quinta-feira, 22 de maio de 2008

Festival recebe Nachtergaele com aplauso comedido

Fonte: Jornal Folha de São Paulo - 22/05/08

61º Festival de Cannes

Na estréia ontem, parte do público aplaudiu monólogo de Paulo José; outros deixaram sessão em cena de incesto

"A Festa da Menina Morta" mostra comemoração dos 20 anos do sumiço de uma garota; família vive em torno de seu fantasma

SILVANA ARANTES
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

Ao apresentar seu primeiro filme como diretor, ontem, na mostra Um Certo Olhar, do 61º Festival de Cannes, falando em francês, Matheus Nachtergaele disse que "A Festa da Menina Morta" pertence a "uma grande parte do cinema brasileiro, porém não muito conhecida, que se arrisca a falar desse país enorme, maravilhoso e terrível que é o nosso".

A produtora Vania Catani (Bananeira Filmes), uma das 15 pessoas da equipe que acompanhava Nachtergaele no palco da sala Debussy, fez uma breve e emocionada declaração: "Há cinco anos, entrei pela primeira vez nesta sala. Desde então, sonhei sozinha que esse seria um bom lugar para começar a mostrar nosso filme".

A pedido do diretor, toda a equipe se deu as mãos e ficou em silêncio durante um minuto, repetindo o gesto que antecedeu cada dia das filmagens.

No fim da projeção, que teve a presença do júri da mostra, os aplausos foram comedidos; alguns críticos franceses trocaram impressões favoráveis ao filme.

Comparado a Glauber Rocha por uma jornalista do festival, Nachtergaele disse: "Admiro muito o Glauber. Ele é um mestre para todos os que, de fato, amam o cinema. Mas será que fui tão louco para fazer um filme como os dele?".

Santidade
Em "A Festa da Menina Morta", a família de uma criança desaparecida no interior do Amazonas passa a viver em torno de seu fantasma. O filme acompanha a preparação da festa dos 20 anos do desaparecimento da menina. Nesse tempo, os moradores da região passam a atribuir poder milagroso aos trapos do vestido que a garota usava e a acreditar na santidade de quem os encontrou -um irmão dela, vivido por Daniel Oliveira.

O comportamento religioso da comunidade e a dinâmica interna da família são observados pelo filme. Na casa de Santinho, é tacitamente proibido falar da mãe, que se matou.

O pai dedica-se à bebida e às mulheres, mas é também amante do próprio filho, que julga santo. O irmão descrê do milagre e do caráter religioso da festa -"Qual o milagre aqui? Isso é só um bando de homem bebendo cerveja"-, mas se sente compelido a participar.

A exploração econômica e política da fé religiosa é outro aspecto do filme, insinuado na festa, ápice do filme e da interpretação de Oliveira.

Incesto

Enquanto o público consome churrasco e música regional do lado de fora, dentro da casa de Santinho há um reencontro com sua mãe (Cássia Kiss) e as razões do ato desesperado.

Durante a sessão do filme, alguns espectadores abandonaram a sala, a partir do momento em que se concretiza a primeira cena de incesto, filmada na discrição de uma penumbra. Outros aplaudiram um monólogo do ator Paulo José, que interpreta um padre.

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