quarta-feira, 8 de agosto de 2007

Os últimos ícones

Reportagem extraída do site http://www.istoe.com.br/ - Revista Isto é de 08/08/07

A saída de cena de Antoni e Bergman encerra a era dos grandes inventores da sétima arte


Por IVAN CLAUDIO

SILÊNCIO Antonioni não falava desde 1985, mas ainda assim dirigia

Com a morte do cineasta sueco Ingmar Bergman e a do diretor italiano Michelangelo Antonioni na segunda-feira 30 não desaparecem apenas dois gigantes da sétima arte - encerra-se também uma visão de cinema em que os filmes retratavam a realidade sem fazer nenhuma concessão ao mercado e ao entretenimento. Pertencentes a uma mesma geração, aquela que entrou em cena no pós-guerra, os dois reinventaram a linguagem cinematográfica de forma que ela fosse capaz de refletir sobre temas mais complexos, ligados a uma nova realidade urbana. O fim dessa época de ouro do "cinema de autor" não significa que as salas de exibição estejam ocupadas apenas pelos blockbusters. Ainda existem diretores que levam adiante as conquistas desses dois mestres. São poucos, tão poucos, que só vale a pena ressaltar, no caso de Antonioni, o trabalho de três de seus excelentes herdeiros: o malaio Tsai Ming-Liang e os chineses Wong Kar Wai e Jia Zhang-Ke. E Wim Wenders? Pois bem, ele é um "antonioniano" confesso (ajudou a dirigir Além das nuvens), mas há muito não apresenta o vigor das obras de início de carreira. Bergman, então, não deixa grandes discípulos: seu cinema é tão pessoal que até Woody Allen desistiu de ser "bergmaniano" depois de Interiores.

MODERNO Antonioni abordou a identidade em O passageiro e Zabriskie Point

Os dois mestres poderiam ter se dedicado exclusivamente à literatura (caso de Antonioni, que era crítico e jornalista) ou ao teatro (caso de Bergman, que começou no palco). Mas acreditavam que poderiam levar para uma arte de massas conteúdos antes reservados aos romances. Eles aproveitaram, claro, o contexto favorável à experimentação. Antonioni fez seu primeiro filme, o documentário Gente do pó, de 1943, em plena eclosão do neo-realismo, movimento que pregava a apreensão da realidade sem os filtros hollywoodianos. Mais ao norte, Bergman dava prosseguimento à escola nórdica de Carl T. Dreyer e Victor Sjostrom, com Crise, de 1946. Saídos da burguesia, com a recuperação econômica da Europa logo definiram um estilo e um tema de preocupação, centrado nas angústias das classes abastadas. Antonioni chega ao auge com a chamada trilogia da incomunicabilidade, formada por A aventura, A noite e O eclipse. Influenciado pela psicanálise, Bergman passa a investigar a vastidão da alma humana numa seqüência de obras que culmina com Persona.

FIDELIDADE Bergman havia abandonado o cinema em 1982, mas sempre voltava ao set

Apesar das origens (Bergman teve uma rígida educação protestante e Antonioni sempre se mostrou um materialista), a dupla desenvolveu uma temática parecida. Na superfície, seus filmes tratam dos mesmos assuntos - problemas do relacionamento humano, da dificuldade da comunicação entre as pessoas, da angústia e do tédio existencial. Mas, no estilo, são radicalmente diferentes. Em parte pela sua formação religiosa, Bergman sempre se mostrou mais metafísico, questionando, por exemplo, o silêncio de Deus e o mistério da morte em O sétimo selo. Poucos cineastas sabiam perscrutar um rosto humano como ele - não por acaso, um de seus filmes chama-se O rosto. Em movimento oposto, Antonioni era mais exterior, buscava entender seus personagens na forma como o tempo interage com a interioridade. Os vazios espaciais e os chamados "tempos mortos", onde nada acontece, eram a sua marca. Antonioni completaria 95 anos em setembro e vivia com uma parte do corpo imobilizada, não conseguindo falar desde 1985. Sua trajetória reúne 35 produções, entre elas clássicos como Blow up - depois daquele beijo e O passageiro - profissão repórter. A última vez que esteve num set foi em 2004, quando assinou um episódio de Eros. Autor de obras-primas como Morangos silvestres, Gritos e sussurros e mais 52 títulos, Bergman tinha 89 anos. Não filmava desde Saraband, feito há quatro anos, e inédito nos cinemas brasileiros.

METAFÍSICO Bergman discutiu a morte em O sétimo selo e a psicanálise em Persona