segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Mostra de cinema no tempo do YouTube

O maior evento da área no País começa sexta alinhado à era digital

Marcel R. Goto

A menos de uma semana do início de sua 31ª edição, o quartel-general da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo vive o típico frenesi da véspera dos grandes eventos.A complicada logística por trás das mais de mil sessões de quatrocentos curtas e longa-metragens não abandona seus organizadores, o casal Leon Cakoff e Renata de Almeida, nem durante uma breve entrevista sobre como as tecnologias de informação transformaram a produção do evento ao longo do tempo. Não se deixe enganar pelo aspecto pacífico da foto: enquanto posava, Cakoff tinha o celular ligado em viva-voz sobre a mesa e discutia calorosamente uma das inúmeras questões burocráticas da Mostra.À primeira menção da internet, no início da entrevista, ele responde com satisfação: “Somos pioneiros, nosso site, www.mostra.org, precede até a regularização da internet no Brasil”. Mais do que um informativo do evento, o sítio, como Cakoff faz questão de chamar, transformou-se numa referência sobre cinema na web brasileira. Todos os filmes já exibidos nos 30 anos da Mostra estão catalogados lá, e esses arquivos, mais o jornal do site, que tem 50 mil assinantes, fizeram com que ele fosse eleito pela revista Info como o melhor endereço online sobre cinema do país. Este ano, o site exibirá vídeos dos debates e trailers dos filmes exibidos.Renata conta uma interessante anedota sobre o envolvimento da internet com a Mostra. Enquanto escolhia obras de Claude Lelouch para uma seleção especial, amigos franceses lhe indicaram o curta C'était un Rendez-Vous, de 1976, que foi recentemente remasterizado e estava disponível no YouTube com a bênção do diretor.No filme, o próprio Lelouche dirige veloz e um tanto irresponsavelmente pelas ruas de Paris, passando por diversos marcos e sinais vermelhos, com uma câmera especial acoplada à frente do carro. Foi a primeira avaliação online de um filme para a Mostra, e Rendez-Vous será exibido em cópia de 35mm.Ela indica ainda outros filmes com forte relação com a tecnologia digital, como Tracey Fragments, que usa técnicas de composição praticamente impossíveis de serem reproduzidas em filmes tradicionais, e Braid Upon the Brain, de Guy Maddin, que usa filtros digitais para reconstituir a aparência dos filmes dos anos 20. Quando questionada sobre a possibilidade de uma versão online da Mostra, Renata explica que o evento permanece fiel a certas tradições: “Pra nós o cinema é uma experiência social. Tudo faz parte: sair de casa, o caminho, a fila, sentar ao lado de pessoas que você não conhece e compartilhar a sala escura”.E quanto à possibilidade de exibir filmes que evitam o circuito das salas de cinema e existem apenas na web? “Um dos critérios de seleção é que a obra seja inédita em São Paulo. Se está na internet, consideramos que não é inédito”. Mas os critérios podem ser revistos no futuro, diz.Um jornal emoldurado no escritório da Mostra, como uma instalação de arte, talvez seja o melhor símbolo da relação do evento e seus organizadores com a tecnologia. Trata-se da manchete da derrota do enxadrista russo Kasparov pelo computador Deep Blue, estampada na capa do Libération, jornal francês progressista fundado por Sartre. A internet e a revolução digital, longe de ditarem regras, são vistas sempre pelo olhar da arte e outras tradições das humanidades. E Leon Cakoff, como comenta Renata, ainda não se convenceu a usar seu iPod...

(SERVIÇO)A Mostra Internacional de Cinema de SP vai de 19 de outubro a 1º de novembro.

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