segunda-feira, 31 de março de 2008

Cinema nacional sem tiros

Filmes como Chega de saudade e Falsa loura provam que a produção brasileira não se limita às histórias sobre a violência urbana

IVAN CLAUDIO

PÉS-DE-VALSA O filme Chega de saudade retrata o universo de freqüentadores de bailes, como os personagens de Maria Flor e Stepan Nercessian

Um lucrativo segmento ganhou força na recente produção de filmes nacionais: o que retrata a violência urbana. De Cidade de Deus a Tropa de elite, passando obviamente por Carandiru, o que se tem é uma sucessão de tiros, sangue e tortura – e também de rentáveis bilheterias.

Intelectuais costumam debater se esse tipo de obra ajuda a conscientizar a sociedade sobre a urgência de políticas públicas nesse setor ou se apenas funciona como gigolô da marginalidade para a obtenção de muito lucro. A discussão é tola: muita gente gosta de ver cenas que envolvem inocentes sendo queimados vivos por traficantes e traficantes sendo sufocados com saco plástico pela polícia – e isso não só nas telas, uma vez que dados recentes apontam que cerca de 40% dos brasileiros não condenam a tortura como método de “arrancar” informação de bandido.
É nessa toada, por exemplo, que Bruno Barreto está finalizando 174 – a infância roubada (sobre o seqüestrador do ônibus 174, Sandro Nascimento) e Marisa Leão, produtora de Meu nome não é Johnny (outro sucesso com tráfico como tema central) negocia a compra dos direitos autorais do livro Abusado, de Caco Barcellos (sobre o traficante Marcinho VP). Há, no entanto, quem esteja virando a câmera para outra direção. Na contramão desse cinema de tiros e “canos” fumegantes, uma produção diversificada (e bem saudável para os olhos e a mente) tenta ganhar espaço. O exemplo mais recente é o filme Chega de saudade, novo trabalho de Laís Bodansky, que estréia em todo o Brasil no feriado da sexta-feira 21. Inteiramente passado num salão de danças em São Paulo, esse filme não tem polícia nem marginal. Mostra apenas uma pequena briga, inocente até, fruto de uma crise de ciúme de um de seus personagens.

Eleito melhor filme pelo júri popular do Festival de Brasília (ganhou também prêmio de direção e roteiro pelo júri oficial), Chega de saudade mostra que as pessoas não querem ver apenas histórias que reproduzem o seu pânico do diaa- dia. E há outros títulos que também estão chegando por esse caminho – Falsa loura, de Carlos Reichenbach (estréia no mês que vem), aborda os desencontros amorosos de uma operária, e Os desafinados, de Walter Lima Jr. (previsto para junho), mostra um grupo de amigos, todos músicos, à época do surgimento da bossa nova. A diretora de Chega de saudade, Laís Bodansky, acredita que o crescimento dessa produção, voltada para temáticas menos apelativas, deve-se a uma maturidade no processo cinematográfico nacional. “Num primeiro momento, os temas mais fortes e emergenciais ganharam atenção. Acho que hoje, com a reconquista do público, existe uma maior receptividade para outros tipos de filme”, diz a cineasta.

A própria trajetória de Laís confirma essa transformação do público. Em plena crise da produção nacional, ela dirigiu um título que se enquadrava nas produções de “tema emergencial”: Bicho de sete cabeças (2001), com Rodrigo Santoro, uma contundente crítica ao sistema manicomial. Ela teve de amargar mais sete anos para chegar de novo às telas. “Na verdade, a minha vontade de fazer um filme sobre o universo dos clubes de dança é anterior ao Bicho”, diz Laís, que costumava freqüentar esse tipo de baile com seu marido, o roteirista Luiz Bolognesi. “Não há como ir a esses lugares e não observar as pessoas. Já nessa época eu e o Luiz conversávamos sobre o potencial de um filme enfocando o assunto, mas não estava na hora.” Não era apenas o enredo, centrado em personagens em sua maioria acima dos 50 anos, que não se mostrava propício. Laís se sentia ainda verde para lidar com uma trama tão complexa.

Não se deve deduzir, a partir disso, que o enredo de Chega de saudade seja fácil, simples ou rocambolesco. Nada disso. A sua estrutura é intrincada. São diversos personagens interagindo e a câmera de Walter Carvalho tem de saltar de mesa em mesa, de casal em casal, passando pelo garçom, pelo técnico de som e pelos músicos da banda (Elza Soares e Marku Ribas à frente). Existem, a exemplo do que ocorre em todo bom filme, aqueles tipos catalisadores de atenção como o técnico de som vivido por Paulo Vilhena, atormentado pelo assédio do coroa sedutor, interpretado por Stepan Nercessian, sobre a sua namorada (Maria Flor) – é esse coroa quem deixa na solidão da mesa a amante de poucas palavras (personagem feita por Cassia Kiss). Outro casal de destaque é o par pé-de-valsa interpretado por Tônia Carrero e Leonardo Villar. “Trata-se de um típico filme de personagens, sobre como eles se transformam numa noite”, diz Laís. “Essa passagem é construída ponto por ponto, mostrando um olhar, uma lágrima que cai.”

NOVOS FILMES, NOVOS ENREDOS

OS DESAFINADOS
Cláudia Abreu e Rodrigo Santoro fazem o papel de dois músicos dos anos 60 no filme de Walter Lima Jr., programado para chegar às telas em junho

FALSA LOURA
Rosanne Mulholland é uma operária enganada pelos namorados no filme de Carlos Reichenbach, que estréia no mês que vêm

ESTÔMAGO
João Miguel faz uma ótima interpretação de um cozinheiro. A estréia do filme está prevista para abril

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