segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Cinema de artista

Artistas plásticos fazem trabalhos em vídeo tendo a linguagem do cinema clássico como referência. Mas a exibição é feita em museus

PAULA ALZUGARAY

CITAÇÃO Rodrigo Andrade inspirou-se na tela Office at night, do pintor americano Edward Hopper, para criar o enredo de Uma noite no escritório

Em entrevista a um talkshow da televisão italiana, a cineasta Ornella Castelli di Sabbia ataca a unanimidade da crítica especializada, que aclamou seu novo filme, Lost story, como "um reflexo da impossibilidade da narrativa tradicional no contexto pós-moderno e pós-estruturalista". Sob aplausos e assobios, ela diz nos primeiros minutos do mesmo Lost story, que pode ser visto até 2 de dezembro, no Sesc Pompéia, em São Paulo, na exposição CTRL_C + CTRL_V / Recortar e Colar, ou ainda na categoria "weird stuff" do MySpace.com e do YouTube.com: "Meu filme não é sobre a impossibilidade de se contar histórias, como dizem esses jornalistas dementes. Ele conta uma história; uma história perdida, é certo; mas nunca uma história impossível." A questão imposta à "prima-dona do cinema italiano contemporâneo" pode ser demente, mas não é nova. Ela vem sendo colocada aos cineastas de todo o mundo desde a entrada do vídeo no campo da criação audiovisual e desde que os filmes começaram a perder os enredos e as narrativas que estruturavam seu bom e velho "começo, meio e fim". Em 35 minutos de duração, Lost story - homenagem a Estrada perdida e Uma estória verdadeira, de David Lynch - tem cinco começos e cinco finais. O filme - assim como a cineasta - é uma criação coletiva da artista plástica Dora Longo Bahia e colaboradores que incluem a designer Priscila Farias e o fotógrafo Marcelo Arruda. Terceiro de uma série de filmes de diretores fictícios, forma, ao lado de trabalhos de Rodrigo Andrade, Wagner Morales e Nuno Ramos, uma safra de vídeos que se referem e parodiam as narrativas clássicas do cinema.

O mais recente lançamento do que pode ser identificado como um "novo cinema de artista" é Uma noite no escritório, definido pelos diretores Rodrigo Andrade e Wagner Morales como uma "experiência pictórico/cinematográfica". Autêntico filme B, ele mistura citações a David Cronenberg, Alfred Hitchcock, pornochanchada, Nelson Rodrigues, quadrinhos de Crumb e à pintura Office at night (1940), de Edward Hopper. Ao contrário da história aberta de Ornella di Sabbia, o argumento do artista plástico Rodrigo Andrade é bem delineado. Trata-se da breve história de uma noite na vida de um diretor de banco (interpretado pelo próprio Andrade) acometido por alucinações. As visões - grossas camadas de tinta a óleo em formas retangulares e circulares - partem das paredes do edifício da Caixa Econômica Federal, no centro de São Paulo (onde Andrade realizou a exposição As paredes da Caixa, em 2006) e se expandem para lugares tão incomuns quanto a testa do contínuo do banco ou os quadris da secretária, interpretada pela atriz pornô Morgana Dark. "Acho que a originalidade do filme está na junção do argumento insólito com a narrativa clássica", diz Andrade.

Por mais cinematográfico que se pretenda - o filme teve sua avant-première em sala de cinema e será exibido na Mostra do Audiovisual Paulista, no início de dezembro -, a obra pode ser vista como uma intervenção pictórica sobre filme. Se Andrade usa o cinema como suporte para a pintura, Wagner Morales utiliza- o como tema na série Vídeos de cinema que relê gêneros como o filme de guerra, de ficção científica, de horror e o road movie. "É o vídeo se fazendo passar por cinema", diz Morales, que estrutura seus trabalhos sempre a partir da trilha sonora. "Ocorre que o cinema clássico se vale do som para deixar a montagem cada vez mais 'invisível', colocando- o sempre a reboque da imagem e fazendo com que a narrativa corra macia aos olhos", diz Morales. "Tento fazer o contrário: enfatizar o som enquanto elemento estruturador ou perturbador da imagem." O mais recente deles, Film de cul, também prioriza o som. Realizado na França e falado em francês, é uma espécie de transa verborrágica entre um casal sentado em uma mesinha de bar. As referências possíveis aqui vão da nouvelle vague ao sexo em tempos de internet.

Film du cul foi exibido no 16º Festival Sesc Videobrasil (que teve a relação entre cinema e vídeo como tema), assim como Iluminai os terreiros, de Nuno Ramos, Eduardo Climashauska e Gustavo Moura. Da mesma forma que os dois filmes anteriores do trio, Luz negra e Casco, o vídeo fica na fronteira entre a documentação de intervenção artística e uma proposta narrativa que persegue o ilusionismo cinematográfico. Entre eles, Casco é o que busca o cinema de forma mais assumida, ao trabalhar com atores e texto. "Se quiser prosseguir com minha experiência com cinema, tenho que encarar este 'outro' que é o ator", diz Nuno Ramos. A idéia parece ser essa mesma, já que o longa- metragem Dádiva está a caminho. No livro Ensaio geral, que sai pela Editora Globo no final de novembro, Nuno Ramos publica uma prévia. "O pré-roteiro estará lá, caso alguém queira conferir."

Fonte: Revista Isto é - www.istoe.com.br Acesso em: 19/11/07

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