quinta-feira, 22 de maio de 2008

Jean-Pierre e Luc Dardene, os irmãos belgas que se completam

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 22/05/08

Eles explicam como se inspiraram numa história real para fazer O Silêncio de Lorna

Luiz Carlos Merten, Cannes

Jean-Pierre e Luc - que cinéfilo de carteirinha não identifica os dois irmãos belgas, os Dardenne, duas vezes vencedores da Palma de Ouro? Eles conversam com o repórter do Estado - que foi integrante do júri que presidiram, e que atribuiu a Caméra d''Or de 2005 - no stand da Unifrance no Village International, a parte ''aberta'' do Mercado de Filmes que se desenrola numa paisagem de frente para o mar. Os Dardennes estão felizes de voltar a Cannes, e à competição. ''Submetemos o filme à comissão de seleção e Thierry Frémaux (diretor artístico) poderia tê-lo recusado. Independentemente de prêmios, é sempre bom estar aqui para rever amigos e ver alguns bons filmes.''

É difícil estabelecer divisões quando se fala com Jean-Pierre e Luc. Eles possuem uma cabeça em dois corpos. Não são jograis, mas seus pensamentos se completam e às vezes um começa a frase que o outro termina. Eles estão muito satisfeitos com o novo filme, O Silêncio de Lorna.

Por que Lorna?

Uma amiga albanesa nos havia contado a história que serviu de base para o personagem de Jérome Rénier. Seu irmão era junkie e foi abordado para fazer um casamento branco, para uma estrangeira puder adquirira nacionalidade belga. Ele estava prestes a aceitar, mas felizmente sua irmã lhe fez ver que, em geral, essas histórias terminavam abruptamente por uma overdose. O assunto nos interessou, mas não queríamos fazer mais um filme na perspectiva masculina, como em O Filho e A Criança. Contar a história pelo ângulo feminino nos pareceu mais interessante, e surgiu Lorna.

É interessante ver como homens conseguem expressar de forma tão verdadeira a intimidade de uma mulher.

Era nosso desafio e foi o que nos atraiu. E também porque Lorna nos permite retomar, em outro nível e com outras preocupações, temas que já estavam em O Filho e A Criança. Se você se lembrar de O Filho, o homem ficava preso na amargura do assassinato do filho. A mulher se reconstruía. Casava-se com outro e vinha lhe anunciar que estava grávida. As mulheres, que vivem numa sociedade dominada pelos homens, podem ser muito duras na manipulação do poder, mas e também são mais ternas e fundadoras do que os homens, talvez por causa das mudanças físicas. O homem planta a semente, mas é a mulher que gera o filho.

O filme possui estrutura estranha, vamos dizer assim. Lorna é cooptada para esse casamento branco com um junkie ao qual ela se liga, mas na metade do filme ele morre abruptamente. Por quê?

Não nos peça para explicar, porque não saberíamos dizer, mas sempre estivemos de acordo de que a morte não deveria ser filmada. Isso introduz uma quebra no filme, que foi deliberada, e também a ausência do morto meio que prepara o espectador para a criança que, na verdade, também não está no filme, e até há dúvida se existirá. Lorna engravida, mas há a suspeita de que seja uma falsa gravidez.

Vocês usam menos o plano-seqüência, desta vez. Por quê?

Filmamos muito em planos-seqüências que depois desconstruímos na montagem por uma questão simples, de ritmo. Contamos uma história que tem vários personagens e diferentes pontos de vista. O corte permite juntar mais as diferentes perspectivas.

Como sempre, vocês têm atores maravilhosos. Como encontraram Lorna?

Arta Dobroshi é uma atriz húngara muito talentosa. Nós a selecionamos por audição, após vê-la em dois filmes. No início, ela não falava francês, foi preciso passar por duas preparações. Não podíamos fazer o filme com uma personagem húngara, pois não poderia pertencer à União Européia, o que já lhe daria direito à cidadania belga. Optamos por uma personagem albanesa. Felizmente, ela é talentosa, a alma que precisávamos para Lorna.

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