quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Riqueza em detalhes

A Jovem Rainha Vitória capricha em preciosismos

Simples, leve e belo. Assim é A Jovem Rainha Vitória, de Jean-Marc Vallée, que está em cartaz nos cinemas. São cerca de 100 minutos de um filme delicioso de se assistir.

A Rainha Vitória é uma das figuras mais importantes do Reino Unido e sua trajetória já é bem conhecida. Sabendo disso, o excelente roteirista Julian Fellowes (Assassinato em Gosford Park) faz uma trama simples, sem grandes preocupações históricas, mostrando apenas um panorama do início do reinado mais longo da Inglaterra e de um dos primeiros casamentos por amor de que se tem notícia na história na coroa inglesa. A falta de conflitos densos poderia tornar o filme monótono, mas as riquezas de detalhes, tanto no roteiro de Fellowes quanto na direção, fazem de A Jovem Rainha Vitória mais um filme de época inglês encantador.

Vitória é a única a sucessora natural de seu tio, o Rei William IV, e o centro de uma disputa política na Europa. Sabendo disso, sua mãe a cria em total clausura, planejando assumir a regência até os 25 anos da filha. Só que Vitória quer se libertar do domínio materno e se recusa a lhe passar o trono. Poucos dias antes da morte de seu tio, ela conhece o Príncipe Albert, seu primo-irmão que se aproxima dela por interesse político do tio de ambos, o Rei Leopold, da Bélgica, mas acaba ficando encantado pela futura rainha. Aos 18 anos ela é coroada e, ao mesmo tempo em que intensifica seu envolvimento com Albert, cria uma forte amizade com o lorde Melbourne (Paul Bettany), primeiro ministro da época e que se torna seu assessor pessoal.

Mesmo sendo retratada como uma mulher determinada e objetiva, pequenos detalhes no seu comportamento revelam também um lado ainda infantil e imaturo. E esta dualidade da personagem é uma das maiores riquezas do longa. A determinação de assumir o comando de seu país é contrastada com a insegurança de que Albert tome seu poder. A postura adulta diante dos conselheiros reais é como um contraponto, por exemplo, ao jeito sapeca com que brinca ao descer as escadas de sua residência - sempre acompanhada de alguém, obedecendo à ordem de sua mãe (aliás, uma bela metáfora da prisão domiciliar em que jovem vivia).

A racionalidade com a qual lida com interesses inescrupulosos de seus familiares some quando acata incondicionalmente todos os conselhos de Melbourne, num misto de paixão platônica e admiração. A maneira como se senta na cama ou poltronas de seu palácio, infantilmente balançando os pés, é bem diferente de suas atitudes nos passeios reais. A sensatez das respostas dadas ao principal rival político nem parece ser da mesma pessoa que pinta e dá banho em seu cachorrinho, como se ele fosse um bebê. O apego emocional por sua governanta mostra uma carência afetiva que em nenhum momento transparece diante de outras pessoas, nem mesmo quando pede Albert em casamento.

Tudo isso são preciosismos brilhantes que nos ajudam a captar a essência desta jovem rainha, que assumiu o trono de uma das potências mais importantes do mundo ainda quase criança. Junte a isso os excelentes figurinos da três vezes oscarizada Sandy Powell, que fez uma réplica do vestido original usado por Vitória em sua coroação, e a impecável direção de arte, que recria detalhadamente o ambiente da época. Um filme que nos conquistas pelos seus requintes.

Emily Blunt tem sido uma doce revelação desde O Diabo Veste Prada e em A Jovem Rainha Vitória não é diferente. Ela está totalmente convincente no papel da monarca, dando doses exatas de pureza, esperteza e infantilidade à personagem. Rupert Friend também concede uma serenidade incrível ao seu Príncipe Albert, numa interpretação moderada e madura - tal qual o personagem real, que foi de extrema importância no reinado de Vitória, sempre atuando de forma discreta.

Uma grande revelação é Paul Bettany como o carismático e cínico Lorde Melbourne. Destaque para a participação pequena, mas muito especial de Jim Broadbent, como Rei William, e para Miranda Richardson, como a inescrupulosa e manipulável Duquesa de Kent, mãe de Vitória. E tem também o vilão da vez Mark Strong, como o interesseiro sir John Conroy, companheiro da duquesa.

A cena de um diálogo entre Vitória e Albert, logo que se conhecem, resume a relação dos dois no filme e em toda a vida. Eles jogam xadrez e Vitória comenta que se sente “uma peça de xadrez em um jogo contra sua vontade”. E ele responde que mais interessante do que encontrar alguém que jogue por ela (numa referência a sua mãe e todos a sua volta) é ter um companheiro que jogue com ela.

Um trocadilho de preposições que mostra a riqueza do roteiro e do filme como um todo.

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