segunda-feira, 31 de março de 2008

Contratados desde a faculdade

Crescimento econômico amplia procura de mão-de-obra e garante emprego antes da formatura

Por RODRIGO CARDOSO

TALENTOS Rafael Kirsten, do mercado financeiro, Débora Noronha, engenheira, e Yuri Clements, do agronegócio: emprego antes de ter o canudo na mão

Há uma revolução em curso no País: a mão-de-obra especializada, recém- formada e capacitada por uma universidade competente nunca foi tão requisitada pelo mercado de trabalho. Esse exemplo de movimentação histórica é perceptível no maior pólo formador de engenheiros, a Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP). Lá, o vice-diretor da instituição, José Roberto Cardoso, conta que quase a totalidade dos alunos que se formaram no ano passado tinha propostas de trabalho ou já estava empregada - e os poucos que ainda não estão no mercado levarão um ou dois meses para ingressar nele.

É um salto tremendo, uma vez que até três anos atrás esse número era de 70% (e a colocação do restante demorava seis meses). "Eu mal recebi o diploma e nem peguei o CREA (certificado de registro do engenheiro) e já fui contratado", conta o engenheiro civil paulista Ruy de Sordi, graduado no ano passado em outro centro de excelência na formação de engenheiros, a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Como reflexo de uma economia que não pára de produzir bons resultados - como o crescimento acima da média histórica, a inflação controlada e reservas internacionais suficientes, pela primeira vez, para quitar a dívida externa -, alguns setores pegaram carona nesse eldorado de oportunidades e crescem a galope. Em algumas áreas, como engenharia civil, agronegócio, tecnologia da informação e mercado financeiro, não há gente capacitada para atender à demanda. Por isso, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 90 mil vagas formais não foram preenchidas no ano passado, apesar de nove milhões de brasileiros estarem em busca de emprego.

Outro estudo, patrocinado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) e que ouviu 1.714 empresas em 22 Estados, apontou que mais da metade delas (cerca de 53%) tem problemas com a falta de mão-de-obra qualificada. "No primeiro trimestre de 2005, 7,9% das empresas disseram que a falta de trabalhador preparado era um dos principais problemas enfrentados por elas. No último trimestre do ano passado, 20% deram essa resposta", afirma Renato da Fonseca, gerente-executivo da unidade de pesquisa, avaliação e desenvolvimento da CNI.

OBRA Ruy de Sordi: recém-formado com salário de R$ 3 mil

O caso da engenharia civil é emblemático. Desde 1980, quando o Banco Nacional da Habitação (BNH) estava a plena carga, a construção não atingia índices de crescimento tão fulgurantes como os atuais (estima-se em 10% o crescimento para este ano). Como conseqüência desse desempenho turbinado pela facilidade de crédito imobiliário, engenheiro civil é um profissional raro no mercado. O headhunter Luiz Werver, diretor-sócio da Ray & Berndtson, uma das cinco maiores empresas de consultoria e capital humano do mundo, conta que todo dia recebe pelo menos uma ligação de empresa procurando engenheiro civil.

"Como é difícil achar engenheiro de 30 e poucos anos, experiente, para colocar no mercado, as empresas estão se reinventando. Elas contratam gente nova, talentosa e treina", diz ele. A CNI avaliou essa movimentação em sua pesquisa: 84% das empresas industriais afirmaram investir em programas de capacitação. Com 22 anos, o engenheiro Ruy de Sordy, que trabalha na construção de pistas de provas e pavimentos especiais, frisa: "Engenheiro civil encontra oportunidade na área que quiser e em qualquer lugar do Brasil."

Sordy tinha duas propostas de trabalho antes de se formar. Recusou, inclusive, um convite para um processo seletivo da gigante Odebrecht, para seguir na Construtora Estrutural, onde fez estágio por três meses no final do ano passado, e hoje, efetivado, tem salário de R$ 3 mil - três vezes maior do que na época do estágio. "Não conheço nenhum amigo que queira trabalhar e não esteja trabalhando", diz Sordy.

Engenheiro de produto júnior da GM, Rafael Camin, 24 anos, confirma o cenário cada vez mais visível no País: diploma é sinônimo de proposta de emprego. "Das 25 pessoas que se formaram comigo, todas foram parar no mercado assim que concluíram a faculdade", conta ele, que terminou o curso em 2006 e, somente no último ano da faculdade, recebeu 15 convites para participar de processos seletivos e cinco propostas efetivas de trabalho. Camin, hoje, faz pós-graduação em mecatrônica na Poli - recebe R$ 400 da GM para fazer esta especialização - e vive tranqüilo com um salário de R$ 3 mil. "A demanda fez o salário médio do engenheiro saltar de R$ 1,2 mil, dois anos atrás, para os atuais R$ 4,5 mil", reforça Cardoso, o vice-diretor da Poli.

RH Andrea, da Plascar: 58 estagiários

Diferentemente da engenharia civil, que nos anos 80 e 90 viveu sua "fase perdida", com engenheiros desempregados, o setor de tecnologia da informação (TI) emprega toda a mão-deobra recém-formada há 20 anos. Enquanto o engenheiro civil daquela época emendava um curso atrás do outro após a graduação, já que não encontrava emprego, ou, em atitude extrema, não concluía a faculdade propositalmente para continuar no mercado como estagiário (o único cargo disponível no setor), os profissionais da computação já nadavam de braçada na bonança da profissão.

Tanto que, para tentar atender o mercado, que hoje cresce aproximadamente 15% ao ano, o número de cursos de computação passou de 300 em 1996 para 1,5 mil, no ano passado. "O curso de tecnologia da informação é pouco sexy, passa a imagem de ser um negócio de nerd. Mas está perdendo oportunidade quem não opta por ele. Não existe desemprego no nosso setor. É cursar a faculdade e sair para trabalhar", diz Benjamin Quadros, presidente da BRQ, empresa campeã do ranking de Tecnologia-Software e Serviços de As Melhores da Dinheiro.

Hoje, um milhão de pessoas estão empregadas em TI no Brasil. A relação candidato por vaga no setor é de um para um, de acordo com Mário Fagundes, coordenador de pesquisas do grupo Catho, o maior portal de recursos humanos da América Latina. "Até 2010, haverá a necessidade de 100 mil novos profissionais para dar conta do setor", diz Fagundes. Ele completa o quadro: "Com a falta de capital humano, a alternativa das empresas é baixar a qualificação."

Jovens talentos recém-graduados em uma faculdade renomada de TI são disputados e conseguem emprego até mesmo em grandes pólos da profissão, como o Vale do Silício, na Califórnia (EUA), ou a China, que patrocina feiras ao redor do mundo para atrair profissionais. O paulista Samuel Goto, 25 anos, formou-se em engenharia da computação na Unicamp, em 2006. Naquele ano, ganhou US$ 5 mil em um concurso de projetos de software livre na multinacional Google. Com a premiação, conseguiu um estágio de três meses nos Estados Unidos e, ao final, recebeu uma proposta, no início do ano passado, de efetivação na matriz da Google, em Mountainville.
Goto optou por retornar ao Brasil para casar e fazer mestrado na Unicamp - que ainda cursa. Negociou, porém, sua contratação para o início deste ano. A Google topou e hoje o paulista é engenheiro de software do Orkut, site de relacionamento mundialmente famoso. É ele o autor de inúmeras inovações no site, como, por exemplo, a possibilidade de responder ao scrap na própria página de recados. "Profissionalmente, não tem lugar melhor para eu trabalhar, já que o desafio é grande. Eu trabalho com tecnologia de ponta, ao lado de pessoas que escreveram livros excepcionais que eu lia na faculdade", comemora Goto, que, por contrato, não pode revelar o salário.

COMPUTAÇÃO
Júlia Perdigueiro saiu empregada da faculdade e Samuel Goto foi trabalhar no Google, na Califórnia

Diferentemente do cenário atual, o País, durante décadas, teve um ritmo de desenvolvimento lento e os governantes subestimaram a necessidade de investimento na formação especializada. Hoje, atrair cada vez mais gente para aprender e adquirir competência e certificação em tecnologia, a começar pelo incentivo no ensino médio, é o horizonte que se desenha ante essa carência de mão-de-obra qualificada. É a forma de, no futuro, aumentar a chance de o País exportar mais tecnologia e menos gente de tecnologia.

ENGENHARIA CIVIL
É uma das áreas mais promissoras do momento. Na turma que concluiu o curso no ano passado na Unicamp, por exemplo, 90% dos recém-formados estão no mercado de trabalho. E este número tende a crescer. Segundo cálculo do vice-diretor da Poli (USP), José Roberto Cardoso, cada US$ 1 milhão investido pelo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) implica a criação de uma vaga de engenheiro. Se o governo federal repassar os R$ 500 bilhões (cerca de US$ 294 bilhões) por meio do programa até 2010 como foi prometido, em quatro anos serão necessários mais 294 mil novos profissionais. O Brasil forma, hoje, 26 mil engenheiros por ano. Aproximadamente 30% são civis. É pouco se pensarmos que a Coréia do Sul e o Japão formam 80 mil cada um e a Índia, 150 mil todo ano. "Precisávamos formar pelo menos três vezes mais" diz Cardoso. A jovem engenheira civil Débora Noronha, formada na Unicamp, começou como estagiária na Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL) antes de se formar. Hoje, trabalha na Átria Engenharia, que constrói prédios comerciais e obras residenciais, com salário de R$ 1,5 mil. Segundo Cardoso, da Poli, o crescimento da construção civil no País deve muito a países asiáticos, como a China, que se tornaram fortes importadores de ferro, cimento e vergalhão. No mercado interno, o professor e coordenador do curso de engenharia civil da USP, Mario Senatore, aposta nas grandes obras do PAC. Para tanto, porém, é preciso de mais mão-de-obra capacitada. O Brasil tem 2,48 engenheiros por mil habitantes, número muito inferior ao dos países desenvolvidos.

MERCADO FINANCEIRO
A estabilidade da economia n ão restringiu o mercado de trabalho do setor financeiro. Pelo contrário. Hoje, há uma forte demanda por profissionais nas áreas de banco de investimentos, corretoras de capitais, seguradoras e previdência privada. "O mercado está crescendo de uma forma que não se via há anos", diz Ricardo José de Almeida, professor de finanças da Faculdade de Economia e Administração (FEA), da USP. "Na sala de aula vejo todo mundo com estágio e já nas melhores empresas." Com este céu de brigadeiro, no ano passado, o jovem economista Rafael Passos Kirsten se deu ao luxo de preterir quatro processos de seleção em empresas como Santander e Unibanco pelo estágio que fazia na Victoire, uma empresa de administração de recursos de terceiros. Na época, aluno do curso de economia com foco em mercado financeiro do Ibmec São Paulo, o paulista de 22 anos recebia R$ 600 mensais. Agora, já formado, foi efetivado com um salário de R$ 3 mil. Centro de referência nas áreas de negócios e economia, o Ibmec São Paulo registrou, no ano passado, um aumento de 60% no número de empresas do setor financeiro que tentam garimpar na instituição um jovem talento. Pesquisa do Ibmec verificou que 83% dos formandos em 2006 declararam não ter encontrado dificuldade para entrar no mercado de trabalho - um aumento de 21% em relação aos graduados em 2004. Esse mesmo levantamento revelou que, em 62% dos casos, os ex-alunos que estão empregados recebem em média um salário entre R$ 2 mil e R$ 4 mil.

TECNOLOGIA DA INFORMAÇÃO
Desemprego é uma palavra que não existe na área de tecnologia da informação. A relação candidato por vaga no País é de um para um, ou seja, emprego garantido. A agressividade das empresas de TI é tanta na hora de buscar um jovem talento que, desde o ano passado, a gigante IBM firma parcerias com escolas do ensino médio para incluir em seus currículos disciplinas que cubram as necessidades de mão-de-obra especializada. A IBM ajuda a treinar os alunos de Estados como Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, e dá a eles oportunidade de contratação. É uma das saídas para reverter um quadro crítico: um déficit de 17 mil profissionais nessa área no Brasil - em 2010, esse número deverá chegar aos 100 mil -, segundo um levantamento da consultoria IDC (International Data Corporation). "O Brasil terá déficit de mão-de-obra durante os próximos dez, 15 anos", prevê Deli Matsuo, diretor de recursos humanos da Google para a América Latina. A paulista Júlia Martins Perdigueiro, 24 anos, pesquisou as oportunidades do mercado antes de optar pelo curso de engenharia da computação na Unicamp. Formada no ano passado, ela trabalha como engenheira de softwares júnior do Instituto de Pesquisas Eldorado, referência em soluções tecnológicas inovadoras na área de TI. Júlia começou como estagiária no quarto ano da faculdade recebendo R$ 400. Em pouco mais de um ano, passou a ganhar R$ 3 mil por mês. "Não me vejo desempregada nos próximos anos. O mercado está bom, com muita oferta de emprego", diz Júlia.
AGRONEGÓCIO
O campo de expansão no setor de agronegócio é enorme. Há 90 milhões de hectares de terras no País que podem ser utilizados para a produção agrícola - hoje, 220 milhões já são explorados. "Não tem país no mundo que se compare ao Brasil em agronegócio e possibilidade de expansão", diz o coordenador do curso de gestão do agronegócio da Universidade Federal de Viçosa, Aziz Galvão da Silva Jr. O caminho do sucesso não é apenas produzir cada vez mais. Saber comprar e vender é fundamental e aí entra o profissional de agronegócio para fazer a diferença nessa cadeia. Na área de hortifrutigranjeiros, por exemplo, especialistas estimam que 30% do que se produz se perde entre a produção e o supermercado. É aí que entra o trabalho de planejamento logístico de profissionais como Yuri Clements, funcionário da PricewaterhouseCoopers, a maior empresa de consultoria de agronegócio do mundo. Ex-aluno da Universidade de Viçosa, Clements tinha sete propostas de trabalho antes de se formar. Aos 23 anos, hoje ele ocupa o cargo de consultor assistente de agribusiness da Price - e já recusou quatro outras possibilidades de emprego. Por um salário de R$ 1,4 mil, uma de suas funções é garimpar oportunidades de projetos no setor de carne, cana-de-açúcar e soja. Hoje, existem aproximadamente 100 cursos de gestor de agronegócio no País. Mesmo assim, há uma demanda grande de profissionais por conta do etanol e biodiesel. "Necessita-se de gente capacitada para coordenar a cadeia: quem vai fornecer o produto, fazer os contratos de compra e venda, cuidar dos preços", explica Aziz Galvão.

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