sábado, 6 de outubro de 2007

Devoção à barulheira

Por que, no caso do heavy metal, falar de"tribo roqueira" é mais do que uma metáfora

Sérgio Martins

Metaleiros: pose agressiva para compensar a timidez

Os punks, os góticos, os emos – admiradores de todos os gêneros de música pop costumam se reunir em grupos com gírias, roupas e adereços próprios. São as tais tribos urbanas. A expressão, claro, tem sentido figurado. Entre os fãs de heavy metal, porém, quase se pode utilizá-la na acepção literal. "Os metaleiros me fazem lembrar de tribos guerreiras do passado. Mais do que a afinidade musical, eles têm uma espécie de comprometimento ideológico", diz o antropólogo Sam Dunn, um dos três diretores do documentário Metal: uma Jornada pelo Mundo do Heavy Metal (Canadá, 2005), em cartaz desde sexta-feira no país. E talvez seja até mais apropriado dizer que os fãs do metal formam uma seita, tal a devoção às vezes irracional com que eles seguem os mandamentos de seus ídolos. Em uma das cenas mais bizarras do filme, um fã tatua o nome da banda Slayer no braço – e a tinta usada é o seu próprio sangue. Dunn e seus dois co-diretores, Scott McFadyen e Jessica Joy Wise, retratam o metal e seus exaltados fãs de forma generosa. Mas são também realistas na caracterização, digamos, psicossocial do metaleiro típico. Ele é em geral um jovem tímido e não muito hábil com as meninas (a seita é majoritariamente masculina). As guitarras distorcidas, a bateria acelerada e as letras que falam de demônios e exaltam a misoginia oferecem uma forma de extravasar ressentimentos.

O diretor Sam Dunn na Noruega: ele é antropólogo

O documentário traz entrevistas com ídolos do metal, como Tony Iommi, guitarrista do Black Sabbath, e Bruce Dickinson, vocalista do Iron Maiden. Alguns até demonstram lampejos de inteligência. Alice Cooper cita os massacres comuns nas peças de Shakespeare para defender um de seus shows – que, nos anos 70, foi censurado sob a alegação de que era "sangrento" demais. "Será que esse pessoal nunca leu Macbeth? Faz parte do currículo escolar inglês", diz o cantor. Não se segue daí que a mitologia pobrinha do heavy metal seja comparável aos dramas elisabetanos. A seita metaleira, afinal, tem um uso mais notório para a cabeça: seus integrantes a balançam em ritmo feroz durante os shows. Felizmente, a maioria deles limita-se a soltar suas bruxas no terreno seguro de festivais como o de Wacken, na Alemanha, exibido no documentário. Mas há extremistas. Na Noruega, o vocalista da banda Burzum foi preso por incendiar igrejas cristãs. O país escandinavo abriga os expoentes do black metal, subgênero que pretende levar a sério o satanismo que para bandas como Black Sabbath era só recurso cênico. "Satã é liberdade", prega o líder da banda Gorgoroth, entrevistado em Metal. É, os fiéis falam em línguas estranhas.

Fonte: Diário Catarinense - 06/10/07

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