sexta-feira, 23 de maio de 2008

Entrevista: Lucrecia Martel

Fonte: Jornal O Estado de São Paulo - 23/05/08

O mais argentino dos filmes de Lucrecia Martel

Em La Mujer sin Cabeza ela volta a falar da família e leva espectador à reflexão

Luiz Carlos Merten

Lucrecia Martel confessa-se surpresa e até mesmo um tanto perplexa. Ela pensou que estava fazendo com La Mujer sin Cabeza seu filme mais comercial, ou pelo menos o mais fácil, com o qual finalmente ganharia dinheiro no cinema - e ri quando conta isso -, mas a reação das pessoas nas entrevistas que tem dado, aqui no 61º festival, indicam que, na verdade, ela deu um grande nó na cabeça dos espectadores.

Por que você achou que A Mulher sem Cabeça seria mais facilmente assimilável do que O Pântano e A Menina Santa?

Porque este é um clássico filme em três atos. Bem, talvez exagere um pouco ao dizer ''clássico'', mas La Mujer sin Cabeza tem esses três momentos muito específicos - o acidente, a suspeita de uma mulher, de que pode ter matado alguém, e os desdobramentos do caso. Achei que tudo isso era mais claro do que a construção de meus filmes anteriores, mas pelo visto me enganei. Muita gente com quem tenho conversado simplesmente não entende o filme, ou me acusa de ter dificultado as coisas para o público.

Talvez seja o preço que você tenha de pagar por seu cinema, que não é exatamente conforme o modelo que o público brasileiro adora - histórias simples e humanas, contadas de forma direta. Digo isso, mas faço a ressalva de que seu cinema tem um público entusiasmado no circuito alternativo brasileiro...

Não tento complicar desnecessariamente as coisas. Para mim, o cinema é um sistema de pensamento. O plot, a trama, nunca é o mais importante, mas eu não posso me desligar dela, porque senão não conseguiria articular um discurso coerente. Acho que a riqueza do cinema argentino está na sua diversidade. Ainda não vi Leonera, mas ouço que Pablo (Trapero) criou uma história forte. Lisando Alonso, com quem talvez me identifique mais, está aqui com Liverpool. Ele é muito bom na sua maneira de partir de um detalhe para conseguir abordar o mundo. Cada um tem o seu estilo. O meu consiste em criar uma estrutura que expresse o que penso e também convide o espectador a pensar.

A piscina, a religião, o segredo - aqui a suspeita -, a família apodrecida, a vida na província. Todos os seus temas reaparecem aqui.

Mas são os temas que me interessam. Cresci numa cidade de interior, integrante de uma família enorme. Um clã, por assim dizer. É natural para mim colocar todas essas coisas em meus filmes, mas eu espero não me repetir. Essas coisas estão no filme, mas a serviço de outra reflexão.

Sobre o quê, exatamente?

Prosseguindo com aquilo que você falou antes, sobre as histórias simples e humanas, acho que isso é só uma parte do cinema e da realidade argentinos. Dou-me agora conta de que Uma Mulher sem Cabeça, que para mim é simples, é o mais argentino dos meus filmes e isso o torna complicado para o restante do público mundial.

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