitos oficiais do desaparecimento desde setembro. Tablóides ingleses e portugueses publicaram reportagens sugerindo que os McCann mataram a filha e encobriram o caso. A trégua veio em forma de acordo extrajudicial, com pedido público de desculpas e doação ao fundo para encontrar Madeleine -que também paga despesas da família. Sempre na trincheira dos pais, a GNT suaviza pontos polêmicos. Não ouve testemunhas, a polícia, os jornalistas que reproduziram especulações precipitadas, o luso-britânico Robert Murat -declarado suspeito pela imprensa e só depois pela polícia. O resultado, monocórdico, decepciona.


O DESAPARECIMENTO DE MADELEINE MCCANN

Quando: hoje, às 20h

Kaufman estréia como diretor em trama "teatral"

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 24/05/08
Festival de Cannes termina amanhã com premiação; hoje, são exibidos Cantet e Wenders
Primeiro longa de famoso roteirista tem como protagonista Philip Seymour Hoffman, que interpreta diretor teatral

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
O 61º Festival de Cannes exibe hoje os últimos dois títulos entre os 22 que concorrem à Palma de Ouro, a ser entregue amanhã.O francês "Entre les Murs" (entre muros), de Laurent Cantet, trata da experiência de um professor com alunos de origem imigrante, baixa renda e sujeitos à violência, em Paris.O alemão "Palermo Shooting" (fotografando Palermo), de Wim Wenders, acompanha um requisitado fotógrafo alemão que abandona a fama e tenta reconstruir sua vida em Palermo, na Sicília (Itália).O roteirista norte-americano Charlie Kaufman ("Adaptação", "Quero Ser John Malkovich"), exibiu ontem seu primeiro longa como diretor, "Synecdoche, New York"."Sempre escrevo sobre o que estou pensando. Naquele momento [em que escreveu o roteiro do filme], eu estava pensando sobre como é ficar velho. Essa é a nossa batalha", disse.No longa, o diretor de teatro Caden Cotard (Phillip Seymour Hoffman) trabalha durante duas décadas na montagem do que pretende ser a sua obra-prima. A peça é um simulacro da realidade, com o qual Cotard quer refletir sobre o quanto um indivíduo é sujeito de sua própria história. Paralelamente ao trabalho, Cotard experimenta uma vida privada em deterioração, em que passa por dois casamentos e alguns funerais de parentes próximos.Kaufman enlaça as narrativas cinematográfica e teatral e adiciona elementos de absurdo na produção, que ele descreve como "monumental, com centenas de atores e sets".Padres e DeusTambém estrearam ontem o cingapuriano "My Magic" (minha mágica), de Eric Khoo, e o italiano "Il Divo" (o divo), em que Paolo Sorrentino traça um perfil feérico de Giulio Andreotti, que foi sete vezes premiê da Itália e deixou o poder sob uma enxurrada de processos criminais e a acusação de envolvimento com a máfia. "Os padres votam, Deus, não" é uma das frases com que o democrata cristão Andreotti (vivido por Toni Servillo) resume seu pragmatismo no filme.O canadense Atom Egoyan estreou na última quinta seu "Adoration" (adoração). Com uma história que mistura intolerância racial, o poder multiplicador da internet e o terrorismo pós-11 de Setembro, o filme de Egoyan dialoga com o "Che" de Soderbergh, ao indagar o que significa, nos dias de hoje, a figura de um mártir e por quais causas é legítimo morrer e matar.